Responsabilidade Civil por Abuso de Direito

Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo
Especialista em Direito Civil, pós graduado pela UniFMU/SP
Pós Graduando em Direito do Consumidor na UniFMU/SP
Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB – Seccional SP
Autor do livro: Dano moral – do cabimento à fixação do quantum
(Ed. Juarez de Oliveira)

Sumário: I – Introdução. II – Exemplos de abuso de direito. III – A Questão Indenizatória. IV – Conclusão. V – Bibliografia.

I – INTRODUÇÃO

A teoria do abuso do direito, como instrumento hábil a ensejar indenização como decorrência de responsabilização civil, é matéria das mais controversas, exatamente por situar-se numa linha muita tênue entre o exercício regular de um direito e o exercício abusivo deste mesmo direito. Por ser questão eminentemente ética, a sua medida e quantificação é de difícil enquadramento, o que não significa dizer que seja impossível.

A questão do abuso de direito não era expressamente previsto no antigo Código Civil porém, o art. 160 quando reconhecia que “não constituía atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido” deixava antever que os atos praticados em dissonância com aqueles preceitos poderiam ser enquadrados como atos abusivos e passíveis de indenização, se produzissem dano.

Assim, segundo a grande maioria de nossos doutrinadores, o abuso de direito, numa interpretação a contrario sensu, sempre esteve contemplado no Código de 1916. Dentre estes, o sempre festejado Clovis Bevilaqua dizia que “no exercício do nosso direito, desde que não transponhamos o círculo de ação, que ele nos traça, devemos ser garantidos pela ordem jurídica. Há, entretanto, limitações, que esse mesma ordem impõe ao exercício do nosso direito, como sejam, por exemplo, as que são estabelecidas para o direito de propriedade imóvel em atenção às necessidades públicas, ou ao interesse dos vizinhos”. O insigne Mestre nos dá um exemplo deste seu pensar ao mencionar que “as servidões devem ser utilizadas de modo a não prejudicar o prédio serviente nem o seu proprietário”.

Na interpretação de Wilson de Souza Campos Batalha, após fazer uma longa análise do instrumento, remontando até o direito romano e passando pelas teorias de Josserand, Ripert, Planiol, Lacambra dentre outros, o ilustre pensador brasileiro conclui afirmando que “temos, portanto, a seguinte escala das limitações ao exercício dos direitos: os atos ilegais, que violam os limites objetivos do direito, que infringem a letra da lei; os atos abusivos, que não violam a letra da lei, mas violam o seu espírito, a finalidade da instituição, transpondo seus limites subjetivos; os atos excessivos, exercidos nos termos da lei e dentro do espírito da instituição, mas que provocam prejuízos excepcionais a terceiros, acarretando responsabilidade puramente objetiva, sem atenção ao requisito da culpa”.

O novo Código Civil, faz expressa menção ao abuso de direito ao preceituar que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187), de tal sorte que, na sistemática atual, a norma civil condena expressamente o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo. O novo Civile Codex nada mais fez do que positivar aquilo que a doutrina de há muito preconizava, tal qual o filósofo e jurista Paulo Gusmão Dourado, que prelecionava: “há os prejuízos anormais produzido pelo uso anormal do direito. Tal ocorre, de modo muito amplo, quando o titular usa o direito com o fim exclusivo de causar prejuízo a outrem, sem obter qualquer vantagem ou utilidade, bem como quando o exerce de má-fé”.

Abordando a questão, o saudoso mestre Silvio Rodrigues é enfático quando afirma: “Acredito que a teoria (do abuso do direito) atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand, segundo a qual há abuso de direito quando ele não é exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi conferido, pois como diz este jurista, os direitos são conferidos ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição”.

Para melhor compreensão da complexidade da matéria, sugere Rui Stoco, que se faça três indagações fundamentais: “a) se é possível admitir que a ordem jurídica reprima o exercício abusivo do direito; b) até onde será possível estabelecer que o exercício do direito pelo seu titular pode ser considerado passível de repressão ou ressarcimento; c) se a teoria do abuso de direito é um aspecto particular da repressão ao ato ilícito ou se deve ser tratada como instituto autônomo”.

II – EXEMPLOS DE ABUSO DE DIREITO

Diversos exemplos de abuso de direito podem ser encontrados na legislação pátria, autorizando o ofendido a buscar indenização a título de responsabilidade civil, ou a obtenção de medida que obrigue o desfazimento de ato e de coisas.

No direito processual civil, tais práticas são mais visíveis e, até por pedagógico, é importante trazer à colação, palavras de De Plácido e Silva, sobre um dos mais sérios problema ocorrentes no direito processual civil, a chamada “chicana” que mereceu a seguinte definição: “É expressão vulgarizada na linguagem forense, para indicar os meios cavilosos de que se utiliza o advogado para protelar ou criar embaraços ao andamento do processo ajuizado. Caracteriza-se a chicana, que se revela em abuso de direito, nos ardis postos em prática pelo advogado de uma das partes litigantes, seja pela apresentação ou provocação de incidentes inúteis, seja pelo engenho com que arquiteta outros meios protelatórios ou embaraçosos ao andamento da ação, criando figura jurídicas que não encontram amparo em lei ou na jurisprudência, ou tramando toda espécie de obstáculos para o pronunciamento célere da justiça. Qualquer embaraço ao andamento do processo, seja por que meio for, mostra-se chicana, que ela se integra, segundo a técnica de nossa lei processual, em qualquer manejo protelatório da ação, ou da resistência injustificada a seu regular andamento”.

É exatamente em seara processual, onde se encontram os chamados “litigantes de má-fé” que poderão ser condenados a ressarcir não somente por perdas e danos (art. 16), como poderão ser multados em percentual de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, além de arcar com custas e honorários advocatícios (art. 18). Como diz o grande processualista José Frederico Marques, “quem se comportar como improbus litigator, usando de má-fé ou práticas antijurídicas, responderá por perdas e danos e a outras sanções especificas (arts. 16 a 18), uma vez que compete às partes e aos seus procuradores proceder com lealdade e boa-fé (art. 14, II)”, para ao depois concluir que “o novo Código de Processo Civil, na esteira do que o antecedeu, e impregnado de alto sentido ético, procura impor aos litigantes uma conduta condigna para que as atividades processuais se desenvolvam imunes de abusos”.

No processo executivo, as sanções são expressas e claras, no sentido de apenar aquele que no uso abusivo de seu direito vier a propor execução, pois se ao final, for a obrigação declarada inexistente, lhe gerará por via de conseqüência, a obrigação de indenizar pelos danos que tenha causado ao demandado (art. 574). Ainda no processo de execução, a nossa codificação processual determina que o devedor, não cometa “ato atentatório à dignidade da justiça” (art. 599, II), sob o risco de o fazendo ficar exposto às sanções que, a teor do art. 601, prevê a imposição de severa multa que, a critério do juiz, poderá ser “em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções…”.

Pode-se afirmar com segurança que, no âmbito do processo civil, é muito mais visível o eventual uso abusivo do direito, mas não é somente aí que se pode encontrar a figura do abuso de direito. Conforme se verá a seguir, outros exemplos existem nos campos mais variado do direito.

Assim como no processo civil, no direito civil encontramos diversos exemplos nos quais o legislador buscou regular a matéria. Dentre outros exemplos, veja-se o art. 1.277 do Código Civil que, regulando as relações de vizinhança, autoriza o proprietário ou possuidor a fazer cessar qualquer interferência que prejudiquem sua segurança, sossego ou saúde. Da mesma forma, os arts. 939 e 940 que trata do demandado por dívida já paga ou ainda não vencida (correspondentes aos arts. 1.530 e 1.531 do CC 1916), ou ainda os arts. 1.637 e 1.638 que trata do abuso de direito no que diz respeito ao poder familiar.

Também o art. 1.289 e seguintes, ainda do Código Civil, que disciplina o uso da águas, onde está explicitado que o proprietário pode fazer uso, desde que não prejudique a terceiros, pois, se assim o fizer, nascerá para o prejudicado o direito de reagir ao exercício abusivo dos poderes do titular do domínio. Da mesma forma as seções seguintes, que tratam dos limites entre prédios e do direito de tapagem (arts. 1.297 e segs.) e, do direito de construir (arts. 1299 e segs.).

Há ainda, diversos outros artigos do novo Código Civil, nos quais estão presentes, de maneira direta ou indireta, normas contrárias ao exercício irregular de um direito. A prof° Maria Helena Diniz nos dá conta que no nosso ordenamento jurídico existem “normas que, implicitamente, são contrários ao exercício anormal de certos direito”. Daí menciona o art. 153 que, a contrário sensu, estaria condenando a coação como ameaça e a qualificando como um exercício anormal de direito. Ou ainda, o art. 188 que, ao tratar das cláusulas excludentes da responsabilidade, deixa antever que “serão atos ilícitos os praticados no exercício irregular de qualquer direito”.

Em seara trabalhista não é diferente. Tomemos o exemplo do empregador que, tendo pleno direito de demitir seu empregado, seja por justa ou injusta causa, promove a demissão sob a falsa alegação de pratica ilícita. Neste caso, houve abuso de direito e o patrão poderá, inclusive, ser condenado por danos morais, porquanto seu ato configura uma das situações típicas. Não é por outra razão que Enoque Ribeiro do Santos, se escudando em S. P. Martins, nos ensina que quando o empregador “dispensa por justa causa sob a alegação de que o empregado roubou, furtou ou se apropriou indevidamente de alguma coisa do empregador, quando na verdade isso não ficou provado ou não foi o empregado que praticou o ato, mas outra pessoa”, em razão de tal imputação poderá sofrer um processo indenizatório.

Rui Stoco, na sua magistral obra já referenciada, traz extensa exemplificação das hipóteses de abuso de direito ou de atos praticados com o intuito meramente emulatório. Dentre estes alinhavamos as seguintes hipóteses:
a) matar gado alheio que pasta no campo;
b) requerer o credor arresto de bens que sabia não pertencer ao devedor;
c) requerer busca e apreensão sem necessidade;
d) requerer falência de alguém quando as circunstâncias e as relações entre ele e o requerente não o autorizam;
e) provocar prejuízos que excedam os incômodos ordinários de vizinhança;
f) requerer busca e apreensão preliminar de queixa-crime, por suposta contrafação de patente, visando eliminar concorrência;
g) revogação, pelo mandante, de procuração sem nenhuma razão plausível;
h) esgotar o proprietário as fontes em seu terreno, por mera emulação e em detrimento dos vizinhos;
i) o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos;
j) oferecer queixa-crime ou delatio criminis contra pessoa sabidamente inocente.

Independentemente dos exemplos elencados, diversas normas esparsas tratam explicitamente da matéria, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que em seu artigo 28, expressamente preceitua: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. Da mesma forma, a Lei Antitruste (Lei 8.884/94), em seu artigo 18, também prevê a desconsideração da personalidade jurídica por abuso de direito, nos seguintes termos: “A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Tratando deste tormentoso tema, a promotora Heloisa Carpena, citando Fernando Cunha de Sá, aborda uma questão que não envolve nenhum dano material palpável, pois se trata tão somente do exercício da liberdade de ir e vir, e como exemplo discorre sobre a “hipótese de um sujeito circular numa via pública aos encontrões com as pessoas que com ele cruzam, no deliberado propósito de as importunar. Nesta situação, ainda que o sujeito possa estar exercendo a liberdade que lhe assiste como prerrogativa jurídica, seu comportamento evidentemente se choca com o valor que lhe serve de fundamento e será tido como abusivo”.

Em muitas situações o abuso de direito não necessariamente causará um prejuízo material àquele ao qual a ação tenha sido dirigida. No exemplo acima temos apenas a causação de um incomodo. De ser lembrado também as demandas decorrentes de direito de vizinhança que, no mais das vezes, envolvem disputas que somente visam impor à parte adversa constrangimentos e, não necessariamente resolver uma lide, assim como as questões envolvendo condôminos, dentre outras.

Pesquisando nos julgados do 2° TACivil de São Paulo, foi possível localizar diversos arestos decorrentes do chamado direito de vizinhança e, por exemplar, trazemos à colação voto do Juiz Relator, Dr. Amorim Cantuária que serve para demonstrar à exaustão, o quão difícil é a tarefa de identificar até onde vai o direito de um e, até onde este direito não colide com o direito de outro. Veja-se ementa do julgado que ficou assim redigida; “é evidente que qualquer reforma de imóvel para que se realize, produzirá ruídos. Na hipótese, não se verificou o abuso de direito do proprietário do apartamento em reforma, que realizava as obras apenas nos dias de semana e em horários compreendidos entre as 08:00 e 17:00 horas, fato incontroverso. Os ruídos são inevitáveis e para que se estabeleça relações harmoniosas entre vizinhos é necessário que haja reciprocidade e tolerância mútuas. Os transtornos decorrentes da obra (também suportados pela ré) não ultrapassaram os limites do suportável, decorrente da situação normal que envolve relações de vizinhança, em especial, em condomínio de apartamentos”.

Por oportuno, deve ser também lembrado, as ações que versam sobre demandas condominiais, principalmente aquelas que discutem reformas, mudanças de fachadas e alterações na destinação do prédio, principalmente naquilo que diz respeito ao quorum exigido em assembléia para aprovação ou não de tais mudanças. Neste aspecto, de se abordar a questão dos direitos das minorias que, em certos casos, se vê sufocada pelo direito da maioria. De todo sorte, ainda que a maioria possa ser transformada numa ditadura para impor à minoria tudo o que bem lhe aprouver, é de se observar o outro lado da moeda que, registre-se pode também ser objeto de abusos. É importante observar que da mesma forma que o direito das minorias deve ser reconhecido, não se pode olvidar que esse direito não pode ser transformado em abuso. Nascimento Franco e Nisske Gondo com meridiana clareza afirmam: “não se esqueça, todavia, de que a minoria também pode abusar do seu direito, negando número para deliberações urgentes e necessárias. Nesse caso, só resta a intervenção judicial para coibir o abuso da minoria, tão nocivo, quanto o da maioria”.

Não é sem razão que o magistrado Carlos Roberto Gonçalves afirma que “o instituto do abuso do direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício anti-social dos direito subjetivos. As sanções estabelecidas em lei são as mais diversas, podendo implicar imposição de restrições ao exercício de atividade e até a sua cessação, declaração de ineficácia de negócio jurídico, demolição de obra construída, obrigação de ressarcimento dos danos, suspensão ou perda do pátrio poder e outras”.

De toda sorte, foi possível demonstrar que os exemplos proliferam e seria necessário estender este tópico por infindáveis laudas para exaurir a questão. O importante a considerar é que, o abuso de direito, enquanto figura jurídica assemelhada ao ato ilícito, está presente na vida social em todas as suas facetas, com fartos exemplos em todos os ramos do direito, cabendo assim aos operadores do direito saber identificá-los, quantificá-los, para então, buscar a tutela judicial que os reprimam.

III – A QUESTÃO INDENIZATÓRIA

Esta também é uma questão tormentosa. Se de um lado é de difícil caracterização a prática de um ato tido como abusivo do direito, tarefa mais difícil ainda é buscar uma sentença condenatória que reponha as partes a sua situação anterior. Contudo, esta dificuldade não poderá ser obstáculo à busca da verdade e da justiça, de tal sorte que, ancorando-se na doutrina e, agora no novo Código Civil, tais abusos poderão ser melhor coibidos. Neste particular, vejamos o que dizem os doutos.

“O ato abusivo ensejará responsabilidade civil nas mesmas condições que o ilícito, submetendo-se aos requisitos ou pressupostos do dever de indenizar, quais sejam: dolo ou culpa, dano e nexo causal” é a lição que nos ensina Heloisa Carpena. Ainda segundo a ilustre promotora “tanto o ato ilícito quanto o ato abusivo são fonte do dever de indenizar quando o comportamento do agente seja passível de um juízo de censura. O dever de não abusar traduz-se no dever de atuar segundo a boa-fé, segundo os bons costumes ou segundo a finalidade econômica ou social do mesmo direito, ou seja, dentro dos limites que, para o direito em questão, resultem do seu fundamento axiológico”.

O abuso de direito no processo é muito mais visível e, em tese, de mais fácil apenamento, contudo nossos Tribunais tem sido tímido ou pouco ousados na aplicação de penas ao improbus litigator. A teoria do abuso do direito, que tem suas raízes fincadas na moral, encontra no princípio da lealdade processual o seu grande aliado é o que nos ensina Adroaldo Leão. Da mesma forma o grande processualista Moacyr do Amaral Santos observa que “ao desrespeito do dever de lealdade processual e dos que o integram, e que se traduz no ilícito processual, abrangente do dolo e fraude processuais, correspondem severas sanções não só processuais como também pecuniárias”.

Orlando Gomes lembra que nem sempre se resolve a questão do abuso de direito pela indenização. Em muitas situações a pena poderá ser a nulidade do ato, o desfazimento de coisas, sem prejuízos de eventuais perdas e danos. Segundo o escólio do grande mestre, “se o abuso é praticado no exercício de poder conferido pelo status familiar, como o pátrio poder ou o poder marital, a repressão pelo dever de indenizar não faz sentido. Há de ser de outra espécie, admitindo-se, conforme a gravidade do abuso, a destituição do pátrio poder ou o divórcio” .

É interessante destacar que exemplos como o acima mencionado, já fazia parte da obra histórica de Washington de Barros Monteiro que, na edição de 1964 já fazia referencias aos atos abusivos que poderiam ser penalizados com destituição do direito ao pátrio poder. Renomado mestre buscando dizer no que consiste o abuso de direito, afirmava que “para uns, seu elemento caracterizador repousa na intenção de prejudicar. Todas as vezes que o titular exercite um direito movido por esse propósito subalterno, configurado estará o abuso de direito. Para outros, o critério identificador reside na ausência de interesse legítimo. Se o titular exerce o direito de modo contrário ao seu destino, sem impulso de um motivo justificável, verificar-se-á o abuso dele”.

Em recente e brilhante monografia sobre responsabilidade civil, Sílvio de Salvo Venosa afirma que “no exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito” e assim, se ver obrigado a indenizar. Na mesma linha de pensar, Caio Mario da Silva Pereira vaticina que “não se pode, na atualidade, admitir que o indivíduo conduza a utilização de seu direito até o ponto de transforma-lo em causa de prejuízo alheio”. Explicitando melhor o que seja abuso de direito o insigne jurista diz “abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente par causar dano a outrem”.

IV – CONCLUSÃO

Em que pese às dificuldades em se fazer a prova do uso abusivo de um direito bem como das dificuldades para se definir o quantum indenizatório, quando ele não envolva tão somente obrigações de fazer ou não fazer, não se pode deixar de reconhecer que a nossa legislação, apesar de ainda titubeante, começa a dar passos largos na direção daquilo que a doutrina já vinha preconizando.

Percebe-se de outro lado, pelos exemplos trazidos à colação, que o legislador pátrio está cada vez mais, sensível à necessidade de se dosar de um mínimo ético o exercício regular de um direito. Os exemplos podem ser encontrados no novo Código Civil, assim como no Código de Defesa do Consumidor e, noutras leis esparsas.

De toda sorte há uma louvável inovação no novo Código Civil que servirá como instrumental para frear o ímpeto daqueles que venham a fazer uso anormal de seus direito. Seguindo o que de há muito preconizava a doutrina, o novo diploma legal faz expressa menção ao abuso de direito e o equipara ao ato ilícito (art. 187), de tal sorte que agora a norma civil condena, expressamente, o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo. Logo de se concluir que só haverá ato ilícito se houver abuso de direito ou se uso desse direito for irregular ou anormal ou esteja em desconformidade com os fins sociais e a boa-fé.

É preciso considerar também que, segundo o nosso sistema jurídico-processual, aquele que faz uso do seu direito com finalidade divorciada a qual este se destina, responderá pelos danos causados a outrem, pois se configura hipótese de abuso de direito. A ação temerária, emulatória e incomodativa, somente persecutória da contraparte, constitui, em face da legislação pátria, litigância de má-fé, daí infere-se que a natureza da conduta maléfica, aqui analisada, é de abuso de direito, inicialmente previsto na lei material, e posteriormente migrada e adequada para a lei processual, gerando responsabilidade pelos danos causados no exercício da demanda.

De tudo quanto foi exposto, chega-se a uma conclusão inevitável: não é tarefa fácil a distinção do uso legítimo dos instrumentos processuais de defesa e a efetiva comprovação do abuso de direito de defesa e do manifesto propósito protelatório, vez que se tratam de expressões vagas, de conceito indeterminado. Da mesma forma que, no campo do direito material, fica também extremamente difícil diferenciar quando um direito legítimo está sendo usado em prejuízo de terceiros ou com abuso pelo seu titular, ou quando tal manejo estará dentro do exercício regular deste mesmo direito.

Como matéria tormentosa que é, esperamos ter contribuído para o debate sem a pretensão de ter esgotado a matéria, mas, simplesmente, ter ofertado alguns tópicos à análise mais acurada dos doutos.

V – BIBLIOGRAFIA

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