Por: Aislan Samir Cury (*)
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A reparação do dano e a denunciação da Lide: afastamento de interpretações defensivas do agente causador do dano perante o Estado e terceiros
1. Responsabilidade civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado é a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado à terceiros por omissão ou por atos de seus agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos (MELLO, 2002:837).
De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello:
“um dos pilares do moderno Direito Constitucional é, exatamente, a sujeição de todas as pessoas, públicas ou privadas, ao quadro da ordem jurídica, de tal sorte que a lesão aos bens jurídicos de terceiros engendra para o autor do dano a obrigação de repará-lo” (MELLO, 2002:838).
Leciona Odete Medauar afirmando que a responsabilidade civil do Estado “diz respeito à obrigação a este imposta de reparar danos causados a terceiros em decorrência de suas atividades ou omissões. A matéria também é estudada sob outros títulos: responsabilidade patrimonial do Estado, responsabilidade civil da Administração e responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado” (MEDAUAR, 2003:393).
O Estado age por intermédio de seus agentes, que são pessoas físicas incumbidas de alguma função estatal e, invariavelmente, causa danos ou prejuízos aos indivíduos gerando a obrigação de reparação patrimonial, decorrente da responsabilidade civil.
Assim, enquanto sujeito de direito, o Estado submete-se à responsabilidade civil, a Constituição Federal assevera que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ao culpa.
São dois os fundamentos que justificam a existência da responsabilização do Estado, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
“a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos, jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo princípio da igualdade”.
“b) No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso – , entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito” (MELLO, 2002:849).
A responsabilidade patrimonial e extracontratual do Estado, por comportamentos administrativos, origina-se da teoria da responsabilidade pública, com destaque para a conduta ensejadora da obrigação de reparabilidade, por danos causados por ação do Estado, por via de ação ou omissão. O dever público de indenizar depende de certas condições: a correspondência da lesão a um direito da vítima, devendo o evento implicar prejuízo econômico e jurídico, material ou moral.
Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre a fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como seu montante.
Exclusão da responsabilidade do Estado. Para eximir-se desta obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar as “causas de exclusão da responsabilidade do Estado”: a força maior e a culpa da vítima.
Força maior são fatos da natureza irresistíveis, o dano é inevitável sendo baldos quaisquer esforços para impedi-lo. “É relevante apenas na medida que pode comprovar ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido. Se foi produzido por força maior, então não foi produzido pelo Estado” (MELLO, 2002:386).
Culpa da vítima. Neste caso a vítima contribui para a existência do dano sofrido. Tal participação no evento danoso poderá ser total – culpa exclusiva da vítima – eximindo completamente a administração de responsabilização; ou parcial – culpa concorrente da vítima – neste caso a Administração responde parcialmente.
Silvio de Salvo Venosa ao citar a chamada “Teoria da Garantia” afirma que “o poder público no exercício de sua atividade em prol do bem comum, tem como dever garantir os direitos dos particulares contra danos a ele causados. Se houve lesão de um particular, sem excludente para o Estado, deve ser reparada. O estado tem este dever mais que qualquer outra pessoa jurídica, justamente por sua finalidade de tudo fazer em prol do progresso da coletividade” (VENOSA, 2002:270).
2. A reparação do dano causado pela administração a terceiros obtém-se amigavelmente, pela via administrativa ou por meio da ação de indenização
2.1 Via administrativa
Através da via administrativa, a reparação se dá mediante requerimento formulado pela vítima, cônjuge, parentes ou herdeiros, no entanto, trata-se de forma rara de ressarcimento; ainda que evidente sua responsabilidade, “a Administração em geral propõe ressarcimento vil ou rejeita o pedido, para que a vítima se dirija à via jurisdicional” (MEDAUAR, 2003:399).
2.2 Ação de indenização e o afastamento de interpretações protetivas do agente
Normalmente, a vítima, para obter o ressarcimento do dano, interpõe ação contra a Administração pública ou contra a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Ainda, nossos tribunais têm admitido a interposição de ação contra a Fazenda Pública e contra o agente, cumulativamente, num litisconsórcio facultativo.
Com relação à ação de indenização, Hely Lopes Meirelles entende que o preceito constitucional (art. 37, § 6°) estabelece duas relações de responsabilidade a) a da Administração pública e seus delegados na prestação de serviços públicos perante a vítima do dano, de caráter objetivo, baseada no nexo causal (ação de indenização); b) a do causador do dano perante a administração ou empregador de caráter subjetivo, calcada no dolo ou culpa (ação regressiva).
Assim este jurista, ao distinguir as duas relações de responsabilidade leciona:
“A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtém-se amigavelmente ou por meio de ação de indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva autorizada pelo § 6° do art. 37 da CF”.
“O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima e a; o agente indeniza o Estado, regressivamente” (MEIRELLES, 2000:618-619).
Ousamos e discordamos deste entendimento, pois o artigo 37, § 6° não tem este intuito protetivo do agente perante terceiro.
A norma visa a proteger o administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade objetiva em muitos casos. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade de proceder contra quem causou dano. Sendo um dispositivo protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado. A interpretação deve coincidir com o sentido para o qual caminha a norma, ao invés de sacar dela conclusões que caminham na direção inversa, benéfica apenas ao presumido autor do dano (MELLO, 2002:876).
2.3 A ação de regresso e a proteção (exclusiva) do erário
O § 6°, do Artigo 37 da Constituição Federal assegurou à Administração o direito de regresso contra o responsável, o direito da administração obter do agente o pagamento aos cofres públicos da importância despendida no ressarcimento da vítima. Condicionado este direito de regresso à prova da culpa do agente, relação reveste-se de caráter subjetivo, porque pressupõe dolo ou culpa do agente (MEDAUAR, 2003:399).
Ou seja, nesta hipótese (ação regressiva), a relação de responsabilização situa-se entre o agente causador do dano, e a Administração. Responsabilidade civil do agente perante a Administração Pública, por danos causados a terceiros e por esta ressarcidos.
Observamos que para o êxito da ação regressiva da administração contra o agente causador do dano, exigem-se dois requisitos: a) que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido b) que se comprove a culpa do agente no evento danoso.
Enfatizamos que enquanto para a administração a responsabilidade perante terceiros independe de culpa, para o servidor mister para sua responsabilização perante o Erário a prova de que agiu com culpa.
Oportuno salientarmos que a parte final do art. 37 § 6° da CF, visa a proteção do erário, ao prever a ação regressiva contra o causador do dano e não deste em relação ao terceiro ofendido. Não podemos “vislumbrar nele intenções salvaguardadoras do agente” é um equívoco concluir que “acobertou o agente público, limitando sua responsabilização ao caso de ação regressiva movida pelo Poder Público judicialmente ao condenado” (MELLO, 2002:876).
Não tem, pois, o art. 37, § 6°, qualquer caráter defensivo do agente perante terceiro.
2.4 Conclusão
Diante o exposto, concluímos que a vítima que teve interesses legítimos seus prejudicados por ato de agentes públicos, poderá propor ação de ressarcimento contra o agente público, contra o Estado ou contra ambos como responsáveis solidários.
3. Denunciação da Lide
Denunciação da lide “consiste em chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio, caso o denunciante saia vencido no processo” (THEODORO JÚNIOR, 2004:117).
Nas palavras de Moacyr Amaral dos Santos, “denunciação da lide é ato pelo qual o autor ou o réu chamam a juízo terceira pessoa, que seja garante do seu direito, a fim de resguardá-lo no caso de ser vencido na demanda em que se encontram”.
Visa-se, com a denunciação da lide a inserção de uma “demanda implícita do denunciante contra o denunciado, de indenização por pedras e danos” (GRECO FILHO, 1989:144).
A finalidade precípua da denunciação é a de se liquidar na mesma sentença o direito que , por acaso, tenha o denunciante contra o denunciado, de modo que tal sentença possa vale como título executivo em favor do denunciante contra o denunciado (GRECO FILHO, 1989:146).
A denunciação da lide é obrigatória e assume o denunciado a posição de litisconsorte do denunciante.
“Trata-se de ato obrigatório (Cód. Po
oc. Civil, art. 70), no sentido de que a parte, na relação processual, perderá o direito de regresso contra aquele que é o garante do seu direito discutido em juízo, se não tiver feito a denúncia a este e porventura for vencida” (SANTOS, 2002:27).
3.1. A Celeuma
Ventila na doutrina discussão a respeito da possibilidade ou não da Denunciação da Lide pela Fazenda Pública contra o agente.
“Artigo 70. A denunciação da lide é obrigatória:
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder as demanda.”
Odete Medauar ensina que em “sentido contrário à denunciação da lide salientam-se as seguintes justificativas, dentre outras a) a Constituição Federal art. 37, § 6°, responsabiliza o Estado pelo ressarcimento à vítima do dano, com base na prova do nexo causal; aqui se trata de relação de responsabilidade entre poder público e vítima (ou cônjuge e herdeiros) descabida a interferência de outra relação obrigacional, portanto o artigo 70, III do Código de Processo Civil, deixa de prevalecer ante a regra constitucional; b) necessidade de priorizar o direito da vítima, evitando demora no andamento do processo pelo ingresso de mais um sujeito; c) ingerência de um fundamento novo na demanda principal. Esta parece ser a orientação a que mais se inclina a jurisprudência” (MEDAUAR, 2003:400).
Continua a insígne jurista afirmando que em sentido “favorável à denunciação existe também farta jurisprudência. Argumentando-se o seguinte: a) o artigo 70, III do Código de Processo Civil alcança todos os casos de ação regressiva; b) por economia processual e para evitar decisões conflitantes, a responsabilidade do agente pode ser apurada nos autos da ação de reparação de dano; c) recusar a denunciação à lide do agente cerceia um direito da Administração” (MEDAUAR, 2003:400).
3.2. Inadmissibilidade
Hely Lopes Meirelles entende que a ação deve ser movida apenas em face do Estado, não sendo cabível a denunciação da lide, pois o legislador constituinte, no art. 37, § 6°, teria separado as responsabilidades: o estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente. Portanto, entende que não é cabível denunciação da lide.
Entendemos ser incabível a Denunciação da Lide e fundamentamos este nosso entendimento em outras razões.
Em se admitindo a Denunciação da Lide ter-se-ia a instauração de uma outra lide (subjetiva) dentro da lide (objetiva).
Ora, a responsabilidade do Estado perante terceiros possui, inegavelmente, um caráter protetivo da vítima, garantindo-lhe um patrimônio solvente, a Constituição Federal, adotou a Teoria do Risco, prevendo a responsabilidade objetiva da Administração.
Admitir a Denunciação da Lide implicaria, necessariamente, em mesclar, na mesma ação características peculiares da Responsabilidade Subjetiva com elementos da Responsabilidade Objetiva, causando prejuízo ao autor, assim concluímos com Celso Antonio Bandeira de Mello que, ao citar Weida Zancaner, afirma:
“procastinar o reconhecimento de um legítimo interesse da vítima, fazendo com que ele dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o Estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito” (MELLO, 2002:877).
4. Referências bibliográficas
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 3. Teoria das obrigações Contratuais e Extracontratuais. 17° ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 1. Teoria geral do processo e auxiliares da justiça. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
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MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Curso de direito administrativo”. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002.
___. Direito Constitucional. 7° ed. São Paulo: Atlas, 2000.
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SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SILVA, José Afonso da; Curso de Direito Constitucional Positivo, 13° ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 4. 2° ed., São Paulo: Atlas, 2004.
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Descrição do Autor
Acadêmico de Direito