Resolução do CNJ e lei são atos normativos primários

por Roberto Wagner Lima Nogueira

Por nove votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade confirmando a validade da Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça. A resolução proíbe a prática do nepotismo no Poder Judiciário. O ministro-relator da ação, Carlos Ayres Britto, concedeu a cautelar para suspender todos as decisões proferidas contra a resolução e foi acompanhado pela maioria do Plenário.

Na ocasião, ao proferir o seu voto, o ministro-relator lançou luzes sobre vários temas jurídicos, destacamos, nesta oportunidade, o conceito de ato normativo primário, que faz parte do núcleo essencial do voto por ele proferido e que toca de perto a questão das espécies normativas e seu fundamento de validade.

Para o ministro Ayres Britto, o Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas vontades-normativas: uma primária e outra derivada. A primária é assim designada por buscar o seu fundamento de validade diretamente no texto constitucional, sem interposta espécie legislativa outra. Logo, podendo inovar no ordenamento jurídico como força primária que é.

Já a vontade secundária é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar infraconstitucional, ou seja, em outra espécie legislativa já editada, por isso chamada de instrumento secundário que não pode inovar no ordenamento jurídico pátrio.

Segundo os ensinamentos do ministro Ayres Britto, são exemplos de atos normativos primários, estruturados a partir da linguagem do texto Constitucional: resoluções do Senado Federal (art. 52, VII, VIII e IX e art. 155, § 2º, V, alíneas a e b, todos da Constituição Federal); medidas provisórias (art. 62 da Constituição Federal); decreto — regulamento autônomo — (art. 84, VI, a da Constituição Federal); resolução do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, II da Constituição Federal); regimento internos dos tribunais (art. 96, I, alínea a da Constituição Federal). Neste último ponto, o ministro Ayres Britto destacou uma peculiaridade: estes regimentos internos possuem natureza dúbia, porquanto podem ter natureza de atos primários, quando dispõem sobre competência e funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos de cada qual deles (tribunais); e de atos secundários, quando dispuserem sobre o dever de observância das normas de processo e das garantias processuais das partes.

Em sendo assim, os órgãos constitucionais que foram aquinhoados com a possibilidade de editar estes instrumentos jurídicos são detentores da chamada competência para expedir atos normativos primários, atos que podem inovar no ordenamento jurídico independentemente da existência de interposto texto legal, uma vez que o fundamento de validade para edição de tais atos primários advém da própria Carta Republicana.

Dentro destas premissas, plenamente constitucional é o conteúdo da Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, já que trata de ato normativo primário em consonância com seu fundamento de validade, qual seja, mais especificamente, a cabeça do artigo 37 da Constituição Federal, que trata, entre outros princípios, da impessoalidade, eficiência e moralidade administrativa.

A lei é o protótipo (expressão cunhada pelo ministro Ayres Britto) do ato normativo primário, até mesmo pela dicção do artigo 5º, II, da Constituição Federal. Porém, há temperamentos. Não só a lei veicula atos normativos primários. Existem outros instrumentos jurídicos espraiados pelo texto constitucional, que também são introdutores de diplomas normativos primários no ordenamento pátrio.

Insista-se neste ponto, o conceito de legalidade é densificado, ou amplificado, de maneira que não só a lei introduz normas gerais, abstratas e impessoais no ordenamento jurídico, podendo também aquelas exceções já citadas no voto do ministro Ayres Brito introduzirem normas jurídicas gerais, abstratas e impessoais, ou noutro dizer, atos normativos primários.

A Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, por ser um ato normativo primário, isto é, instrumento jurídico que retira o seu fundamento de validade do próprio texto constitucional, pode dispor sobre a vedação do nepotismo no Judiciário independente de lei, já que a resolução tem a mesma natureza jurídica de uma lei, qual seja, ambos são atos normativos primários.

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento