O artigo trata da questão da Ética no que diz respeito à representação política no Brasil e sugere a elaboração de um código de conduta para representantes políticos. Ainda, são feitas algumas considerações sobre a relação Estado-Sociedade.
Francisco Matias da Rocha Jr.
O título acima sugere um debate aristotélico, algo como uma análise crítica da organização e do funcionamento do Estado. De fato, o filósofo Aristóteles discute em seu compéndio «Política« sobre a melhor forma de organização estatal, na qual os conceitos de ‘Ética’, ‘Eficiência’, ‘Justiça’ e ‘Estabilidade’ assumem um papel fundamental. Tudo isso, embora escrito num passado remoto, é muito atual. Basta abrir os jornais e verificar em que pé estão ou como andam as nossas instituições políticas. Do ponto de vista ético, pelo menos essa é a minha impressão, a situação atual é preocupante, é de arrepiar os pêlos de qualquer um.
Na qualidade de nação ‘jovem’, o Brasil ocupou rapidamente, por diversas razões, o imaginário coletivo do mundo: o café, o carnaval, a bossa nova, e o futebal. Recentemente, em minhas conversas com indíviduos de nacionalidades distintas, os quais por razões diversas interessam-se pelas coisas do Brasil, notei que as indagações que me são freqüentemente dirigidas abordam no geral os seguintes temas: (1) a corrupção da classe política brasileira, (2) os Direitos Humanos no Brasil, (3) as desigualdades sociais e (4) a questão do desmatamento da floresta amazônica.
Em relação ao primeiro tema, o nome do ex-presidente Collor de Mello ainda é citado como exemplo clássico de malversação e açambarcamento de recursos públicos. Quanto ao segundo, o assunto predileto são as crianças de rua, os esquadrões da morte e a situação dos índios brasileiros. A questão das desigualdades sociais sempre é relacionada aos favelados e, mais recentemente, aos sem-terras. Alguns até se dão ao requinte de mencionar o fato de que a floresta amazônica, apesar de muitos convênios e projetos internacionais, vem sendo paulatinamente destruída. Citam relatórios da UNO, fotos de satélites vistas na internet e artigos jornalísticos para fundamentar as suas assertivas.
Ora, sempre “me defendi” a replicar que a Constituição de 1988 é a pedra ou o marco fundamental de inovações profundas na sociedade brasileira. O fato de que o ex-presidente Collor de Mello foi afastado do poder seria um sinal de tais mudanças, contra-argumentava eu. Antes, dizia, políticos gaturnos ainda se gabavam de seus (des) feitos e nunca eram devidamente punidos. Replicava que os esquadrões da morte, pois, tais aberrações eram relíquias do passado ditatorial do país. Os índios, esses já tiveram suas terras demarcadas e vivem bem melhor do que, digamos, os índios norte-americanos. Quanto aos favelados e aos sem-terra, continuava, isso é um problema histórico-estructural. Afrmava, baseado em estatísticas oficiais, que o actual governo brasileiro tem feito muita coisa positiva para combater a pobreza, o analfabetismo, o trabalho infantil, o problema das drogas e já teria distribuido mais terras do que todos os governos precedentes desde 1964. No que diz respeito à floresta amazônica, argumentava que o Estado brasileiro sempre fêz o possível e o impossível para combater o desmatamento ilegal, o contrabando de matérias primas retiradas da floresta.
Assim, durante anos, como bom patriota, senti-me na obrigação de defender a terra natal das acusações e, às vezes, comparações nada lisongeiras feitas em relação ao Brasil. No fundo, tinha a sensação de que porventura estaria sendo demasiadamente ingênuo. No entanto, fi-lo, já não o faço mais, pois as circunstâncias silenciaram-me. Tempora non mutantur!? Por quê?
Ora, o Presidente da República preocupa-se em evitar uma CPI contra a corrupção, pois teme o desgaste político de sua administração (sic!); policiais comprovadamente criminosos são inoscentados pelo Judiciário; membros do Judiciário embolsam e depositam em grande escala dinheiro público no exterior (durante anos!); negros e pobres são as vítimas prediletas da Polícia, a qual prende, tortura e mata ao bel prazer, segundo um relatário publicado pela ONU; diretores de agências governamentais de desenvolvimento regional (SUDENE, SUDAM), de conluio com políticos desonestos, a forjarem relatórios e a apresentarem contas falsificadas com o intúito de açambarcarem vultuosas verbas estatais; adolescentes são sadisticamente torturados por aqueles que deveriam trabalhar para “recuperá-los” (FEBEM); índios são assassinados e a floresta amazônica é vendida a estrangeiros; peruanos, bolivianos e colombianos fazem incursões ilegais no territóiro brasileiro; senadores a violarem as mais elementares regras de decoro e decência do sistema democrático, num verdadeiro festival de comportamento anti-ético e falta de caráter. Que país é esse?!
Políticos desonestos não se envergonham do mal que perpetram. Compreendo perfeitamente a indignação do senador Pedro Simon (PMDB-RS) quanto à atitude dubiosa dos políticos envolvidos nos mais recentes escândalos no Congresso Nacional. Políticos corruptos são indignos de representar o eleitorado que os elege. A encenação de choromingados pedidos públicos de desculpas não minimiza a gravidade do delito. Uma renúncia expontânea a toda e quaisquer atividades políticas seria a saída mais honroza, seguida de um rigoroso processo criminal. Contudo, sei que tal atitude não faz parte da tradição, da cultura política brasileira. Assim, compete ao eleitores vigilantes “punir” os malfeitores. Em minha opinião, não basta apenas se informar sobre as transgressões dos políticos. É necessário protestar e exigir que renunciem imediatamente e, caso não o façam, mandá-los para casa nas eleições seguintes!
Os tristes episódios no teatro político brasileiro dos últimos meses corroboram a tese de que o sistema político implantado após a Constituição de 1988 já é obsoleto e necessita de uma reforma urgente. O assunto é complexo. Deixando de lado o problema da representação regional no Senado Federal, a questão das distribuição dos recursos federais arrecados entre os estados membros da Federação, ouso, entretanto, fazer três modestas sugestões de reforma, as quais tangem apenas o aspecto ético-comportamental na esfera política em si:
1) O voto secreto no Senado Federal e Estadual, nas Assembléias e Câmaras Municipais deveria ser abolido. Discutida a matéria devidamente, a votação far-se–ia livre e aberta: sou a favor ou sou contra. A sociedade, os eleitores têm o direito de saber qual é a real posição dos políticos que elegem. Isso evitaria episódios grotescos como os que ocorreram recentemente no Senado Federal;
2) Todo político eleito deveria ter a obrigação de portar-se de acordo com um código de ética profissional; o qual implicaria em normas tais como:
a) Servir à sociedade, ao público, é a tarefa principal da carreira política;
b) A carreira política será pautada pela Honestidade e pela Transparência em todas as atitudes da vida pública.
3) Quanto à penalidade a ser imposta aos políticos transgressores da Lei, sugiro:
a) Perda automática do mandato seguida da instauração de um rigoroso processo criminal;
b) Políticos e administradores que causarem prejuízos de qualquer natureza aos cofres públicos terão seus bens pessoais confiscados para efeito de ressarcimento;
c) Comprovada a culpabilidade do político transgressor da Lei, o ostracismo político por tempo indeterminado, a proibição do exercício de quaisquer funções políticas ou público-administrativas de qualquer natureza, será a conseqüência imediata.
Desde os tempos de Thomas Hobbes, um dos temas centrais da teoria política gira em torno da questão da necessidade de proteger a sociedade contra as forças destrutivas (criminosas) em seu interior. Assim, o monopólio da força exercido pelo Estado e a divisão dos poderes nada mais são do que o resultado de um consenso social, o qual almeja restabelecer a ordem pertubada pelos malfeitores. Em primeiro lugar, o Estado exorta e pune os delinqüentes, descumpridores das normas e leis gerais. Em segundo lugar, a divisão de poderes visa a coibir o uso arbitrário da força estatal contra os membros da sociedade, como acontecia nas monarquias do passado ou nos regimes comunistas e nas ditaduras militares contemporâneas.
Ora, quais são as conseqüências para o regime político, quando o aparelho estatal encontra-se ocupado por indivíduos moral e tecnicamente despreparados para as funções que exercem? A resposta é óbvia. O sistema político perde paulatinamente a credibilidade. Os eleitores abstêm-se de votar ou, caso o voto seja obrigatório (o que não deveria ser!), anulam-o simplesmente. Ainda, a população desilude-se, perde a esperança e a confiança de que o sistema democrático, até prova em contrário, é a melhor forma de organização social possível. A economia também “sofre” sob os efeitos malévicos advindos das esfera política. Reina um estado geral de confução e incertezas. Decisões de investimentos são adiadas ou talvez até redirecionadas. A sociedade, em geral, do ponto de vista do mercado de trabalho, é a grande perdedora.
Todo político ou administrador público, o qual comete atos ilegais no cumprimento de seu dever cívico, assemelha-se a um tumor maligno que prejudica o bom funcionamento do sistema como um todo. Tais indivíduos lezam com as suas atitudes levianas, de certa forma, o futuro da Nação. O mais aconselhável seria guardar na memória o nome dos malfeitores (as) e, nas próximas eleições, caso tenham a petulância de apresentarem-se novamente, e em geral a têm, condená-los ao ostracismo, à busca de uma nova “profissão”. Desgraçadamente, a memória da maioria dos eleitores é de curto alcance. Que pena!
Francisco Matias da Rocha Jr. é mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Kassel, Bremen, Alemanha.