Autor: Adacir Reis (*)
Ao fazer um balanço das principais atividades desenvolvidas em 2015 pelo Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luís Felipe Salomão registrou, nesteConsultor Jurídico, que “nos novos tempos, não há mais espaço para o discurso rebuscado, as palavras inúteis, empoladas”, enfatizando ainda que “o tempo novo é o da brevidade e objetividade”.
Tais palavras me fizeram lembrar uma polêmica em torno de um caso, de Santa Catarina, em que um juiz determinou que se emendasse a petição inicial, para que fosse reduzida a dez laudas, por considerá-la prolixa. O advogado recorreu, alegando ausência de base legal, mas o Tribunal de Justiça manteve a decisão de primeiro grau, considerando-a amparada nos princípios da celeridade processual, da razoabilidade e da eficiência (Agravo de Instrumento 2014.024576-2).
Na ocasião, o desembargador Luiz Fernando Boller advertiu: “Direito é bom senso”. E indagou: “Há bom senso em peças gigantescas, em um momento em que o Judiciário está assoberbado de processos e que tanto se reclama da demora dos julgamentos? Evidente que não!”
Em outro caso, ocorrido no Paraná, a petição inicial do Ministério Público foi recusada por conter 144 folhas, o que, no entendimento do juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira, era um “livro” e não uma peça processual.
Se é por meio da linguagem que o advogado se expressa e se dirige ao magistrado, basta formular a seguinte questão: qual a petição que tem mais chance de ser apreciada? A de cinco páginas ou a de cinquenta? O memorial de uma lauda ou o de dez? Qual a sustentação oral que vai merecer mais a atenção do integrante do Tribunal? Aquela que vai direto ao cerne do problema ou a que se arrasta em citações e malabarismos verbais? A resposta é de uma lógica elementar.
Em sua clássica obra Eles, os juízes, vistos por um advogado, Piero Calamandrei ensinava: “O excesso de doutrina, a excepcional ostentação de citações de autores, o refinado virtuosismo dialético cansam o juiz. Se você escreve demais, ele não lê; se você fala demais, ele não ouve; se você é obscuro, ele não tem tempo para tentar compreendê-lo”. O famoso jurista italiano vai além: “Lembrem-se de que a brevidade e a clareza são os dois dons que o juiz mais aprecia no discurso do advogado”.
Se tais ensinamentos já eram válidos há algumas décadas, o que dizer dos dias atuais, em que o Brasil atingiu a cifra alarmante de mais de 100 milhões de processos judiciais?
Em nossa tradição jurídica, com raízes lusitanas, a linguagem formal caracterizou-se pelo verbalismo bacharelesco e pela expressão retórica. A busca da construção estética se sobrepunha à preocupação com o resultado prático. O mundo forense parecia se bastar. Quanto mais pomposas as expressões, maior a presunção de saber. Assim, o parecer jurídico de setenta páginas era visto, em si, como um “denso estudo”, pouco importando se seria lido integralmente, ao passo que o outro, com poucas laudas, poderia sugerir, até mesmo aos olhos do cliente, uma pobreza de argumentos.
Embora os avanços tecnológicos tenham trazido os aplicativos que exigem concisão e velocidade, trouxeram também o fenômeno do “copiar” e “colar”, o qual exacerbou o vício das longas manifestações e a tentação das citações ornamentais.
É claro que em cada área do conhecimento há termos técnicos inevitáveis, com significado próprio. O que merece reprovação é a linguagem pomposa que nada contribui para o esclarecimento da controvérsia.
No mundo contemporâneo, marcado pela busca da produtividade e da eficiência, não se pode desperdiçar o bem mais precioso do mercado, e também da vida: o tempo. Parece fato incontroverso que todos que atuam no Poder Judiciário nunca trabalharam tanto e também nunca foram tão cobrados a prestar contas como nos dias atuais. Aliás, com a facilidade da tecnologia, os profissionais do Direito trabalham a qualquer hora e em qualquer lugar.
Com a globalização e com a universalização do processo eletrônico e a prevalência da eficiência no Poder Judiciário, a simplificação da linguagem jurídica está deixando de ser uma questão de estilo para se tornar uma exigência operacional.
Além de um imperativo da atualidade, a objetividade e a brevidade decorrem diretamente dos princípios processuais da razoabilidade, eficiência, oralidade e celeridade.
Neste contexto, iniciativas como a do Tribunal de Justiça de São Paulo, com o projeto “Petição 10 e Sentença 10”, propondo a limitação de tais manifestações a dez páginas, são construtivas e permanecem válidas com as disposições do novo Código de Processo Civil.
O objetivo do advogado é esclarecer e persuadir. Ao redigir uma petição, ao elaborar um memorial ou fazer uma sustentação oral, não cabe preocupação com o brilho pessoal, pois o advogado não é o personagem principal do processo, papel que cabe às partes. Se o profissional do Direito atuar na área consultiva, seu propósito é orientar objetivamente os gestores. O magistrado, por sua vez, como agente do Estado, e fortalecido pelo artigo 139 do novo CPC, está voltado para o comando constitucional segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (CF, artigo 5º, LXXVIII), além de pautado pelo princípio da eficiência que orienta o poder público (CF, artigo 37).
Não há como o Brasil se desenvolver sem a funcionalidade do Direito. Em uma sociedade caracterizada pela velocidade e pela cobrança de resultados, os profissionais da área jurídica (para não usar o termo “operadores do Direito”) têm o desafio de simplificar a linguagem jurídica e harmonizá-la com a realidade de um país ansioso por transformações.
Autor: Adacir Reis é advogado, sócio do Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia. Autor do livro Curso Básico de Previdência Complementar, Editora Revista dos Tribunais.