Retirar-se de sociedade pode ser melhor do que excluir sócio indesejado

Autor: Bruno Caraciolo Ferreira Albuquerque (*)

 

“Em 2014, a PAS estimou a existência de 1.332.260 empresas cuja atividade principal pertencia ao âmbito de serviços não financeiros, que totalizaram R$ 1,4 trilhão em receita operacional líquida, ocuparam 13 milhões de pessoas e pagaram R$ 289,7 bilhões de reais em salários, retiras e outras remunerações. O setor de serviços despendeu, em 2014, uma proporção de 49,1% do valor adicionado sob a forma de gastos com pessoal, com os encargos representando 30,0% do total destes gastos.”

Com esta frase o site oficial do IBGE resume bem a importância atual do setor de serviços na economia brasileira. Desse grande número de entidades atuantes no setor de serviços boa parte certamente é constituída sob a forma da sociedade limitada.

Como em qualquer setor, os sócios de sociedades destinadas ao desenvolvimento de serviços se desentendem. Apesar de não existirem estatísticas específicas sobre a matéria, por intuição e experiência podemos supor que na verdade neste setor os desentendimentos entre sócios são ainda mais comuns, posto que em muitos casos os negócios no setor de serviços demandam grande pessoalidade dos sócios nas operações e constante interação entre si.

Diante de um desentendimento grave entre os sócios uma solução rápida pode ser crucial para que a conflito não gere grandes perdas para todos os envolvidos. Os sócios envoltos em um conflito, no melhor dos casos, perdem tempo e produtividade, prejudicando os resultados da sociedade, sobretudo se o negócio é puramente de serviço e lhes exige envolvimento pessoal na operação.

Focamos aqui nas sociedades que desenvolvem atividades puramente de serviço, como consultórios, consultorias, agências, corretoras, em que o trabalho é o principal ou único fator de produção, incluindo a figura dos sócios como central na prestação dos serviços ao cliente final.

Nessas sociedades o patrimônio da pessoa jurídica pode ser praticamente nulo, podendo em muitos casos seu ativo ser constituído basicamente de uma marca (por vezes sem grande relevância) e alguns computadores. O negócio gira em torno das pessoas, sejam colaboradores, clientes, parceiros etc. As próprias relações com os clientes muitas vezes são de trato instantâneo, de curtíssimo prazo, sem exclusividade, com contratos que não constituem ativo em razão da possibilidade de rescisão imediata sem qualquer penalidade.

Diante de um conflito entre os sócios a reação comum dos envolvidos é de pretender a exclusão do lado oposto da sociedade. O artigo 1.085 do Código Civil, neste sentido, prevê que “quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”

A solução pode ser boa, podendo causar a exclusão de sócios minoritários extrajudicialmente, de forma relativamente rápida. Todavia, são vários os casos em que não é aplicável, como por exemplo: a) caso nenhum dos interessados possua mais de 50% do capital social; b) caso, mesmo tendo o interessado mais de 50% do capital social, não haja previsão da exclusão por justa causa no contrato social; c) caso apesar dos desentendimentos o sócio minoritário não tenha cometido nenhum ato de inegável gravidade…

Nos dois primeiros casos, desde que realmente cometido um ato de inegável gravidade, resta a via judicial para requerer a exclusão do sócio indesejado, na forma do artigo 1.030 do Código Civil. Mas a via judicial é uma novela sem fim, que certamente não terá solução definitiva em menos de 5 anos, em diversos casos demandando mais de 10 anos.

Portanto, a via judicial é totalmente inservível aos sócios e à sociedade, podendo inviabilizar o negócio, posto que os litigantes continuarão sócios entre si enquanto trocam acusações por escrito através de seus advogados e possivelmente algumas ofensas pessoais.

Mesmo nos casos em que seja viável a solução extrajudicial, na prática a providência requer um certo tempo e alguns procedimentos burocráticos tormentosos, demandando o envolvimento dos sócios, gerando instabilidade e podendo importar em perda de clientes, colaboradores, oportunidades.

Nesse cenário, enquanto a reação normal dos sócios é no sentido de querer expulsar o sócio indesejado, o fato é que muitas vezes a exclusão dele não faz qualquer sentido do ponto de vista financeiro, comercial ou jurídico.

O sócio excluído, judicial ou extrajudicialmente, terá direito a receber haveres em razão da dissolução parcial decorrente de sua exclusão, o que no silêncio do contrato social e/ou acordo de sócios, será igual ao seu percentual de participação aplicado sobre o patrimônio líquido da sociedade. Não existindo regra específica estipulada entre os sócios, cabe aos que ficam promover a apuração dos haveres e pagar o excluído em 90 dias, podendo o Judiciário ser acionado para resolver divergências.

Aos que ficam caberá também a gestão dos passivos e obrigações de qualquer natureza. O sócio excluído tem o direito de receber seus haveres, pode concorrer livremente com a sociedade, pode abordar os clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros da sociedade para trabalhar consigo no novo negócio, pode modelar seu novo negócio concorrente com estrutura de custos adequada…

A ideia natural de excluir o outro sócio é, portanto, em muitos casos, uma péssima ideia. Quem exclui paga haveres, fica com o custo operacional do negócio, não tem garantia de que os clientes, colaboradores, parceiros, fornecedores permanecerão, tem um turbulento procedimento extrajudicial para executar e ainda corre o risco de a justiça anular a exclusão, fazendo retornar o sócio indesejado e lhe garantindo o pagamento de retiradas retroativas.

Nesses casos a saída mais fácil pode ser justamente a contrária, retirar-se da sociedade e deixar os sócios indesejados com o CNPJ. Afinal, devem os envolvidos refletir por qual razão estão dispostos a comprar uma briga por um CNPJ. Destacamos mais uma vez que estamos focando em negócios puramente de serviços, sem ativos relevantes. Uma sociedade nesses casos pode ser apenas um pedaço de papel com vários registros, cadastros, inscrições, contratos sem exclusividade e passíveis de rescisão sem custo… nada que não possa ser feito novamente em poucos dias, com menos riscos, despesas e esforços do que a exclusão.

Para essa outra perspectiva o Código Civil, artigo 1.029, prevê a possibilidade de denúncia da sociedade de prazo indeterminado por qualquer sócio, sem a necessidade de qualquer justificativa, sem que os demais sócios possam se opor, sem que qualquer juiz possa futuramente anular o ato e ainda com direito a receber haveres. A única formalidade necessária é a notificação com aviso prévio de 60 dias.

Entregue a notificação, em regra, nada obsta que durante o aviso prévio os retirantes constituam nova sociedade para concorrer com a antiga, informando todos os clientes, fornecedores, parceiros e colaboradores, ou seja, aquilo que realmente importa para esse tipo de negócio, as pessoas. Podem também requerer todos os cadastros, registros, inscrições e firmar contratos perante terceiros, públicos e privados.

Enquanto os sócios remanescentes gerem o “pepino” de um negócio inchado, com estrutura que pode não ser compatível com o seu tamanho após a rescisão dos contratos dos clientes que preferirem fazer negócio com a nova sociedade, os retirantes modelam uma nova estrutura, totalmente condizente com seu porte e brigam apenas para receber haveres (e não para pagar, como seria se promovessem a exclusão).

Os retirantes, contudo, devem tomar as devidas cautelas para que seus atos de concorrência sejam lícitos, não deixando margem para configuração de crimes de concorrência desleal. Mas é importante notar que a concorrência leal e transparente, com a abordagem de clientes, parceiros, fornecedores e colaboradores, mediante o esclarecimento da retirada, não constitui ilícito algum.

Clientes, parceiros, fornecedores e colaboradores são pessoas e não coisas, e como tal não podem ser de propriedade de ninguém. Os contratos com essas pessoas podem, em vários casos, ser facilmente rescindidos dentro do mesmo prazo do aviso do sócio. A concorrência da nova sociedade com a antiga sem que qualquer pessoa seja induzida em erro e sem que sejam violados segredos e ativos, configurar-se-á totalmente lícita, como deve ser a concorrência entre quaisquer outras entidades atuantes no mesmo mercado.

Com efeito, nessas circunstâncias os sócios devem desapegar do CNPJ e do ego, ilusões que podem não lhes trazer nada mais do que perda de tempo e dinheiro, além de grande abalo emocional em boa parte desnecessário.

 

 

 

Autor: Bruno Caraciolo Ferreira Albuquerque  é advogado, sócio do De Faro & Caraciolo Advogados e mestre em Direito Comercial pela PUC-SP.


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