Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor

Bernardo Rücker

ÍNDICE

1 INTRODUÇÃO – BREVES CONSIERAÇÕES SOBRE A INTERNET.
2 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PROVEDOR – OBJETO
3 REQUISITOS PARA A FORMAÇÃO DO CONTRATO
4 RELAÇÃO DE CONSUMO
4.1 NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO
4.2 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA
4.3 CONTRATO DE ADESÃO
5RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
5.1 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE INTERNET FRENTE AO SEU USUÁRIO
5.2 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
5.3 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR PELO FATO DE TERCEIRO COM SUA ATIVIDADE RELACIONADO
5.4 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR PELO FATO DE TERCEIRO
6 CONTRATOS GRATUITOS
7 CONCLUSÃO
8 BIBLIOGRAFIA

1 INTRODUÇÃO – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERNET

O Brasil possui atualmente 8 milhões de internautas com a perspectiva de movimentar U$2,7 bilhões no comércio eletrônico até 2003. Já existem 240 milhões de pessoas conectadas à rede no mundo inteiro, com uma frota de microcomputadores, no Brasil, perto de 11 milhões de unidades, sendo a internet o setor líder na atração de investimentos estrangeiros em nossa nação.
O sucesso dos negócios na rede de computadores é altamente promitente e vem atraindo de uma maneira fugaz empresas e empresários. Estudos concluem que a presença virtual pode significar a sobrevivência da própria empresa. O consumidor tem no atrativo seu interesse maior: a redução do custo do produto, em média de 15 %. O fornecedor pode ter reduzidos em até 80 % seus custos associados a estrutura e fornecimento do produto vendido.
Assim como a tecnologia digital e, principalmente, a vasta gama de informações que vêm sendo difundidas, trocadas e elaboradas em decorrência deste que podemos tranqüilamente denominar do mais fabuloso e espetacular meio de comunicação já criado pelo homem, surge ao Direito a obrigação de, na mesma velocidade, acompanhar tal exorbitante evolução, preenchendo as lacunas necessárias, sem, todavia, afrontar o que a rede mundial de computadores tem de mais fascinante: a liberdade e a descentralização, elementos cruciais determinantes na sua desenfreada expansão e, por que não, sucesso.
Assim, se ao Direito cabe regular os negócios jurídicos de uma forma geral, cabe também acompanhar a genialidade humana a fim de possibilitar uma garantia à população, e, em especial, à classe dos consumidores, da qual todos pertencemos, em maior ou menor grau, ante situações de vulnerabilidade e/ou hipossuficiência.
Deparamo-nos, então, com a necessidade iminente de estudo e discussão do chamado Direito do Ciberespaço, definido por CERQUEIRA , como “o conjunto de leis, regulamentações em geral e práticas contratuais de todos os tipos e níveis, que envolvem a utilização e funcionamento de redes de software e computadores. É também chamado [direito online], debatido nos Estados Unidos desde 1985, com o objetivo de se estabelecerem regras para a comunicação. Os negócios e o uso em geral das redes de computadores.”
Temas como a aplicação das normas comerciais e de consumo nas transações via Internet (responsabilidade perante o Código do Consumidor), a publicidade na internet e a vulnerabilidade dos navegadores, os contratos on line, o recebimento indesejado de mensagens por e-mail (Spam), a utilização da mensagem eletrônica e sua autenticidade nas relações comercias e como meio de prova em juízo (assinatura digital) e a responsabilidade dos provedores de acesso à Internet têm relevância eminente e carecem de estudo aprofundado.
Aqui se faz importante trazermos a amplitude dos serviços e a gama de efeitos que o acesso à internet produz no consumidor dos serviços do provedor: através da internet, enviam-se arquivos de grande complexidade, efetuam-se transações bancárias, que vão desde a simples conferência da movimentação bancária até investimentos de grande porte, podendo ainda configurar-se operações como compra e venda compra e venda em leilões virtuais ou diretamente em lojas virtuais especializadas, assim como as mais diversas relações comerciais entre consumidores fornecedores, ou ainda entre empresas.
O presente estudo pretende abordar e delinear algumas dessas questões, em especial demonstrando a plena configuração dessas operações como relação de consumo e a amplitude da responsabilidade dos provedores de acesso à internet, bem como outras peculiaridades contratuais observadas.

2 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PROVEDOR – OBJETO

O contrato de prestação de serviços do provedor tem por objeto principal o acesso à internet, com ou sem licenciamento de programas, em caráter individualizado e contínuo, a título oneroso ou gratuito, por prazo determinado ou indeterminado.
Seu objeto pode incluir, dependendo do preço acordado e da amplitude da empresa, os seguintes serviços:
· acesso à rede de computadores, mediante protocolo TCP/IP, via fax modem mediante ligação telefônica, ou por cabo, incluindo aqui o acesso aos mais variados bancos de dados, com possibilidade de envio, cópia e gravação de arquivos de distintas naturezas;
· serviço de correspondência eletrônica, mediante disponibilização de correio eletrônico e caixa postal, para comunicação entre usuários e entre os próprios contratantes;
· locação de espaço para o alojamento de home-pages;
· salas de bate-papo exclusivo;
· acesso a banco de dados específicos do provedor em área exclusivas sob sua responsabilidade, com disponibilizados para cópia (download) no computador do usuário.
· acessos a grupos de discussão, “newsgroups”, jogos, etc.

3 REQUISITOS PARA A FORMAÇÃO DO CONTRATO

A formação do contrato se dá, geralmente, pela própria rede, através de e-mail.
Logo, é contrato entre ausentes. Seu objeto é a prestação de serviços, com ou sem licenciamento de programas, de forma individualizada e intransferível.
A individualização se configura mediante cadastro específico do usuário, em formulário padrão, e na contratação daquele provedor específico. Ainda, no oferecimento e escolha de planos com acessos de horas que variam conforme horário e limite, bem como na gama de serviços e arquivos disponibilizados pelo servidor, que poderão variar conforme classes distintas e selecionadas pelo provedor de usuários em função justamente da quantia paga mensalmente e do número de horas de acesso consumidas em determinado período.
Como em qualquer outro contrato, para a validade e eficácia do mesmo, necessário se percebe a atenção aos requisitos e exigências previstos em lei.
Assim, conforme a determinação explicita trazida pelo art. 82 e seguintes de nosso Código Civil, para a validade do contrato, como ato jurídico que é, se faz necessário seja o agente capaz, o objeto lícito e forma não prescrita ou não defesa em lei, além da inexistência de qualquer tipo de coação, quer seja física ou psíquica, necessitando, o contratante, estar plenamente livre e disposto na sua intenção de contratar.
Temos, então, a necessidade de informação ao consumidor como um requisito essencial de validade das disposições contratuais, devendo conter o instrumento, de forma clara e inequívoca, todas as informações pertinentes ao objeto do contrato, forma de execução, rescisão ou resolução, pagamento, responsabilidades, etc…
Com relação à capacidade, verifica-se que o contrato será nulo uma vez celebrado entre partes com idade inferior a 21 anos, a não ser na hipótese em que o contratante tenha entre 16 e 21 anos, desde que haja, nesta hipótese, autorização específica e assistência de seus responsáveis legais, geralmente seus genitores.
A identificação dos contratantes, com respectiva qualificação, em especial no tocante ao endereço físico do estabelecimento do contratado são requisitos essenciais a serem observados, sob pena de configuração da criação de óbice à localização efetiva para fins de responsabilização do provedor contratado .
De grande valia aqui a lição trazida por CERQUEIRA , no tocante à efetiva formação dos contratos chamados de virtuais, como o contrato de prestação de serviço por parte do provedor de internet, aqui estudado:
“O contrato se completa através de mensagem eletrônica enviada, pelo oblato, ao ofertante, confirmando a aceitação do negócio proposto, ou através do preenchimento de documentos eletrônicos padrões, disponibilizados pelo próprio proponente em seu site na Internet. Esta aceitação, quando manifestada expressamente pelo consumidor (seja através de um clique de mouse, envio de e-mail e outros), apefeiçoa o contrato e torna completa a contratação entre as partes, obrigando-as nos termos da oferta aceita e tornando exigíveis as condições estabelecidas.”

4 RELAÇÃO DE CONSUMO
4.1 NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO

Podemos definir provedor de internet como a empresa que coloca à disposição de usuários o acesso à rede mundial de computadores, usualmente via fax modem, mediante conexão telefônica.
Na outra ponta, temos o usuário dos serviços, aquele que irá usufruir do acesso à rede mundial, podendo, dependendo da amplitude do contrato, usufruir ainda dos benefícios oferecidos na rede pelo próprio provedor contratado, através de uma diversa gama de serviços, produtos e promoções e exclusivos disponibilizados pelo provedor contratado.
A relação de consumo, que segundo a professora Cláudia Lima Marques , são “todas aquelas relações contratuais ligando um consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços” está devidamente caracterizada, conforme se demonstra a seguir:
Pelo art. 2º do Código do Consumidor, temos que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Sem sombra de dúvidas, que presente o requisito principal para a configuração jurídica da relação de consumo, pois o acesso, as informações, o lazer e a pesquisa são consumidas pelo contratante.
Ainda que repassasse ou utilizasse de outro modo as informações da rede retiradas, como, por. ex., para finalidades profissionais / comerciais, numa aplicação da chamada teoria finalista , ainda assim figuraria o usuário como consumidor, posto ser impossível a fiscalização absoluta e o acompanhamento do destino dado à todas os benefícios e produtos retirados do acesso à rede mundial de computadores.
Da mesma forma, a pessoa jurídica que mantém contrato com provedor, ao nosso ver, deve ser considerada consumidora, enquanto utiliza a rede para obtenção de dados e envio de mensagens, por exemplo, entre suas filiais ou representantes. Não há como provar que a pessoa jurídica utiliza a internet tão somente com o objetivo de agregar as informações e benefícios de tal uso colhidos para exclusivamente agregá-los à cadeia produtiva, única forma de admitirmos sua não configuração na posição de consumidora.
O enquadramento do provedor de acesso à internet está consubstanciado no conceito trazido pelo art. 3º da lei 8.078/90: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
E o produto objeto do contrato, ainda que em parte imaterial (porém avaliável economicamente), também é abrangido pela lei. Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno “produto (entenda-se “bens”) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final.”
Por tal conceito, o próprio acesso à rede é, de forma direta, bem de consumo, que dirá os serviços dali obtidos. Configurada a relação, daí surgindo seus efeitos jurídicos, em especial a proteção aos internautas (usuários da rede mundial de computadores) ante os abusos que começam a ser constados.
Percebe-se, assim, a incidência aos contratos de acesso, prestação de serviços e afins correlacionados à internet, de todas as normas inerentes à tutela dos direitos do consumidor atualmente vigentes, ente elas, com maior destaque, o próprio Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078, de 11/09/90, além da seguinte legislação pertinente:
· Lei 1.521/51, que dispões sobre os delitos praticados contra a economia popular;
· Lei Delegada 4, de 26/09/62, que trata da intervenção no domínio econômico com o intuito de garantia da livre distribuição de produtos de consumo;
· Lei 7.347/85, que versa e especifica procedimentos para ação civil interposta em face a danos causados ao consumidor;
· Lei 8.137/90, que define os crimes contra as relações de consumo;
· Decreto 861/73, que disciplina o Sistema Nacional de Defesa do consumidor e traz sanções administrativas;
· Lei complementar 80/94, que regulamenta a ação da Defensoria Pública da União para lutar pela tutela dos direitos e interesses do consumidor eventualmente prejudicado;
· Lei 8.884/94, que regulamente e define atribuições ao CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, determinando competência e procedimentos para a constatação da incidência de infração à ordem econômica e aplicação de penalidades;
· Decreto 1.306/94 que cria e regulamenta o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos visando a reparação de danos causados ao consumidor.

4.2 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA

Importante destacar uma característica presente na relação de consumo aqui analisada: o consumidor, nos contratos que envolvem a utilização dos serviços do provedor, é altamente hipossuficiente e vulnerável.
Tal vulnerabilidade, característica inerente a todos os consumidores, encontra-se presente na necessidade indiscutível de acesso à rede mundial de computadores.
Também, na oferta indiscriminada, abundante e direta que usam os meios de publicidade entrando diretamente na tela do computador do usuário, numa verdadeira pescaria de consumo.
A hipossuficiência também encontra aqui grande ancoradouro. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN , define consumidor hipossuficiente como aqueles “ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena e avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permita avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo.”
Ainda: “A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitem da hipossuficiência do consumidor caracteriza a abusividade da prática”
Como quando falamos em internet estamos falando em tecnologia de ponta, dominada por poucos, deparamo-nos com a hipossuficiência dos navegadores normais, quer seja frente ao poderio econômico dos grandes provedores e fabricantes de softwares, quer pela absoluta falta de esclarecimentos e conhecimento sobre as tecnologias, linguagens e o protocolo da rede. Aliás, geralmente, nem sabe o contratante quais os serviços que está adquirindo, vindo a aprender a explorá-los e a melhor conhecê-los tão somente após o transcurso regular do contrato.
Nesta linha, poucos são os que não se enquadram na condição de hipossuficientes, uma vez considerada a tecnologia e o desenvolvimento avassalador de proporções desmesuradas que tomam a rede de computadores e o comércio virtual como um todo (e-commerce, e-business, business to business)

4.3 CONTRATO DE ADESÃO

Destaque também para a característica de contrato de adesão que acompanham os contratos de prestação de serviços aqui estudados.
A contratação dos serviços de provedor, usualmente, ocorre sem contato direto entre as partes, mediante simples adesão a contrato padrão disponibilizado na própria rede (WWW). É a forma mais pura da adesão: ou contratante aceita, ou não aceita e não tem acesso ao serviço.
Ao usuário cabe tão somente a escolha de qual plano, dentro de sua necessidade e respectivamente disponibilidade econômica, melhor lhe convém. Nenhuma outra discussão, a princípio, parece possível nesta categoria de contratos.

5 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

Do que se extrai pelo acima demonstrado, aplicam-se aos contratos de provedor de internet todas as disposições presentes na lei 8.078/90, principalmente no que tange à reparação de danos.
Algumas questões, todavia, merecem comentários, justamente pelas peculiaridades inerentes a esses contratos atípicos:
Como a rede permite o acesso a pontos de venda infinitos e sem identidade geográfica, aplica-se o disposto no art. 9º da LICC e do art. 1087 do Código Civil: “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.”
Necessária se faz, então, a verificação da comarca onde se encontra sediado o provedor de serviços.
Parece a única solução para fixação de competência para dirimir eventuais conflitos existentes nas relações comerciais com empresas alienígenas.
Daí surge a importância de se configurar justamente a aplicação da legislação nacional, em especial o Código de Defesa do Consumidor, às relações operadas pela internet e, no caso específico do presente trabalho, a delimitação da responsabilidade do provedor de serviços de acesso e afins.

5.1 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE INTERNET FRENTE AO SEU USUÁRIO

É de solar clareza a responsabilidade oriunda das relações e produtos oferecidos pelo provedor ao usuário, de forma direta. Ou seja, o provedor de internet responde por qualquer vício ou defeito no fornecimento dos serviços objeto do contrato, como o gerenciamento da caixa postal, o fornecimento de programas, a lentidão nos acessos, a venda direta de softwares por parte do provedor, etc…
É a configuração típica da chamada responsabilidade contratual, inerente às normas que tutelam os direitos do consumidor.
Portanto, todas as normas da lei de proteção ao consumidor são aqui aplicáveis. aos abusos existentes nos contratos formulários de serviços de provedor de internet.
Como exemplo de tais abusos, citamos a cláusula que limita a responsabilidade pelo congestionamento das linhas telefônicas, que, em primeiro lugar, trata-se de maneira fácil de eximir-se de danos, imputando qualquer falha à terceiro, no caso o operador dos serviços de telefone, e, por segundo, bate de afronta ao artigo 39, I do CDC:
Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

A desculpa da linha ocupada também não encontra guarida no art. 20, § 2º:
Art. 20 – § 2º – São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade.

Também é abusiva a cláusula que permite a alteração unilateral do contrato. Veja-se o art. 51, XIII:
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração.

Diversos outros abusos podem ser encontrados na análise especifica de cada contrato, mas não serão aqui abordados pela simples colocação que aplica-se o Código do Consumidor de forma integral às praticas pela norma vedadas eventualmente encontradas em tais instrumentos.

5.2 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

Questão mais complexa é aquela que levanta a hipótese de responder o provedor de internet por todas as transações e conteúdos ofertados por terceiros, dentro de uma responsabilidade extracontratual, que ultrapassa a gama de serviços e produtos por ele diretamente disponibilizados para o consumo direto de seus serviços.
Aqui, deparamo-nos com a necessidade de distinção de duas classes de terceiros, para a respectiva delimitação da responsabilidade do provedor de internet.

5.3 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR PELO FATO DE TERCEIRO COM SUA ATIVIDADE RELACIONADO

Uma vez superada a questão da responsabilização contratual do usuário do serviço do provedor por parte do próprio provedor na qualidade de fornecedor de serviços e produtos, surge aqui a necessidade de demonstração de uma responsabilidade inerente a terceiros que, de uma forma ou outra, interagem com a atividade empresarial do provedor de internet, atraindo para o provedor, conforme se demonstrará a seguir, uma responsabilidade extracontratual.
É a responsabilidade para com os atos de terceiros que utilizam, da mesma forma que o usuário aqui em tal condição retratado, dos serviços do provedor, quer seja locando espaço em seu servidor, quer seja anunciando em suas páginas, quer seja vendendo produtos e serviços e remunerando o servidor para tanto, e, de tal forma, contribuindo para que o consumidor adquira ou utilize de tais produtos ofertados, mediante a participação indireta do provedor de acesso à internet.
Para uma melhor visualização da responsabilidade aqui demonstrada, deve-se esclarecer, primeiramente, se ao fornecedor ligado de forma direta ou indireta ao provedor, pode-se aplicar o disposto no parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, para o caso de defeito ou vício qualquer na execução de serviços ou na entrega da coisa (em caso de compra e venda on line) imputado ao terceiro fabricante fornecedor:

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos, previstos nas normas de consumo.

Ao comentar tal norma, os autores do anteprojeto do Código do Consumidor , afirmam que “Como a responsabilidade é objetiva, decorrente de simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiveram na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do serviço.”
Ora, parece que por tal visão responde o provedor de internet pelo conteúdo ali disponibilizado por seus clientes, considerando ainda que possui o controle sobre a locação de seu espaço e seu material publicitário.
Mas a solução não parece tão fácil. Se admitirmos com total frieza a aplicação de citada norma, teremos uma responsabilidade sem limites imputada ao provedor, sob todos os produtos e serviços negociados, ainda que sem sua participação direta, condição que poderia tornar impraticável a atividade.
É bem verdade que os provedores têm se mostrado displicentes com o conteúdo do material por eles colocado na rede, procurando eximir-se de qualquer responsabilidade neste sentido.
Um de nossos maiores provedores, o UOL, tem em seu contrato a seguinte disposição: “O UOL não se responsabiliza pelas transações comerciais efetuadas on line que são de responsabilidade de quem colocar produtos ou serviços à venda via UOL ou internet.”
Nelson Nery Júnior nos ensina que “…no regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor, toda e qualquer cláusula que contenha óbice ao dever legal de o fornecedor indenizar é considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito, sendo, pois, ilegítima sua inclusão nos contratos de consumo”
Nota-se, portanto, uma tendência generalizada dos provedores de internet em argüir que figuram numa condição de mero intermediário, mero veículo, sem nenhuma responsabilidade ou intervenção nas relações existentes na rede. Cláusulas como a supra transcrita demonstram justamente o temor à responsabilização civil e devem ser tidas como inexistentes.
No lado contrário, verifica-se que os usuários estão cada vez mais preocupados com a proliferação generalizada das informações na internet. São os casos de pedofilia, ataques pirata a base de dados, empresas que não entregam os produtos, divulgação e incitação ao uso de drogas, incentivo a programas de jogos (como, por ex., sites de casino em países como o Brasil, onde o jogo é ilícito).
Atento à tais perigosas tendências, somos da opinião de que os provedores devem assumir e serem responsabilizados pelo conteúdo e as transações que, de uma forma indireta, utilizam de seus serviços.
No direito comparado, citamos os recentes casos do provedor eBay, processado pelos pais de adolescentes intoxicados após adquirirem uma substância chamada DXM – droga para tosse, em um de seus sites de leilão, sendo que as normas da eBay proíbem a venda de drogas ou medicamentos que exigem a receita médica, como era o caso do produto.
Também o mega portal (provedor de grande porte) Yahoo está sofrendo severo processo por parte das empresas Nintendo, Eletronic Arts e Sega, que acusam o site de permitir a venda ilegal de videogames falsificados em seus leilões. As concorrentes, que se uniram no objetivo de combater a falsificação, informaram que notificaram a Yahoo para que tomasse medidas de controle de segurança, instrução ignorada e que enseja a reparação dos danos, de grande monta.
Dependendo do caso, o provedor poderá eximir-se de sua responsabilidade se provar a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro (art. 12, § 3º, III e art. 14, § 3º, II do CDC).
Sugerimos, então, que a aplicação da solidariedade passiva às relações de consumo oriundas de serviços que envolvam de forma indireta os provedores de serviço de internet seja aplicada, sim, mas de forma ponderada analisando-se a peculiaridades do caso concreto, atento para a efetiva possibilidade de controle por parte do servidor sobre as informações e idoneidade de seus anunciantes e contratantes.

5.4 RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR PELO FATO DE TERCEIRO

Uma fez definida a responsabilidade acima demonstrada, inerente a terceiros de uma forma ou outra correlacionados para com o provedor de internet, que, em virtude desse fato e em decorrência das normas que regem as relações de consumo, atrai para si tal ônus, na ausência de disposição contratual diversa ou outra delimitação legal específica, passamos a uma análise da responsabilidade em campo mais abrangente, não ligado ao ramo de atividade, parcerias comerciais e afins do provedor de internet aqui considerado singularmente como sujeito passível ou não de responsabilização civil.
São os chamados terceiros que não possuem qualquer relação para com o provedor. O usuário chega ao seu conhecimento não mediante anúncio, indicação ou outro meio de divulgação utilizado de forma direta ou indireta pelo provedor, mas sim através de outras fontes, tendo o provedor de internet participação tão somente em virtude de ter disponibilizado ao usuário o acesso do mesmo à rede mundial de computadores.
Nesta situação, querer responsabilizar o provedor é utopia. Excede as barreiras do direito, do senso de justiça e do sustentável. É absurdo pretender responda o provedor por casos, como, por exemplo, ter o usuário obtido acesso a métodos de fabricação de entorpecente químico obtido em home-page européia, ou ainda pela contaminação de seu computador através de vírus de um arquivo à sua pessoa enviado aleatoriamente, simplesmente pelo fato de ter o provedor permitido ao usuário o acesso do mesmo à rede mundial de computadores, e, conseqüentemente, às informações consideradas ilícitas ou que eventualmente venham a causar qualquer tipo de dano reparável ou indenizável. É, ao nosso ponto de vista, o mesmo que pretender responsabilizar o fabricante de fax pelas mensagens a ele transmitidas.
Compartilha de nossa opinião CORRÊA , ao afirmar que:

“Ou seja, além de inexistir lei acerca da responsabilidade dos provedores, existe norma constitucional que lhes proíbe o exame dos dados de seus servidores. Também, é impossível a fiscalização de todas as informações que entram e saem de um provedor, pois, além de servir seus usuários, também serve de [pista] para a internet. Assim, um infindável número de informações, como e-mails, home-pages, listas de discussões, chats, é atualizado instantaneamente por meio de procedimentos eletrônicos automáticos, sobre os quais o provedor não tem nenhum controle. Como responsabilizar alguém por aquilo a que não deu causa?

É bem verdade que, atualmente, pode o provedor de internet, até como meio de constatar a eficiência de sua publicidade indireta, rastrear as páginas visitadas pelo seu usuário, mas tal rastreamento não pode, em hipótese alguma, ser confundido com controle ou censura, ficando completamente impossível ao provedor limitar ou tutelar o acesso de seu usuário às infinitas variedades de home pages, serviços e produtos disponibilizados na rede mundial de computadores.

6 CONTRATOS GRATUITOS

Uma nova modalidade de serviços de provedor vem surgindo com força devastadora e velocidade surpreendente: são os chamados provedores gratuitos, que permitem o acesso aos serviços do provedor da internet e seu portal sem qualquer remuneração direta pelo serviço, ou seja, sem precisar o usuário remunerar o servidor pelo número de acessos ou o número de horas que permaneceu conectado.
A questão, de grande importância prática que nos surge, é se tais contratos, gratuitos, estariam sujeitos às regras pertinentes ao Código de Defesa do Consumidor.
Primeiramente, trazemos o disposto no artigo 3º, § 2º da lei 8.078/90:
§ 2º : Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Numa interpretação literal e isolada, extraímos que, inexistindo remuneração, não há o que se falar em serviço e consequentemente relação de consumo para fins de aplicação da lei protetiva.
Eduardo Gabriel Saad , em seus Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, nos traz que:

“Por derradeiro, de lembrar-se que há quem preste, gratuitamente, um serviço a outrem. Desnecessário frisar que, no caso, não há relação de consumo sujeita a este Código.”

Pois bem, cabe analisar se o contrato de “internet gratuita” é realmente gratuito sob a ótica jurídica.
Maria Helena Diniz nos traz o conceito de tal espécie contratual:

“Os contratos benéficos ou a título gratuito são aqueles que oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vantagem, sem qualquer contraprestação. Logo, apenas um dos contratantes obtém proveito, que corresponde a um sacrifício do outro, como ocorre, por ex., com a doação pura e simples, com o depósito ou com o mutuo sem retribuição. Em regra, esse tipo de contrato encerra uma liberalidade, em que uma das partes sofre redução no seu patrimônio em benefício da outra.
Geralmente, todos os contratos onerosos são bilaterais, e os gratuitos, unilaterais, porém nem sempre, pois pode haver um contrato que seja, concomitantemente, unilateral e oneroso, como, p. ex., o mútuo sujeito a pagamento de juros…”
Realmente, o usuário dos serviços do provedor gratuito, não o remunera de forma direta, pagando pelo acesso. Todavia, essa característica não retira a onerosidade do contrato, posto que o usuário consume do provedor outros serviços diversos, como programas fornecidos, aquisição de arquivos e produtos e, principalmente a publicidade ali disponibilizada de uma forma até agressiva e indiscreta.
Publicidade esta, que é o carro forte destes provedores. É o que os mantém e de onde retira-se seu faturamento, dando margem, conforme o caso, a projeções de valores para o serviço com base justamente no número de usuários que estão ligados ao servidor e que o acessam diariamente.
O acesso “gratuito” não traz, portanto, qualquer diminuição no patrimônio do provedor. Tão pouco há uma ausência de contraprestação. Muito pelo contrário: o provedor / servidor lucra e muito com o acesso do usuário. Sem ele, seu negócio fracassa, pois é o internauta que consome seus serviços, seus produtos, sua propaganda e softwares no provedor hospedados ou divulgados, disponibilizando seu tempo e tornando-se dependente dos serviços por este prestados.
A relação de dependência é tamanha ao ponto de que uma ruptura no fornecimento dos serviços de acesso poder causar ao usuário transtornos e prejuízos mil, ante justamente a importância que o serviço lhe causa em hábito adquiridos mediante o acesso diário e a troca de informações entre os usuários (e-mail, chat, etc…).
Da mesma opinião compartilha CERQUEIRA , que nos traz a lição de que:
“Nenhum serviço poderá ser descontinuado – mesmo que seja gratuito – sem que o usuário seja avisado com certa antecedência. Isto porque usuários acabam se fiando em certos serviços, mesmo que não paguem por eles, e podem ser prejudicados em caso de corte abrupto. Em certos casos, mesmo que não seja uma violação contratual, quando há cláusulas contratuais que o prevejam, o corte repentino de um determinado serviço pode gerar obrigações de indenizar, do âmbito do direito civil, e ser péssimo negócio para as relações entre provedor e usuário.”
A onerosidade e contraprestação por parte do usuário está, assim, mais que caracterizada.
Vejamos, ainda, o enquadramento dos contratos de prestação gratuita de acesso à internet e serviços afins entre a classe dos contratos bilaterais ou unilaterais:
Para tanto, frisamos que, como nos ensina o Prof. Orlando Gomes , “Todo contrato bilateral é, entretanto, oneroso, por isso que, suscitando prestações correlatas, a relação entre vantagens e sacrifício decorre da própria estrutura do negócio jurídico.”
Os contratos unilaterais caracterizam-se justamente pelo fato de apenas uma parte se obrigar, ficando a outra desincumbida de qualquer ônus. “O peso do contrato é todo de um lado, os efeitos são somente passivos de um lado, e somente ativos do outro” .
Já os contratos bilaterais trazem obrigações para ambas as partes, obrigações essas que uma vez rompidas geram o rompimento do pacto.
Assim, cabe verificar, se, além da onerosidade já demonstrada, são os contratos de acesso à internet unilaterais ou bilaterais. Tal dúvida é suprida pela simples análise de qualquer desses contratos formulários exibidos nos sites de “internet gratuita”. Ali, claramente se constata que não é só a parte contratada que tem obrigações, mas também o usuário contratante. Como exemplo, citamos a exigência do uso apropriado do serviço com vedações de práticas como a divulgação comercial de produtos ou serviços, a invasão de privacidade, a divulgação de textos e mensagens não desejadas, consideradas imorais ou indecentes.
Assim, percebe-se que os contratos de provedor de internet devem ser tidos como verdadeiros contratos de consumo, aplicando-se, da mesma forma que nos contratos onde existe uma contraprestação pecuniária direta, todas as normas presentes no Código do Consumidor. Caso contrário, a gratuidade serviria tão somente como uma máscara para eximir os provedores de suas responsabilidades legais

7 CONCLUSÃO

As relações inerentes aos contratos de serviço de provedores de internet trazem grande pertinência à relações comerciais e intra pessoais observadas em crescimento avançado nos últimos tempos.
Conflitos e problemas jurídicos oriundos de tais relações começam a ser percebidos e confrontam-se com a ausência de estudos aprofundados e principalmente de legislação específica que regule a matéria. Talvez tal ausência de regulamentação, que, usualmente, apenas define vantagens e distribui privilégios seja o grande impulso da própria rede mundial de computadores (www).
De qualquer sorte, a relação de consumo está caracterizada nas relações entre provedores e usuários. As dimensões da responsabilidade de tais provedores podem ser delimitadas de três formas distintas: respondem os servidores pelos serviços disponibilizados de forma direta a seus usuários (responsabilidade contratual); respondem de forma solidária pelos serviços disponibilizados de forma indireta por terceiros com vínculo ao provedor e conseqüente participação dentro da relação de consumo, dos quais o usuário do serviço acabou contratando, e não respondem por terceiros sem qualquer ligação com o provedor dos serviços, por inexistir qualquer capacidade de controle do provedor sobre as informações e o conteúdo de todo material existente na internet.
São aplicáveis às relações entre usuários e provedor o Código do Consumidor, inclusive para os casos dos chamados “provedores gratuitos” onde, embora não haja uma remuneração direta do usuário, há uma contraprestação indireta e uma dependência de consumo, que configura a bilateralidade e a onerosidade desses contratos atípicos.
Por fim, têm-se que os abusos existentes nos contratos de adesão de serviços de provedores de internet são passíveis de coibição pela lei 8.078/90 e demais legislações pertinentes, e a discussão de tais problemas, bem como a limitação dos campos de responsabilidades são essenciais para evitar-se abusos de proporções maiores oriundos do crescente comércio virtual, quer seja ente consumidores e fornecedores, quer entre empresas.
A finalidade do presente trabalho foi justamente traçar singelas considerações sobre o tema, procurando clarear um pouco a obscuridade que paira sobre tão recente e inexplorada matéria. Se o objetivo não foi alcançado, essa foi a intenção, ainda que de boas intenções estejam forradas as entranhas do inferno.

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BERNARDO RÜCKER é Advogado
http://www.advocacianainternet.com.br
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