Nehemias Gueiros Júnior*
Quando tropas entram em combate em alguma parte do mundo, os soldados precisam de três informações cruciais: Onde estou? Onde estão meus companheiros? Onde está o inimigo? Essa é uma das razões principais pelo fato de o reconhecimento ser, há séculos, o cerne de quaisquer táticas de infantaria.
Foi o elemento central da Guerra do Golfo, em 1991, bem como do recente conflito no Afeganistão. A diferença é que hoje, cada vez mais a atividade de reconhecimento é relegada a máquinas e equipamentos. No ano passado, aeronaves não-tripuladas denominadas Predator circularam lentamente nos céus do Afeganistão, transmitindo imagens de televisão ao vivo sobre os movimentos dos talibãs e a localização de sua artilharia, sem colocar em risco a vida de um piloto americano sequer.
Artefatos como esse são um esboço do campo de batalha do futuro – próximo – onde pelotões de metal e eletrônica cumprirão as missões hoje desempenhadas por soldados de carne e osso. Em teoria, os autômatos de batalha são uma idéia atraente para os militares modernos. Robôs não sentem fome nem sono, não reclamam e não têm medo. Eles cumprirão incontinenti as piores e mais arriscadas missões, desde limpar campos minados até percorrer tubulações de esgotos urbanos para encontrar explosivos.
Podem ser enviados na frente das colunas de infantaria para forçar o inimigo a abrir fogo e revelar sua posição. Robôs são descartáveis. O custeio de pesquisas de robótica militar está crescendo exponencialmente, na medida em que o Pentágono se dá conta do valor potencial de diversos projetos hoje já em desenvolvimento, que vão desde um colosso de 5 toneladas destinado a remover bombas até engenhos do tamanho de insetos que em breve voarão em missões de reconhecimento agrupados em enxames tal e qual abelhas.
No laboratório Sandia, no Novo México, o centro mais importante de desenvolvimento de tecnologia militar avançada do governo dos Estados Unidos, cientistas já falam em uma “revolução da robótica lá pelo ano 2020”. A maioria dos sistemas robótico-militares hoje em dia é aérea. Israel foi o país pioneiro a utilizar aeronaves não-tripuladas como iscas sobre o Vale do Bekaa no Líbano, em 1982. A idéia era provocar as baterias anti-aéreas da Síria a acionar seu radar para detectá-las, “dando” sua localização exata para os pilotos das esquadrilhas de caças israelenses já a caminho. Foi o que estimulou os EUA a começarem a desenvolver os seus próprios aviões sem piloto.
Guerra terrestre é bastante diferente, mais complexa, menos previsível. A superfície da Terra é muito mais difícil de ser vencida por máquinas. O que funciona em desertos não é apropriado para a selva, um artefato desenhado para uso urbano não funciona nas montanhas. Como resultado dessas constatações, o Exército americano (U.S. Army) está desenvolvendo veículos de controle remoto, chamados de UGV (sigla em inglês para “veículos terrestres sem condutor” – “unmanned ground vehicles”).
A tecnologia da robótica tem tido aplicação mais lenta no Exército, pois existem várias boas idéias mas nenhum precedente para sua efetiva utilização em campo”, diz Suzy Young, diretora do órgão Advanced Systems Directorate no Arsenal Redstone, em Huntsville, estado do Alabama. Os primeiros sistemas robotizados do Exército foram usados para limpeza de terrenos minados. Estima que cerca de 70 milhões de minas ainda estejam enterradas no solo em todo o mundo – entre 5 a 10 milhões somente no Afeganistão, de acordo com o Centro para Informações de Defesa.
Na guerra dos Bálcãs, nos anos 90, as forças americanas empregaram dois sistemas robóticos, ambos derivados de pequenos tratores e modificados para localizar minas anti-tanque. Futuros sistemas hoje ainda nas pranchetas dos laboratórios, já estão a caminho, como o Ariel Underwater, desenvolvido pela iRobot, de Somerville, Massachussets, uma pequena máquina em forma de caranguejo para ser utilizada em desembarques anfíbios que poderá navegar por topografia acidentada embaixo d´água, aderir a uma mina e aguardar por um sinal de detonação.
Para reconhecimento terrestre, o laboratório Sandia desenvolveu um veículo-robô denominado SARGE, que utiliza a plataforma comercial de um buggy da Yamaha contendo quatro câmeras, duas para vigilância e duas que permitem ao operador remoto dirigir o veículo através de rádio-comando. Vários laboratórios sob contrato com o órgão DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) estão desenvolvendo protótipos de pequenos robôs leves, para serem carregados manualmente por soldados ao entrarem em cidades hostis.
Os “urbots” (de urban robots), como são chamados percorrerão redes de esgotos e túneis em busca de explosivos e armas químicas e biológicas. Capacitar as máquinas atuais com a necessária coordenação motora é uma prioridade para os pesquisadores. A maioria dos robôs atuais são não apenas lentos mas principalmente desengonçados. Seus braços e mãos não possuem a capacidade táctil e sensorial dos seres humanos e o que é pior, eles não têm a capacidade de se levantarem quando caem.
Segundo a pesquisadora Lara Crawford, da Universidade da Califórnia em Berkeley, robôs ainda não possuem a habilidade dos animais de controlar a complexa dinâmica de juntas e músculos. Um verdadeiro robô móvel de campo de batalha certamente precisaria desta capacidade. Muitos pesquisadores estão começando a desenvolver a ciência da biomimética, que consiste em adaptar o design de robôs aos sistemas biológicos da vida. Vários projetos em andamento no Laboratório de BioRobótica de Harvard vêm se concentrando em desenvolver sensores tácteis que permitam aos robôs interagir mais com objetos.
No laboratório Sandia, a biomimética já está indo mais além: estuda cardumes de peixes e enxames de insetos para conhecer melhor como essas criaturas se comunicam e se comportam para aquisição de alimento e auto-defesa. A provável aplicação prática permitirá que vários robôs operando em conjunto possam desempenhar tarefas como, por exemplo, defender um perímetro militar. Robôs fisicamente ágeis e com grande mobilidade, agindo conjuntamente poderiam constituir um exército peculiar à parte; só lhes faltaria autonomia, capacidade de operar por si próprios. A maioria dos robôs militares em operação atualmente bem como os que estão sendo desenvolvidos são controlados remotamente por operadores via cabos ou ondas de rádio. Por outro lado, robôs autônomos poderão se localizar em campo através de sensores pré-programados com as informações dos terrenos e obstáculos a serem superados.
No laboratório do Comando Militar dos Sistemas Navais e Espaciais das Forças Armadas americanas, em San Diego, Califórnia, pesquisadores criaram um robô de resposta armada tática que mistura os dois estilos de operação. Para navegação, o engenho utiliza um complexo emaranhado de sensores anti-colisão mas ainda cabe aos humanos o controle de sua metralhadora Gatling de seis tambores, armada com dardos tranqüilizantes ou balas de plástico. Apesar de não existirem mais hoje em dia barreiras tecnológicas para a fabricação dessas armas, a decisão de transferir poder letal para robôs autônomos ainda deve demorar um pouco.
O Santo Graal da robótica, entretanto, somente será atingido quando se dominar inteiramente a verdadeira inteligência artificial. Nesse ponto a pressão para retirar os seres humanos do cenário será grande. Defensores da robótica afirmam que substituir soldados com máquinas letais aumentará as chances de vitória enquanto reduz o número de vítimas. “O objetivo é termos muitas máquinas para poucas pessoas em vez de muitas pessoas para poucas máquinas como é o caso hoje em dia”, diz John Bares do National Robotics Engineering Consortium na Universidade Carnegie Melon. Mas robôs, tanto quanto seres humanos, podem ser envolvidos pela confusão da guerra. Seus sensores podem confundir informações visuais; e se o inimigo se disfarçar de aliado? Eles também podem ser sabotados por contramedidas eletrônicas.
Os inimigos rapidamente terão conhecimento das capacidades de quaisquer sistemas robóticos e desenvolverão as táticas de defesa adequada. Já existem contramedidas a todas as novas armas utilizadas na Guerra do Golfo, por exemplo. Na guerra dos Bálcãs, helicópteros sérvios voavam ao lado dos lentos Predators e os abatiam. É um ciclo sem fim. Nas palavras do estrategista von Clausewitz, no fundo, a guerra é sempre a mesma. Só o terreno e as tecnologias mudam.
Nehemias Gueiros Júnior é advogado especializado em Direito Autoral e professor da Fundação Getúlio Vargas