Luiz Otávio Borges*
A Revista Consultor Jurídico publicou, em 20 de julho, o artigo “Maus exemplos – o Brasil chegou ao limite do apodrecimento institucional”, em que expus a convicção de que altos dirigentes da Máquina Pública Brasileira, “ao tratar o Brasil como uma imensa casa da Mãe Joana, estão empurrando a nação para um patamar de corrupção cujo desfecho poderá ser um ‘salve-se quem puder’ em que, no limite, ninguém se salvará”.
No fim do artigo mencionei o risco de a nação virar uma “colombina” e vir a reunir, para nossa infelicidade, as dificuldades vividas hoje pela Colômbia e pela Argentina. Terminei perguntando: “E daí? O que cada um de nós pode fazer?”. Tentarei, neste segundo espaço, propor um começo de resposta.
Primeiro, uma má notícia: não aparecerão salvadores para nos socorrer. Caro leitor, nem pense em deixar o problema nas mãos de Lula, de Ciro, de Serra ou de Garotinho. (“Quem muda um país é você, é o povo como um todo. Talvez seja essa a responsabilidade que não queremos assumir. É muito mais fácil entregá-la ao presidente, ao candidato perfeito, ao governo e reclamar depois” – Stephen Kanitz – revista VEJA de 15/05/02)
Nós, sociedade civil, é que precisaremos reagir, ou aprender a reagir com mais vigor. (“… cada vez mais será a sociedade civil que reformará ou aperfeiçoará o Estado, tornando as instituições mais democráticas e os governos melhores” – Luiz Carlos Bresser Pereira – Revista Estudos Avançados de janeiro/abril de 2000).
Precisaremos lembrar, mais freqüentemente e com maior intensidade, que a corrupção vem mantendo ou agravando, em parcelas crescentes da população, a pobreza, o medo ou a falta de esperança. Que a redução da corrupção e o conseqüente aumento da seriedade, na interação entre a sociedade e o aparelho do Estado, são condições preliminares ao aprimoramento dos índices econômicos e sociais do Brasil.
Precisaremos perceber a necessidade de mais cidadãos se rebelarem contra a cultura do não-adiantismo. De mais cidadãos combaterem as pequenas feridas de que tomam co-nhecimento, pois a tolerância às pequenas feridas é o terreno onde prosperam as grandes gangrenas.
(“Foram se acumulando décadas de desleixo e preguiça, pequenos crimes, pequenas loucuras administrati-vas… de repente, o que era uma realidade vira outra… o país… explode à nossa frente… se bobearmos, viramos Colômbia – Arnaldo Jabor – Estadão de 05/02/02”)
(“Coisas pequenas, quando são impunes, alimentam a possibilidade da continuidade do desrespeito à lei. O desrespeito no trânsito, o fato de não tomar cuidado com o que faz com os dejetos, são pequenas infrações que criam o clima para as grandes. E quando se é tolerante demais com as pequenas, se é absoluta-mente tolerante com as grandes” – Fernando Henrique Cardoso – abertura da IV Semana Nacional Anti-drogas, em 19/06/02)
Para reforçar esse conceito, convido o leitor a pensar sobre algumas mazelas divulgadas pela Imprensa que podem, provavelmente, ser entendidas como gangrenas resultantes da insuficiência, na Sociedade Civil, de reações fortes contra pequenas feridas:
– a complacência diante das primeiras falcatruas na Sudam e na Sudene originou esquemas que durante 20, 30 anos, desviaram 4 bilhões dos cofres públicos;
– a aceitação silenciosa dos primeiros abusos de deputados estaduais autorizou os parlamentares mineiros a aprovar, para eles mesmos, salários entre 60 e 90 mil reais;
– a acomodação às primeiras nomeações de apadrinhados desencadeou o inchamento da Anhembi Turismo, em São Paulo, com 200 fantasmas; da Câmara de Vereadores de São Luís, no Maranhão, com 1200; da Assembléia Estadual, no Amapá, com 1440;
– a condescendência perante as primeiras licitações simuladas foi a semente de 1000 concorrências fraudadas na Prefeitura de Palmas, capital do Tocantins;
– a conformação à institucionalização das propinas miúdas foi um dos vírus que infectaram as polícias estaduais brasileiras em que, segundo o Deputado Federal Magno Malta, presidente da CPI do Narcotráfico, 30% dos policiais estão comprometidos com a criminalidade.
Os exemplos acima lembrados são, é claro, uma amostra microscópica. Listei-os para chamar a atenção do leitor – peço desculpa pela insistência – para o fato de que pequenas feridas, quando não cuidadas, podem se transformar em grandes gangrenas.
Aqueles que, como você, acompanham as edições de uma revista qualificada como esta (Consultor Jurídico) certamente fazem parte do grupo de pessoas que o País pode contar. Assim sendo, pergunto: você está fazendo o que pode e o que deve fazer? Essa é uma pergunta difícil. Por esse motivo, substituo-a, a seguir, por uma indagação mais simples que, as-sim espero, tornará mais fácil sua auto-avaliação:
– você se esforça em não cometer, em não apoiar, em não glorificar, em não achar engraçado, E QUANDO POSSÍVEL EM DENUNCIAR E COMBATER, os “pequenos” crimes que chegam, direta ou indiretamente, a seu conhecimento? Seguem, a título de ilustração, alguns desses “pequenos” crimes:
– criação de dificulda-des para vender facilidades;
– aviso de que “sem recibo é mais barato”;
– venda de recibos falsos;
– sonegação de impostos;
– venda de produtos piratas;
– venda sem nota;
– exigência de propina;
– nomeação de apadrinhados ou fantasmas;
– descaso ou descompromisso por parte de algum servidor público;
– fraude contra o INSS;
– contrabando;
– concorrência viciada;
– superfaturamento;
– caixa-2 empresarial ou eleitoral;
– atendimento de órgãos públicos ruim ou péssimo;
– infração de trânsito;
– venda ou consumo de drogas.
E aí? Somou seus pontos? Ficou satisfeito com o resultado?
Revista Consultor Jurídico
Luiz Otávio Borges é engenheiro de produção pela USP e associado ao IEDC – Instituto de Estudos Direito e Cidadania