Remuneração de dirigentes é conquista para organizações do terceiro setor

Autora: Valéria Maria Trezza (*)

 

As organizações do Terceiro Setor — associação e fundações sem fins lucrativos — conquistaram recentemente um direito que há muito vinham pleiteando: remunerar seus dirigentes sem perder o gozo de benefícios fiscais.

A proibição de remunerar dirigentes sempre esteve presente na legislação tributária e na que rege as certificações concedidas pelo Poder Público, motivada pela má compreensão de que isso desconfiguraria o propósito sem fins lucrativos dessas organizações. Além disso, também estava por trás da limitação o entendimento de que o trabalho social deve ser necessariamente prestado de maneira desinteressada e voluntária.

Com o desenvolvimento do setor e a necessidade de profissionalizar a gestão das organizações, a proibição passou a constituir um entrave cada vez maior, fazendo pouco ou nenhum sentido. Como consequência, muitas adotavam medidas alternativas pouco transparentes para driblar a limitação imposta pela lei. Uma das mais comuns era, e ainda é, a eleição de uma diretoria estatutária voluntária, com pouca participação na vida da organização, e que delega suas funções para um gestor “contratado” e remunerado — na prática, esse sim o verdadeiro dirigente da entidade.

A proibição geral durou até 2002, quando ocorreu a primeira mudança legal — Medida Provisória 66/2002[1] — abrindo a possibilidade de organizações remunerarem dirigentes. No entanto, ela beneficiou apenas as entidades qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou como Organização Social (OS).

Somente mais de uma década depois, a Lei 12.868/2013 alterou a Lei 9.532/1997[2], passando as organizações não qualificadas como OSCIP ou OS também a ter permissão para remunerar seus dirigentes estatutários (ainda que então sujeitas a um ininteligível teto de 70% do limite de remuneração do funcionalismo público). A Lei alterou, ainda, a proibição de remuneração como requisito para gozo da isenção às contribuições sociais.

Mais recentemente, a Lei 9.532/1997 foi alterada novamente pela Lei 13.151/2015 e pela Lei 13.204/15. Dessa forma, as associações e fundações estão autorizadas a remunerar seus dirigentes, não mais subsistindo no ordenamento jurídico federal a proibição absoluta à remuneração como condição para o gozo de eventuais benefícios fiscais.

Diante dessas mudanças, as organizações sem fins lucrativos que promovem interesses públicos podem remunerar dirigentes que atuem efetivamente na gestão executiva (diretores), desde que elas não participem em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo a remuneração ser fixada pelo órgão de deliberação superior da entidade (assembleia geral, no caso de associações, ou conselho curador, no caso de fundações).

As organizações que não cumprem os requisitos acima (por não atuarem em prol de interesses públicos, promovendo primordialmente o interesse de seus associados, por exemplo), também podem remunerar dirigentes. No entanto, a remuneração não pode ser superior, em seu valor bruto, a 70% do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.

As mudanças na legislação federal ainda não foram acompanhadas, pelo menos por enquanto, pelas legislações estaduais e municipais. As leis de muitos Estados e municípios que tratam da concessão de certificações e outros registros em âmbito local ainda preveem a proibição. Desta forma, muitas organizações que poderiam passar a remunerar seus dirigentes não podem fazê-lo, sob pena de comprometerem benefícios. É o caso, por exemplo, das organizações de assistência social. A inscrição nos Conselhos Municipais de Assistência Social é pré-requisito para a obtenção da CEBAS. Como muitas legislações locais que regulam a inscrição nesses conselhos ainda vedam a remuneração de dirigentes, como é o caso do Município de São Paulo, as entidades sociais seguem impedidas de usufruir desse benefício. Urgente, portanto, que Estados e municípios revejam suas legislações.

Independentemente desses problemas e de eventuais dúvidas que pairam sobre o assunto, o fato é que as sucessivas mudanças na legislação federal que permitiram que as organizações do Terceiro Setor passem a remunerar seus dirigentes devem ser comemoradas, constituindo avanços em prol da profissionalização, com transparência, dessas organizações.

 

 

 

Autora: Valéria Maria Trezza é advogada especialista em Terceiro Setor e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP.


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