Reprodução humana assistida começa a se desjudicializar

Autor: Jones Figueirêdo Alves (*)

 

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 2.121/2.015, de 16 de julho, especificando novas normas éticas para o emprego das técnicas de reprodução humana assistida (RHA), como as de permitir exceções ao limite da idade máxima de gestação de RHA estabelecido aos cinquenta anos, admitidas por fundamentos científicos e sem os riscos graves de saúde; disciplinar a transferência embrionária, em quantitativos dependentes de determinada idade; disciplinar a gestação de substituição (cessão temporária de útero), entre muitas outras diretivas.

Mas não é só: torna expressas as permissões do uso das técnicas de reprodução assistida para relacionamentos homoafetivos e de pessoas solteiras e da gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade.

Nessa linha, foram também recentemente editados enunciados jurídicos, segundo os quais se considera possível o registro de nascimento de filhos de casais homoafetivos, havidos de reprodução assistida, diretamente no cartório de Registro Civil, tornando dispensável a propositura de uma ação judicial, sempre que haja regulamentação da Corregedoria local. Enunciado 608, da VII Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, em 29 de setembro 2015 e Enunciado 12, do X Congresso Brasileiro de Direito de Família, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), de 23 de Outubro de 2015.

Pois bem. Agora é editado o Provimento 21/2015, de 29 de Outubro de 2015, da Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco (publicado no DPJ-PE, de 04 de novembro de 2015, pgs. 161-162), de nossa autoria enquanto Corregedor-Geral de Justiça em exercício, regulamentando o procedimento de registro de nascimento de filhos havidos de reprodução assistida, por casais heteroafetivos ou homoafetivos, e tornando admitida, expressamente, a multiparentalidade.

É o primeiro normativo registral veiculado por Corregedoria-Geral de Justiça no país a sufragar o entendimento exposto nos referidos enunciados e na diretriz da Resolução 2.121/2015, do CFM.

O Provimento institui medidas desburocratizantes ao registro civil e serve, com ineditismo, a desjudicializar as hipóteses de reprodução assistida, quando para os fins de registro, exigível era a intervenção judicial, designadamente diante dos inúmeros casos de gestação de substituição (gestação por outrem) ou de projetos parentais por casais homoafetivos.

O provimento é exauriente a orientar os Ofícios de Registro Civil para a lavratura dos assentos de nascimento, com a documentação a instruir os registros, importando segurança, celeridade e eficiência para o ato registral e buscando contribuir, juridicamente, com a evolução científica dos direitos de reprodução. Bem de ver, é a justiça correcional que se coloca a serviço do cidadão e da ciência.

As técnicas de reprodução humana assistida (RHA) no projeto parental de geração de um filho assumem avanços científicos que o direito tem assistido, de perto, sem acompanhá-los, todavia, em molduras jurídicas adequadas. A falta de normas legais disciplinadoras, em paridade com as diversas vertentes da RHA, tem sido suprida, apenas, por normas éticas para a utilização das técnicas, constantes de Resoluções do Conselho Federal de Medicina.

Antes, as técnicas de reprodução assistida eram destinadas, apenas, ao mero enfrentamento de problemas de infertilidade. Agora, para além disso, o manejo científico, no trato da procriação, ganha novas demandas de interesse, a exemplo:

Do congelamento de óvulos, em sua preservação para gravidez futura, postergada a maternidade por circunstâncias e razões diversas, como a de um tratamento de câncer ou da prioridade de um objetivo profissional da mulher no mercado de trabalho;

Da utilização ou não de embriões excedentários, havidos das técnicas de fertilização, quando se discute a custódia, os eventuais descartes ou a destinação deles para pesquisa de células-tronco embrionárias ou, ainda, para a adoção;

Dos projetos parentais constituídos por famílias monoparentais (formadas por mãe ou pai e o filho) ou por famílias homoafetivas, formadas por pessoas do mesmo sexo, onde, inexoravelmente, a maternidade ou paternidade se apresentam dúplices.

Em todos os casos, o Direito tem ficado aquém da melhor resposta jurídica, diante da inexistência de instrumentos legais específicos, reservando-se apenas à doutrina e à jurisprudência, por decisões judiciais consentâneas, as soluções tópicas e ideais diante do que a ciência médica da reprodução assistida tem empreendido em prol dos direitos reprodutivos ou procriativos.

O Provimento 21/2015, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco, de 29.10.2015, é um feliz começo, colocando a reprodução assistida no direito que lhe cabe.

 

 

 

 

Autor: Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.


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