Retrospectiva 2003: Cresce número de ações contra imprensa

Por Luiz de Camargo Aranha Neto e Luís Fernando Pereira Ellio
O número de ações de indenização por danos morais promovidas contra os órgãos de imprensa teve um pequeno acréscimo em relação ao ano passado. As demandas continuam, em sua grande maioria, sendo promovidas por pessoas das mais diversas camadas sociais e profissões, que se entendem injustamente retratadas em reportagens. Continuam comuns também as ações indenizatórias de danos morais promovidas por pessoas jurídicas, sempre zelosas de sua boa imagem pública.

Infelizmente, conforme já mencionado em outros artigos publicados neste final de ano, é forte a tendência de se julgarem procedentes as ações quando promovidas por membros do Poder Judiciário, em detrimento daquelas ajuizadas pelo cidadão comum ou pequenas empresas.

É crescente também a quantidade de demandas com reclamações extravagantes, o que demonstra o desvirtuamento do instituto do dano moral, ora reclamado por qualquer motivo. Assim, vimos no decorrer do ano ações com objetos mais estapafúrdios — como aquela promovida contra emissora de televisão por indivíduo que se sente “humilhado” por possuir o mesmo nome de uma organização empresarial fictícia de um famoso programa humorístico (as impagáveis “Organizações Tabajara”).

Nessa seara, vimos também pedido de indenização formulado por sujeito que se deixou filmar em estrepitoso ósculo para inocente e bem-humorada reportagem sobre um encontro para solteiros no Dia dos Namorados, em um bar paulistano. Entendeu o requerente — advogado trabalhista — que o fato de ter sido veiculada sua imagem e o de sua acompanhante em um “lascivo beijo”, “desgastou sua imagem” enquanto profissional sério e bem conceituado…

Inesquecível também a ação promovida por dono de cachorro pitt-bull. Ele teve a imagem de seu animal de estimação associada à idéia de ferocidade e entendeu que foi atingido em sua honradez e amor-próprio. Isso sem deslembrar a ação indenizatória movida por sujeito que, “obrigado” a levar sua jovem enteada a um show da dupla “Sandy & Jr.” no estádio do Pacaembu, São Paulo, viu-se na contingência de permanecer longas horas em pé, irritado — tudo por culpa de determinada emissora de televisão, que ocasionara (em sua opinião) o atraso no espetáculo.

Durante o ano de 2003, assistimos também a banalização do instituto da gratuidade judiciária (Lei nº 1.060/50) — instituto esse criado para possibilitar o mais amplo acesso à Justiça, visando principalmente os menos favorecidos. Mas, se tornou incontroverso instrumento para ações sem risco, o que se percebe com bastante nitidez em nossa área de atuação. Tem entendido a jurisprudência que a mera declaração de pobreza é suficiente para a concessão do benefício em tela, independentemente das reais condições do litigante. E assim é que temos visto advogados, delegados de Polícia e outros profissionais — inclusive residentes em áreas nobres — formulando pedidos indenizatórias por danos morais contra a imprensa, sob o indevido pálio da justiça gratuita.

Muito mais preocupantes durante o correr de 2003, porém, foram as numerosas tentativas de censura prévia formuladas contra a imprensa. Médicos, advogados, administradores públicos, esportistas, policiais e outros tentaram em diversas ocasiões obstar judicialmente a veiculação de reportagens versando sobre assuntos de interesse da população. Jovens magistrados dos fóruns regionais de São Paulo (os quais possivelmente não conheceram os tempos da ditadura militar e da censura oficial) têm, vez por outra, concedido liminares proibindo a veiculação de matérias jornalísticas.

Caso interessante é o de MM. Juíza de Santo Amaro que concedeu liminar nesse sentido contra determinada emissora de TV, com a ressalva de que a reportagem (no caso, sobre erro médico) poderia ser veiculada desde que na mesma se mencionasse o estado de ação judicial sofrida pelo médico (o autor do pedido cautelar), movida pela sua paciente.

Felizmente, as decisões concessivas de liminar para a proibição de veiculação de matérias jornalísticas são — é bom que se diga — comumente revogadas pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Sempre lembrando que em um sistema democrático é dever da imprensa livre informar e criticar. Verificamos que as tentativas formuladas por indivíduos que exercem funções públicas de emudecer e intimidar os órgãos de comunicação (ou ainda, de influenciar indevidamente a linha editorial de um veículo) representam retrocesso político e social inaceitável e prejudicam, antes de tudo, o cidadão, no seu direito público de ser informado.

Esclarecedoras, a respeito, as assertivas da r. sentença proferida em agosto do corrente ano, em demanda promovida por Juiz do TRT paulista contra o site “Consultor Jurídico” e outros órgãos de imprensa, no sentido de que “fatos noticiosos que envolvem pessoas públicas devem também ser públicos, não havendo inconveniente ou ilegalidade ao serem publicadas” (…) “O autor (…) é magistrado (…), sendo dever que sua conduta seja ilibada. Sua atividade, de caráter público, é de total interesse à coletividade, que é quem, inclusive, paga sua remuneração. Da mesma forma, a função do autor torna importante o exame de sua vida, quer a pública, quer a particular, esta naquilo que refletir para a sociedade” (…) “Cabe (…) a todos os órgãos de imprensa, no desempenho de sua função constitucionalmente garantida, a divulgação, querendo e sob responsabilidade legal, de fatos apurados no processo administrativo instaurado contra o autor, que não estejam albergados pelo segredo de justiça”.

Não se está aqui a negar, em absoluto, a responsabilidade da imprensa pelos eventuais excessos ou equívocos na apuração das informações transmitidas ao público. O próprio inciso X do artigo 5º da Constituição Federal já estabelece que as violações aos direitos da pessoa serão passíveis de ressarcimento. O que há de ser combatido, por outro lado, são as tentativas de cerceamento prévio da liberdade de expressão (também um direito fundamental, constitucionalmente garantido) a fim de que interesses individuais não prevaleçam sobre os coletivos.

Luiz de Camargo Aranha Neto é advogado de Camargo Aranha Advogados Associados

Luís Fernando Pereira Ellio é advogado de Camargo Aranha Advogados Associados

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