A “simplificação da linguagem jurídica” é inadiável. A mudança de mentalidade ganha importância ao se constatar que uma escrita jurídica arcaica, prolixa e rebuscada não reflete apenas na estética das peças processuais, mas na própria efetividade da prestação jurisdicional.
Alexandre Vidigal de Oliveira, no artigo “Processo virtual e morosidade real”, afirmou: “o mal maior do Judiciário não está na morosidade do tramitar, e sim no atraso em se julgar. 43 milhões de processos aguardam julgamento em todo país, segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (fevereiro/2008).” [01]
Atento a isso, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, defende a prática de votos simples e diretos, o que, aliado à sistematização das atividades de sua assessoria, permitiu, em 2007, o julgamento de cerca de 17.000 casos. Segundo o Ministro, em seu gabinete, domina o princípio de que a preocupação de mostrar erudição transforma o Judiciário em poder hermético, distante da cidadania. Por isso, evita redigir votos longos e repletos de citações, “que acabam contribuindo para o acúmulo de processos”. E conclui: “alegro-me de fazer votos sucintos, claros e simples” [02].
Para essa “simplificação”, convém lembrar que peças processuais não são trabalhos acadêmicos, sendo desnecessário recorrer, em regra, a considerações de ordem Histórica ou ao Direito Comparado. Tampouco devem servir de palco para demonstração de “conhecimento” ou “cultura”. Deve, portanto, prevalecer o “fim”, ou seja, busca pela prestação jurisdicional, e não o “meio”, isto é, peças processuais extensas e repletas de “juridiquês” e outras inutilidades.
Assim, salvo melhor juízo, as peças processuais devem primar pela simplicidade, concisão, clareza e objetividade. Os períodos devem ser curtos e na ordem direta, evitando-se adjetivações que pouco contribuem para esclarecimentos dos fatos e das teses. Com isso, facilita-se a transmissão das idéias – finalidade da palavra, escrita ou falada –, além de se correr menor risco de erros gramaticais. A propósito, vale lembrar Carlos Drumond de Andrade: “escrever bem é a arte de cortar palavras”. E, ainda, Hegel: “quem exagera no argumento, prejudica a causa”.
Nessa tarefa de “simplificação”, serve de valioso instrumento o “Manual de Redação da Folha de São Paulo”, Ed. Pubfolha. Inicialmente, elaborado para jornalistas daquela entidade, posteriormente foi divulgado ao público. Nele, as regras gramaticais estão organizadas em verbetes de fácil consulta, além de apresentar dicas úteis para uma redação correta e clara.
Os próprios Códigos de Processo apontam caminhos para a “boa técnica”. Indicam, inclusive, os requisitos da petição inicial; da denúncia; da sentença, o que, por vezes, parece ser esquecido pelos operadores do Direito, sobretudo na “era da informática”.
É inegável que os sistemas computacionais contribuíram para avanço e melhoria dos serviços forenses. Porém, também trouxeram “recuos”. É o que ocorre, por exemplo, com a “técnica” do “copiar/colar”, em que prevalece a subtração furtiva de idéias, disponíveis na web, além de dar margem a petições de 70 (setenta), 100 (cem) páginas, versando, não raras vezes, sobre temas já sumulados em sentido contrário pelos Tribunais Superiores, tornando o “processado”, desde seu nascedouro, estéril e inútil.
Outras práticas forenses podem ser lembradas, ao menos para reflexão. Por que toda contestação deve ter preliminares? O tema merece realce na medida em que, raramente, essas preliminares são acolhidas…
E o que dizer de expressões como “Egrégio Sodalício”, “Digesto Obreiro”, “Lei de Ritos”, “culto causídico”, “Escólio”, “com fincas no dispositivo”, “peça vestibular”, “remédio heróico”, “proemial delatória”, “ergástulo público”, “átrio do fórum”, “cártula chéquica”, “peça increpatória”, “consorte supérstite”, “Carta Magna”, “representante do Parquet” etc. Em legítimo estilo rococó, nada impressionam ou revelam. Apenas dificultam, senão impossibilitam, a compreensão das partes, reais destinatárias da prestação jurisdicional.
O mesmo se diga do emprego dos “latins”. Embora pertinentes em algumas hipóteses, no mais das vezes poderiam ser suprimidos ou substituídos por expressões equivalentes. É o caso do excesso de “venias” (“data venia”, “concessa venia”, “permissa venia”, “maxima venia”), ou de expressões como “ex vi legis”, “mandamus”, “ab initio”, “ab ovo”, “ictu oculi”, Tribunal “ad quem”, “ad argumentandum tantum”. Enfim, em nada contribuem para o “bom combate”.
Também deveriam ser evitadas agressões verbais e/ou manifestações irônicas nas peças processuais, empregadas sob o pretexto de registrar o inconformismo diante de posicionamentos jurídicos, seja do juiz, do Ministério Público ou do advogado da parte contrária. Sim, porque também não colaboram para a boa prestação jurisdicional. Pelo contrário, desviam o foco da discussão, alimentam a “intolerância” e a “ira” entre os protagonistas desses atos, em prejuízo da causa e, pior, das partes.
Inconformismos, discordâncias, erros devem ser manifestados e retificados de forma técnica, mediante recursos e métodos hábeis e legítimos de persuasão, preservando-se à urbanidade, o respeito mútuo e a ética profissional.
Não se advoga, por outro lado, em nome da “simplificação da linguagem jurídica”, a supressão de termos técnico-jurídicos. Não há como abordar “prescrição”, “desapropriação”, “litispendência”, “conexão” sem se recorrer à essas expressões e às características e peculiaridades de tais institutos. Contudo, esses “termos” também devem ser empregados no momento e contexto adequados, sendo desnecessárias “explicações” ou “aulas” sobre o tema, mesmo porque dirigidos a operadores do direito.
A prevalecer a esperada “simplificação”, defendida inclusive pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), crê-se, as peças processuais serão lidas e compreendidas de maneira fácil e ágil, inclusive pelas partes, o que contribuirá para a rapidez processual e concretização do, hoje, princípio constitucional da “razoável duração do processo” (CF/88, art. 5º, inc. LXXVIII) [03].
Sobre o tema, vale registrar duas passagens vivenciadas cotidiano forense. A primeira ocorreu no exercício da judicatura. Ao se proferir sentença em “ação revisional”, proposta por pessoa física em face de instituição financeira, contendo impugnação dos encargos considerados abusivos, percebeu-se que a inicial continha apenas duas páginas. Num primeiro momento, houve a impressão de inépcia da inicial, então argüida em contestação, tamanha a objetividade e concisão do trabalho do advogado do autor. Entretanto, em exame mais detido, constatou-se a narrativa do fato, a indicação dos fundamentos jurídicos, referências a Súmulas do STJ, e, por fim, os pedidos. Por outras palavras: atendeu-se, em espírito e em letra, ao art. 282, do CPC, especialmente seu inciso III [04].
Não bastasse isso, constatou-se que o advogado somente impugnou os encargos, cuja probabilidade de êxito, segundo precedentes jurisprudenciais e sumulares, senão certa, era muito provável. Diante disso, concluiu-se, com rapidez e segurança, pela procedência integral dos pedidos com sucumbência total da parte adversa, hipótese rara nessas causas.
Além disso, por mérito, os honorários advocatícios de sucumbência foram arbitrados em grau máximo, cuja decisão foi mantida em grau recursal.
Outra passagem ocorreu em pesquisa informal junto aos arquivos da Comarca de Londrina-PR, instalada em 1938. Na ocasião, buscava-se, por curiosidade, apurar a natureza e as peculiaridades do primeiro processo dessa Comarca. Apesar da frustração em não localizar os autos do processo nº 01/38, chegou-se aos autos nº 02/38. Para surpresa e espanto, a petição inicial, embora versasse sobre acidente de trânsito com morte, também continha somente duas páginas. Após o preâmbulo, seguiam-se dois parágrafos. O primeiro, narrava o fato; o segundo fundamentava a pretensão no art. 159, do CC/16. Ao final, os pedidos foram deduzidos, dentre outros, com base no art. 1.537, também do CC/16 [05].
Precisa mais?
Desnecessário informar o desfecho da causa.
Pena que práticas semelhantes não prevalecem.
Em suma, foi-se o tempo que escrever difícil causava boa impressão. Hoje, boa impressão causa quem se faz compreendido. O que não é fácil. Exige constante aprimoramento técnico, dedicação, paciência, método e leitura. Boa Leitura. Afinal, escrever é uma arte e “simplificar é preciso!” Como disse Lord Henry Wotton, na obra “The picture of Dorian Gray” (O Retrato de Dorian Gray), de Oscar Wilde: “Our proverbs want rewriting. They were made in winter, and it is summer now” (“Nossos provérbios querem ser reescritos. Eles foram feitos no inverno e nós estamos no verão”).
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Notas
01 OLIVEIRA, Alexandre Vidigal de. Processo virtual e morosidade real. www.ibrajus.org.br. Disponível em:
02 Notícias do STJ. www.stj.gov.br. Disponível em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86270>. Acesso em 17 abr. 2008.
03 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.(Incluído pela EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2004 – DOU 31/12/2004).
04 Art. 282. A petição inicial indicará: (…) III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
05 Art. 1.537. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia;
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José Ricardo Alvarez Viana
juiz de Direito no Paraná, mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)