Rainel Batista Pereira Filho
Neste breve ensaio procuraremos abordar um tema que se impõe hodiernamente àqueles que vivem o direito: o saque famélico. Fato que tornou-se vulgar em todo o nordeste, mais precisamente na área do sertão.
Se pesquisarmos um pouco veremos a pluralidade de opiniões que existem a respeito do tema, não queremos aqui encerrá-lo.
A estiagem que tivemos neste espaço de doze meses, foi a pior nunca vista em vinte anos, esta seca vinha sendo alarmada desde o ano decorrido, e se observamos a estrutura construída no interior nordestino para enfrentá-la, nos depararemos com uma estrutura insipiente, estéril ou com nenhuma.
Com isso o campesinato foi totalmente abandonado a sua própria sorte, sendo abandonado em lugares onde não existia a mínima condição de vida humana possível, estes homens do campo viram primeiramente seu gado e sua pequena horta ( muitas vezes destinada apenas a subsistência ), definharem e morrerem, posteriormente, sem trabalho e sem de onde tirar o seu sustento, sua família foi reduzida a um grau de miséria e insalubridade extrema.
O quadro suprademonstrado pinta, com tintas não tão reais quanto a da realidade em si, o estado do homem do campo que já tendo a sua própria vida e a de seus familiares ameaçada comete um furto, não para saciar a sua vontade de comer, mas sim para impedir que ele e seus descendentes morram de fome, não por culpa sua mas por vontade de um estado inócuo, omisso e, que agora com a concretização do projeto neo-liberal, se tornará também inexistente.
Agora que vislumbramos os aspectos sociais do fato devemos voltar a nossa atenção ao que nos diz o ordenamento jurídico brasileiro, a respeito do estado de necessidade que é uma das excludentes de ilicitude presentes no art. 23 do Código Penal pátrio:
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
O artigo supramencionado traz a lume os caracteres necessários para a existência do estado de necessidade, dentre eles perigo atual e iminente, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não causada voluntariamente pelo sujeito e finalmente a inexegibilidade do sacrifício do direito ameaçado.
Analisando estes caracteres e relacionando-os com as condições em que são praticados os furtos famélicos veremos que há uma subsunção perfeita da lei a realidade dos furtos famélicos efetuados no inteiror do nordeste, como será mostrado a seguir:
1º. A existência de perigo atual e iminente e ameaça a direito próprio ou alheio: Com isto quer se dizer que o sujeito para valer-se da excludente de ilicitude supra mencionada aja na presença da probabilidade real do dano. Com relação ao tema sub studio vê-se que a possibilidade da morte por inanição constitui sem dúvida um perigo iminente, um dano contra a própria vida dos que se encontram na mais plena miséria, sem dispor dos provimentos básicos para a manutenção da vida.
2º. Situação não causada voluntariamente pelo sujeito. O Estado negando-se a tomar as providências cabíveis para evitar os danos causados pela seca nas cidades do sertão nordestino, deixa de cumprir seus deveres que de tão importantes estão estratificados em nossa Carta Magma , fazendo com que os que dispunham de poucos recursos para enfrentar a estiagem fossem levados a uma condição onde se torna irrealizável o mínimo necessário a uma vida digna, sendo assim marginalizados e condenados a viver o escárnio da pobreza, da seca e da indignidade social.
3º.Inexegibilidade de sacrifício do direito ameaçado. Não é razoável que um indivíduo sucumba à fome para não infringir a lei sacrificando em nome do ordenamento jurídico o seu direito mais essencial que é o direito a vida. Devemos lembrar que a lei foi feita para servir ao homem e não o homem para servir à lei.
Dito isto, infere-se que a excludente de ilicitude, retira o caráter de antijuridicidade dos fatos praticados. Aquele que atua tipicamente em estado de necessidade, furtando alimentos para não deixar-se abater pela fome, encontra, em tese, à saciedade o espeque do nosso ordenamento jurídico que legitima a sua conduta. A respeito disto é valido trazer à lume a jurisprudência pátria, corroborando com o que foi dito:
“Sob pena de tornar letra morta a regra do art. 23, I, é de se reconhecer o estado de necessidade àquele que, sem recursos e sem emprego, não tendo alimentos, nem teto, pratica furto.” ( TACRIM-SP – AC – Rel. Nelson Schiesari.) ( FRANCO, Alberto Silva et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 2 ed. Ver. E ampl. São Paulo: RT, 1987.)
Infine gostaria de lembrar que o direito, além do seu escopo final hipotético que é a justiça, tem também o dever de promover a paz social, não devendo ser compreendido, por isto, como um mantenedor do status quo, mas sim como um protetor dos mais desamparados, dos marginalizados, dos que se encontram a mercê da classe dominante, que elabora as leis. Para isto é necessário que os operadores de tão fascinante ciência, não se prendam a legalismos que tornam o direito uma ilha no meio da sociedade, indo buscar a justiça não apenas no agir conforme a lei, mas sim na principal fonte e razão de ser do direito que é a sociedade.
Rainel Batista Pereira Filho
aluno do segundo ano de Direito na Universidade Potiguar – UnP
Natal – RN