por Ronaldo Batista Pinto
Com o advento da Lei 9.099/95, que tratou dos Juizados Especiais Criminais, os delitos de lesão corporal leve e culposa, previstos, respectivamente nos artigos 129, “caput”, e 129, parágrafo 6º, do Código Penal, sofreram sensível alteração no que diz respeito à condição de procedibilidade.
Ou seja, passou-se a exigir, como condição para o exercício da ação penal pelo Ministério Público, a prévia representação do ofendido ou de seu representante legal ou mesmo de seus sucessores, nos termos do disposto no artigo 88 da mencionada lei. De sorte que tais delitos, anteriormente elencados entre aqueles de ação penal pública incondicionada, passaram a receber tratamento de ação penal pública condicionada a anterior manifestação de vontade da vítima, sem embargo da titularidade ser mantida com o órgão do parquet.
Entretanto, questão que tem causado certa discussão no âmbito prático — e é somente esta a abordagem que se pretende com o presente trabalho — é a atinente à necessidade da mencionada representação também para as hipóteses da contravenção penal de vias de fato, prevista no artigo 21 da lei própria.
Ressalte-se, de plano, que a lei foi, sob esse aspecto, omissa, talvez por preferir deixar a questão para uma reforma futura, mais abrangente, que venha a culminar, inclusive, com a edição de uma nova lei que cuide das contravenções penais.
Contudo, entendo que, por criação jurisprudencial, acabará por se exigir, também nas hipóteses de vias de fato, a prévia representação do ofendido.
E se cobrará tal condição por uma questão que me parece lógica: se para o delito de lesão corporal leve, que é crime e portanto mais grave já se exige a representação, com muita mais razão para a mera contravenção penal de vias de fato tal condição de admissibilidade da persecução penal deverá estar presente.
Saliente-se que a infração em tela tem um caráter marcantemente subsidiário em relação ao crime de lesão corporal, revelado pela própria letra do artigo 21 da LCP, ao estabelecer, em seu parágrafo único, que “se o fato não constitui crime”.
Ademais, são infrações penais da mesma espécie, a primeira delas prevista no capítulo do Código Penal que prevê os crimes contra a pessoa e a segunda elencada na lei própria, entre as contravenções referentes à pessoa. A distinção reside no fato de que, enquanto a contravenção é infração de perigo, o crime do artigo 129 reclama, além do perigo, o dano decorrente da lesão suportada pela vítima.
Portanto, se para o mais que é o crime se exige a representação, com razão exigir-se, também, para o menos que é a contravenção. Cuida-se, mesmo, de aplicação da analogia in bonam partem, de resto expressamente prevista no artigo 3º, do Código de Processo Penal.
Parece-me, pois, que, a despeito do que reza o artigo 17 da LCP, ao ressaltar o caráter público incondicionado da ação penal, a jurisprudência caminhará, ante as razões expostas, no sentido de exigir, também nas hipóteses de vias de fato, a prévia representação do ofendido.
Era a diretriz que prevalecia, francamente, no extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, ou seja, no sentido da exigência da representação para a contravenção penal de vias de fato.
É, ainda, o posicionamento dos coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, conforme se vê do XVIII Encontro Nacional realizado em Goiânia, entre 23 e 25 de novembro de 2005, cristalizado no enunciado 76, do seguinte teor:
“A ação penal relativa à contravenção de vias de fato dependerá de representação. (Aprovado no XVII Encontro – Curitiba/PR)”.
No STF, segundo nos foi dado pesquisar, a questão foi abordada apenas em uma oportunidade, quando se firmou o entendimento no sentido da desnecessidade da representação.
Trata-se do HC 80617/MG – 1ª. Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 20.03.2001, DJ de 04.05.2001, p. 00005, do qual transcrevo sua ementa:
“Ação penal pública incondicionada: contravenção de vias de fato (LCP, art. 17). A regra do art. 17 LCP — segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação pública incondicionada — não foi alterada, sequer com relação à de vias de fato, pelo art. 88 L. 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves”.
Com a devida vênia da mais alta corte do país, não parece ser o entendimento mais correto. Com a palavra os maus doutos.
Revista Consultor Jurídico