Autor: Eugênio José Guilherme de Aragão (*)
Um dos princípios basilares de nossa talvez ainda vigente Constituição é o da “forma federativa de Estado”, erigido como cláusula pétrea em seu artigo 60, parágrafo 4°. De conformidade com este, os governos e as administrações estaduais gozam de relativa autarquia, isto é, se organizam de acordo com suas constituições, sem interferências umas nas outras, no espaço que lhes é reservado na constituição federal.
Os Ministérios Públicos estaduais e os ramos da União obedecem a essa lógica, pois a própria Constituição, no artigo 127, impõe a ordenação justaposta de instituições ministeriais dos diversos âmbitos, cada uma com sua legislação orgânica e sua disciplina de carreira. Elas não se misturam. São órgãos estabelecidos à luz da regulamentação estadual e federal própria a cada delas.
Eis que para atender anseios corporativos de mobilidade, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) resolveu fazer tabula rasa do princípio federativo e permitir que membros do Ministério Público em seus diversos âmbitos passam usufruir do direito de serem redistribuídos entre estados é, quiçá, a União. Trata-se de mais um gritante benefício à margem da lei, mais sujeito a criar tensões do que alivia-las, sempre para atender aspirações pessoais.
Agora o Ministério Público passa de construto constitucional à condição de um grande Rotary, ou de uma AABB, um clube só, com presença em todo território nacional para o gáudio de seus membros.
É a isso que me referi, quando, no sítio eletrônico da Consultor Jurídico, chamei atenção para os desvios corporativos do CNMP, um órgão composto em larga margem por uma maioria de gente das próprias carreiras e, com isso, incapaz de agir criticamente contra suas pressões, seja na parte regulamentar, seja na disciplinar. E tanto isso é verdade, além deste episódio, que, quando críticas fiz, o colegiado sentindo-se ofendido, resolveu abrir processo administrativo disciplinar em causa própria, para expurgar este insolente membro de suas funções e empurrá-lo para a aposentadoria. Usou o instrumento legal para promover a vindita corporativa contra a liberdade de expressão de um de seus membros.
Só rindo, se não fosse trágico. Aposentei, não pela pressão expulsória, mas pelo desgosto de participar de uma instituição que nasceu grande na Constituição de 1988 e se apequenou pelas demandas rasteiras de facilidades, vantagens, poder e prestígio próprio.
É por isso que urge reformar não só o próprio Ministério Público para limitar seus impulsos abusivos, mas, também, reinventar o órgão de controle, que deve ter mais representantes da sociedade e menos das carreiras, passando a se qualificar verdadeiramente como órgão de controle externo.
Autor: Eugênio José Guilherme de Aragão é ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, advogado e professor adjunto da Universidade de Brasília.