SANÇÕES AOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Cleuton Barrachi Silva (*)

Em apreciação ao Art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, percebe-se que desde a promulgação deste dispositivo de lei, vê-se a preocupação por parte do legislativo em punir os atos de improbidade administrativa, eis que, ao passo que tenham lançado uma norma em branco, uma vez que seu próprio texto nos dá este entendimento, pois, quando menciona “na forma e gradação previstas em lei”, mister nos torna, que fariam tal dispositivo, e que somente posteriormente seriam legalmente fincados nos anais de nosso ordenamento as sanções cabíveis.

Neste contexto, o então presidente Fernando Collor de Mello, no dia 02 de junho de 1992, sancionou a Lei nº 8429/92, ou seja, a Lei que trata dos atos de improbidade administrativa, lei esta que, curiosamente, pouco tempo depois veio a exemplificar sua ação na pessoa do próprio presidente sancionador, qualquer semelhança com o inventor da guilhotina (Guilhotine) é mera coincidência.

Tratando especificamente neste tópico das sanções aos de improbidade administrativa, tem-se no disposto no art. 37, § 4º, da CF/88, os seguintes dizeres: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Assim sendo, para melhor especificarmos estas sanções a que alude a lei, importante descrevermos o enunciado do dispositivo legal em tela, que nos trás:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I- na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 03 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber os benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

II- na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 05 (cinco) a 08 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 02 (duas) vezes o valor do dano e contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;

III- na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como proveito patrimonial obtido pelo agente.

Ao passo que o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, nos dá algumas sanções a serem a plicadas, como já especificadas, temos através do legislador ordinário, algumas outras sanções aplicáveis cumulativamente a estas penalidades que são: “pagamento de multa civil” e a “proibição de contratar com a administração pública e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

Neste diapasão, importante questão doutrinária se formou, onde alguns, entendem que o parágrafo 4º, do artigo 37, da CF/88, é taxativo, ou seja, trata as penalidades impostas com a Lei de Improbidade Administrativas de maneira inconstitucional. Entendimento este, à nossa compreensão, desprovido de qualquer fundamento, uma vez que, conquanto tenha a Constituição Federal argumentado sob a possibilidade se punir penalmente com aquelas sanções ali taxadas, os atos de improbidade, entende-se que estas são simplesmente as sanções mínimas a serem aplicadas, sob o contexto de que passaria sim a gerir em inconstitucionalidade para os casos de se criar uma lei em complemento ao Texto Maior, sem constar e estipular o rol ali despendido.

Outrossim, à medida que foram todos recepcionados pela normativa infraconstitucional, nada impede que sejam impostas outras formas de punição, desde que, obviamente, não atentem contra os preceitos constitucionais previstos, por exemplo, no art. 5º, inciso XLVI, que trata das formas degradantes de punição, porquanto, o próprio texto em questão, deixa ao arbítrio, por exemplo, a matéria de ordem penal (“…sem prejuízo da ação penal cabível”), onde se por esta forma, poderemos aplicar textos que há época já dispunha, o poderia, no âmbito penal, aplicar-se textos que eventualmente seriam sancionados e que houvesse a subsunção.

Neste compasso, analogicamente dissertando, temos que nada impede, desde que presente o rol imposto pela Carta, de se acrescer sanções de cunho civil, que inclusive poderia estar, sem receio de exagero imposto no mesmo texto constitucional, prevalecendo, desta feita, o poder discricionário do legislador.

Entretanto, para melhor compreensão de cada sanção, faremos uma breve explanação de cada uma delas, inclusive com as atinentes elencadas, não só pela Carta Magna, como também, não menos válidas, as que despontam no ordenamento ordinário federal, quais sejam: “A suspensão dos direitos políticos; ressarcimento integral do dano e perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio; pagamento de multa civil; perda da função pública e por fim, a proibição em contratar com a administração pública e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

A Suspensão dos Direitos Políticos:

Nossa Constituição Federal de 1988, considerada entre as mais democráticas de todo planeta, veda expressamente, em seu art. 15, “caput”, a cassação dos direitos políticos. Todavia, usando-se o dito que: “toda regra tem sua exceção”, temos em seus incisos I, II, III, IV e V, do mesmo artigo constitucional, os ditames que poderão embasar possíveis perdas e ou suspensões dos direitos políticos, e neste caso, a permissão está justamente no inciso V, o qual permitirá a suspensão para os casos improbidade administrativa, para os casos do artigo 37, § 4º, da C.F/88. Contudo, a lei 8.429/92, em tese somente regulará a forma e gradação da pena para os julgamentos dos casos de improbidade administrativa.

Quanto à primeira regulamentação, o legislador instituiu a ação civil pública, onde o resultado será a obtenção da sanção a que aludimos este capítulo. Já no que concerne à gradação da pena, esta se dá nos moldes implícitos no artigo 12 e incisos, da Lei nº 8429/92, eis que o parâmetro adotado para aplicação será de acordo com o que estabelecer cada um destes incisos, não podendo, entretanto, ficar o condenado em improbidade administrativa sem a suspensão dos direitos políticos (o de votar e ser votado), nos molde a que alhures foi mencionado (art. 15 e incisos, bem como art. 37, § 4º, ambos da CF/88).

No caso, houve por parte do legislador um aparente silêncio com relação ao máximo de tempo a que um indivíduo condenado por improbidade administrativa ficaria impossibilitado de exercer seus direitos políticos, para os casos de cometimento de vários atos ímprobos. Neste caso, ante a inércia, entendemos que a cumulatividade das penas, não poderia se manter apenas nas sanções isoladas impostas nos incisos do artigo 12 da Lei 8429/92, pois, nestes casos teríamos duas opções, senão vejamos:

a) para os casos em que o condenado fosse incluso nas penas do inciso I, do mencionado artigo, a pena máxima se daria de “08 (oito) a 10 (dez) anos”, e se condenado a esta pena ou a outras menores (incisos II e III, do art. 12, da Lei nº 8429/92), este apenas cumpriria este limite máximo e estaria novamente livre para todos os atos inerentes ao cidadão;

b) ou então, para os casos de várias condenação, estaria o ímprobo, condenado ad eternum, eis que a somatória das condenações poderia chegar a patamares impossíveis de cumprimento.

Ao exposto, concluímos, que poderíamos, analogicamente, usar o critério desempenhado pelo Código Penal, ou seja, o limite máximo a que o cidadão poderia ficar impossibilitado de exercer suas atividades políticas seria de 30 (trinta) anos, para os casos de pena privativa de liberdade. Neste sentido, Fábio Medina Osório, em sua obra Improbidade Administrativa, diz que: “Parece-me que, dentro de uma interpretação razoável, diante da aparente lacuna da lei, necessário que os julgadores transportem o limite do direito penal, que existe para a pena privativa de liberdade, ao sistema de repressão à improbidade”. E continua seus ensinamentos enfocando que neste caso, “a analogia é adotada em benefício dos réus”[1].

Ressarcimento integral do dano e perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio:

O inciso I e II, do artigo 12, da Lei nº 8429/92, dá ao Estado a possibilidade de reaver o patrimônio lesado, através do ressarcimento efetuado pelo infrator, e por vezes, caso haja, a este patrimônio ressarcido, deverá estar presentes todo enriquecimento ocorrido pelo ato ímprobo, como acessório daquele lesado.

Indubitavelmente que esta medida deveria ser tomada independentemente de qualquer manifestação da lei específica, haja vista, que tal procedimento está inerente a todo dano causado, seja ao particular, seja ao erário. Entretanto, há entendimentos, pelos quais filio-me, de que este ressarcimento, conquanto esteja incluso devidamente nos atos punitivos à improbidade, não tem o caráter de pena, e sim de reparação ao dano causado.

Ilustrando as palavras supracitadas, temos que os atos de improbidade que gerarem lesões aos cofres públicos, terão de ser reparados independentemente de possuir ou não bens com relação direta ao ocorrido, isto é, mesmo que com o ato venha a perceber certa quantia e após determinado tempo desfaça destes bens, doando-os ou até mesmo alienando-os, o agente responderá, juntamente com seus sucessores, se for o caso, pelo ressarcimento, seja este com os bens adquiridos com a prática do ato, com os efeitos destes atos ou até mesmo com os bens adquiridos anteriormente a este ato, mesmo que de maneira lícita, uma vez que o ressarcimento deverá sempre atender a proporcionalidade, claro se comprovando o dano material.

Em contrapartida, há a possibilidade de reparação do dano moral causado ao erário, que não se confunde com a multa civil, eis que esta será aplicada em conseqüência natural ao acometimento da infração.

No entendimento deste grupo, temos que o dano material e o dano moral deverão estar sendo aplicado de modo independente, ou seja, unindo-se apenas nos cálculos do quantum devido.

A perda da função pública:

Óbvio, justo e certo, que aos que praticarem atos de improbidade administrativa, por terem de modo geral lesado a própria coletividade, não poderão continuar em suas respectivas funções públicas. Desta feita, a perda da função pública é, pois, a meu ver a mais justa de todas as sanções impostas aos ímprobos, se é que tenhamos a capacidade de elencar hierarquia às normas a serem aqui aplicadas.

Contudo, esta sanção foi tão bem elaborada que não importa a função pública que exerça no momento da condenação, o infrator a perderá, de maneira que independentemente de haver nexo de causalidade entre o ato de improbidade cometido e a função que exerça no momento do trânsito em julgado da sentença.

Entendemos que esta sanção deverá ser aplicada ao ímprobo, conjuntamente com a “suspensão dos direitos políticos”, eis que não pode exercer funções públicas quem não está impossibilitado de exercer os atos de cidadania, entretanto, também não há que se reprimir de maneira imperiosa agente que por razões ínfimas cometeu tal procedimento errôneo, eis que a perda da função já se estenderia à toda família, ao passo que o juiz deverá usar, moderadamente, o princípio da proporcionalidade, evitando-se abusos.

Proibição de contratar com a administração pública e de receber benefícios ou incentivos ficais ou creditícios:

Sabemos que o princípio da proporção deverá sempre ser apreciado pelos eméritos julgadores, onde com tal precaução o excesso de aplicação da lei sempre será remediado. Contudo, a preocupação em não aplicar o excesso, não pode de forma alguma reverter a situação, transferindo a aplicação da lei de maneira correta à impunidade, onde apesar de tudo o infrator poderá ainda se contemplar com as benesses de um eventual crédito concedido pelo próprio erário lesado.

Visando resolver a situação hipotética supra relatada, a lei exige-se que qualquer forma que não seja a fiel aplicação da proibição em tela, o magistrado fundamente de maneira exaustiva, o por quê, da concessão liberando-o de tal sanção.

Sabe-se que o efeito desta condenação estende-se a todos que direta e indiretamente poderão estar ligados ao infrator. Todavia, este favorecimento deverá ser realmente provado, não se estendendo, para os casos em que pairar dúvidas sobre al ligação.

A multa civil:

A todo e qualquer ato de improbidade administrativa, é imposta uma multa civil, sendo que esta impreterivelmente deverá ser independentemente de qualquer outra sanção adotada, inclusive ressarcimento integral dos danos causados. Contudo, deve-se atender para estes casos, os critérios adotados pelo processo de execução, onde a falta de bens passíveis de penhora interromperá o curso do processo, possibilitando que o devedor seja beneficiado com a prescrição, adotada nesta de forma análoga àquela.

O eminente mestre já citado neste tópico, Fábio Medina Osório, em sua brilhante obra igualmente mencionada, lembra que: “impossível ao julgador, por critérios de conveniência e oportunidade, deixar de impor multa civil nas hipóteses de improbidade administrativa. Também se mostra inviável ao julgador fundamentar a exclusão da multa civil com base em suposta pequena dimensão do fato, ou ausência de danos ao erário, ou reduzida reprovabilidade social da conduta[2]”.

A multa civil deverá a nosso entender ser sempre aplicada, sob pena de restar configurado apenas o ressarcimento como pena ao patrimônio do ímprobo, eis que o ressarcimento nada mais é do que o próprio patrimônio do Poder Público, deixando pairar um certo ar de impunidade, já que seu patrimônio particular será sempre o mesmo, diminuindo somente aquilo que outrora não lhe pertencia.

De conseguinte, adiantamos nesta sublime dissertação que a aplicação da multa deverá ser medida de acordo com a conduta do agente e ainda os reflexos de seus atos na sociedade, é claro que o princípio da proporcionalidade, como em toda decisão de mérito deverá ser aplicado, conquanto jamais poderá servir como óbice à aplicação desta sanção, tornando-se, outrossim, mero instrumento medidor de uma ampla análise do caso concreto e a imposição da multa pelo julgador, sendo que esta deverá ser equivalente àquela.

[1] Fábio Medina Osório. Improbidade Administrativa. Fls. 250.

[2] Op.cit. Fábio Medina Osório. p. 258.

Autor: (*) CLEUTON BARRACHI SILVA – Bacharel em ciências jurídicas pela Universidade Camilo Castelo Branco – campus de Fernandópolis – SP- pós-graduando em direito constitucional pela Unirp São José do Rio Preto-SP. Coordenador do Juizado Especial Cível da Comarca de Iturama/MG.

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