Retrospectiva: Setores da sociedade demonizam licenciamento ambiental.

por Werner Grau Neto

No curso do ano de 2004 muitos fatos relevantes aconteceram na área de Direito Ambiental. Talvez o ponto mais importante a destacar é a decisão de segunda instância, finalmente, sobre a ação civil pública em que se discute a competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança — CTNBio — para liberar e autorizar o uso de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e sua aplicação em território nacional. A decisão, esperada por se tratar de caso de ponta (leading case, conforme se convencionou denominar), causou certa frustração no meio jurídico, uma vez que a postura adotada pelo Judiciário, se de um lado referendou a competência e autoridade da CTNBio, de outro lado relativizou tal entendimento, no que toca ao caso prático, envolvendo a primeira decisão desta de liberação de OGMs.

O cenário político continuou a causar acaloradas discussões ambientais. A ausência de marco regulatório, no setor elétrico, continua a gerar debates nos quais a variável ambiental é sempre invocada como fator de incertezas para o desenvolvimento do setor. A intervenção do Ministério Público no processo de licenciamento ambiental extrapolou as discussões específicas ao setor elétrico, passando a integrar a pauta de debates de todos os setores produtivos. Diante dessa celeuma, debates acalorados se realizaram, sem que se tenha, para o momento, solução que conjugue o exercício do poder fiscalizatório da lei, pelo Ministério Público, e a obtenção de segurança jurídica, para o setor produtivo, quanto à validade e eficácia do licenciamento ambiental.

A discussão das questões que afeta o licenciamento ambiental teve ainda na pauta a constitucionalidade das compensações ambientais, instituto trazido à legalidade pela Lei nº 9.985/2000, mas que até agora ainda aguarda normatização que o torne efetivamente regular e aplicável. A discussão acerca do ponto trouxe à tona aspecto crítico: vê-se hoje, de um lado, questionamentos fundados acerca dos limites da competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente — Conama, enquanto que, de outro lado, se discute a legitimidade de verdadeira empreitada, do Legislativo, em chamar para si a responsabilidade pelo trato de matérias que, de ordinário, e na forma da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31.8.1981), caberiam ser objeto de normatização pelo Conama, ou ainda teriam espaço para discussão e apreciação no âmbito do licenciamento ambiental.

Exemplo crítico dessa discussão é artigo inserto na Constituição do Estado do Espírito Santo, que determina que, para empreendimento de grande porte, deve o Legislativo daquele Estado rever a decisão do órgão ambiental licenciador. O ponto está submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida pela Confederação Nacional da Indústria.

A questão ambiental se vê envolvida hoje em crise de identidade e de credibilidade. Discute-se pelo País afora tese segundo a qual o licenciamento ambiental seria e representaria o grande obstáculo ao desenvolvimento econômico e social desejado e pretendido pelo País. A questão, bem retratou recentemente a mídia, contrapôs em posturas diversas as ministras Dilma Roussef e Marina Silva, gerando desgastes indesejados ao governo Lula. A questão é polêmica e traz prejuízos internos e de imagem ao País, além de contribuir para ampliar o clima de incerteza criado e fomentado por alguns setores da sociedade, que não se identificam, mas que insistem na tese da demonização do licenciamento ambiental. O sistema é válido e necessário, talvez merecendo ser aprimorado. Mas o Brasil não pode dele prescindir.

Por fim, o final do ano trouxe à tona, de forma mais aguda, a questão do Protocolo de Quioto. Com a Décima Conferência das Partes – COP 10, em Buenos Aires, este mês, e com a ratificação do Protocolo pela Rússia, o mercado de carbono aqueceu-se e promete explodir em 2005. O Brasil participa na modalidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo — MDL, um promissor vetor de aquisição de tecnologia de produção limpa para o País.

O ano de 2005 promete trazer todos esses pontos que permearam a questão ambiental em 2004, com o acréscimo de discussões não menos importantes e que, apesar de nunca deixar a pauta, restaram menos acaloradas neste ano, como a questão do trato, gerenciamento e cobrança pelo uso da água (vem aí a finalização da revisão da Resolução Conama nº 20/86, já em curso há meses), e tantas outras que, não menos importantes, tratam da questão crítica que é a interação entre o homem, esse predador natural, e o meio ambiente.

Revista Consultor Jurídico, 21 de Dezembro de 2004

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