Sociedade deve cobrar unificação de carreiras jurídicas da União

por Manuel de Medeiros Dantas

A Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União deverá passar por modificações em breve, pois grupo de trabalho foi constituído dentro da Instituição com o objetivo de fazer proposições nesse sentido.

Questão que certamente será enfrentada nas discussões e debates diz respeito à necessidade ou não de se patrocinar a unificação das carreiras de Advogado da União, responsável pela representação judicial e extrajudicial da União e pela consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo; de Procurador da Fazenda Nacional, que faz a execução da dívida ativa de natureza tributária da União; e de Procurador Federal, hoje com atribuição de representação judicial e extrajudicial, além das atividades de consultoria e de assessoramento jurídico das autarquias e fundações públicas federais, como também pela execução dos respectivos créditos de qualquer natureza.

Nas conversas preliminares já iniciadas no âmbito das entidades associativas, bem como entre os integrantes dessas diversas carreiras, não tem havido consenso. Inúmeros obstáculos têm sido levantados, mas, numa análise isenta, verifica-se falta de razoável fundamento lógico e, ainda, forte color corporativista.

Necessidade de especialização; problemas ligados às promoções; defesa do paradigma do Ministério Público Federal, que é dividido em quatro dimensões e carreiras; impossibilidade de integrantes de uma mesma carreira defenderem eventuais interesses conflituosos entre a Administração Central e seus entes descentralizados, como também entre um e outro, em lados opostos de um processo judicial, por exemplo; grande quantidade de integrantes, o que reduziriam as chances de melhor tratamento remuneratório; dicção constitucional que se refere às carreiras (no plural), são alguns dos argumentos utilizados contra a carreira única.

É bom que se diga que eventual necessidade de especialização deve se dar por órgão, e não por carreira. Assim, seja qual for a decisão a respeito do tema em foco, continuariam a existir a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as diversas Procuradorias Federais especializadas (Incra, INSS, Anatel, Ibama, Aneel, além de outras), as Consultorias Jurídicas dos diversos Ministérios, até enquanto o interesse público os justifique. Nada impede que as competências dos diversos órgãos jurídicos sejam exercidas por membros de uma mesma carreira jurídica, assim como ocorre, por exemplo, nas Procuradorias dos estados.

Em que pese o Ministério Público Federal ser segmentado em quatro carreiras, esse paradigma não pode ser seguido pela Advocacia Pública pelo simples motivo de que se trata, aqui, de um escritório de advocacia, com dinâmica diferente e que necessita de agilidade e de flexibilidade. Enquanto o Ministério Público possa, ainda que eventualmente, se conformar com ausência de membros em qualquer de suas dimensões, na Advocacia Pública a falta de profissionais importa em prejuízos vultosos e diretos ao erário por perda de prazos judiciais e defesas deficientes em virtude do binômio excesso de trabalho e carência de pessoal. Aliás, o que ocorre com o Ministério Público Federal é fruto de acomodação ocorrida na Constituinte de 1987/88, pois naquela época os integrantes de seus diversos segmentos também não se entendiam. Mesmo lá, a olhos vistos e em garantia do interesse público de defesa da sociedade, se justifica a existência de uma única carreira.

Quanto à impossibilidade de que membros de uma mesma carreira estejam em lados contrapostos em eventual conflito de interesses surgidos entre a União e suas autarquias ou fundações e entre umas e outras, é fato que esses conflitos são apenas aparentes, na medida em que se parte do pressuposto de que todos esses entes existem para realização de um mesmo interesse subjacente, que é o interesse público.

Sendo aparentes, é possível que se dirimam através de instrumentos adequados como as Câmaras de Conciliação de conflitos do Poder Público, criadas exatamente para esse mister. Mas, mesmo que o sistema admita a existência interna de lides, nada obstaculizaria a defesa de tais entes por profissionais de uma mesma carreira, assim como ocorre entre necessitados que, estando em pólos antagônicos de um processo judicial, podem ter seus interesses defendidos por Defensores Públicos de uma mesma defensoria. Já há, aliás, exemplo na carreira de Procurador Federal, que é responsável pela defesa dos interesses de diversas autarquias e fundações públicas federais.

Hoje, a Advocacia-Geral da União possui cerca de 1200 Advogados da União, 1200 Procuradores da Fazenda Nacional e 4000 Procuradores Federais, totalizando pouco mais de 6000 membros em atividade. Em virtude da divisão existente, impede-se que eventual carência de Procuradores da Fazenda Nacional, por exemplo, seja suprida por Advogados Públicos das outras carreiras e que, eventualmente, estejam mais desobrigados em virtude de sazonalidade já verificada em determinados seguimentos.

Assim, um esforço de arrecadação desejado pelo Governo Federal é postergado em virtude da falta daqueles Procuradores Fazendários, o que justifica realização de concursos que seriam absolutamente desnecessários caso fosse permitida a mobilidade desejada e permitida num quadro de carreira única. Não é difícil concluir que haveria necessidade de muito menos profissionais, abrindo-se ao erário a possibilidade de remunerar condignamente essa importante parcela de agentes públicos.

Problemas ligados às promoções numa eventual unificação de fato existem, pois o entrelaçamento das carreiras redundaria numa lista de antigüidade totalmente diferente e que frustaria legítimas expectativas. Entretanto, esses problemas são mínimos se considerarmos os ganhos advindos para o Estado Brasileiro, além do que existem soluções que permitem neutralizá-los, tais como o estabelecimento de um novo modelo. Ou, ainda, que as disposições transitórias da nova LOAGU alce todos à última categoria hoje existente (Categoria Especial), abrindo-se novos horizontes em uma nova estrutura de ascensão funcional. O que não se concebe é que o interesse maior de eficiência jurídica ceda em função de interesses, cuja problemática pode ter solução em normas de transição.

Quanto ao fato de referir o texto constitucional à expressão “carreiras”, está apenas a indicar a possibilidade da existência de mais de uma, não tendo razão interpretação que tem o viés de vedar a existência de carreira única.

A segmentação hoje existente patrocina alguns absurdos, como a coexistência de diversas Procuradorias da Advocacia-Geral da União em uma mesma cidade. Cada órgão com sua estrutura (um prédio, um Procurador-Chefe e algumas coordenações abaixo dele, com respectivo pagamento de remuneração por meio de gratificações e cargos DAS), com bibliotecas, carros oficiais, servidores etc.

Numa realidade de carreira única, haveria a possibilidade de que a Instituição tivesse apenas uma unidade em cada uma dessas cidades, demandando apenas um local de funcionamento, com um único gestor e tantas coordenações quantas forem as entidades representadas, uma única Biblioteca, quantidade reduzida de carros oficiais, servidores etc, além de patrocinar uma melhor e mais eqüitativa distribuição da carga de trabalho, dando-se a flexibilidade e agilidade necessárias ao direcionamento dos esforços humanos e logísticos, conforme as prioridades traçadas pelo governo.

Alie-se, ainda, a facilidade que teria a população em identificar o profissional responsável pela defesa dos interesses jurídicos do Estado Brasileiro, ao contrário do que ocorre nos dias atuais onde se confunde Procurador Federal com membro do Ministério Público.

Em conclusão, qualquer discussão em torno da Advocacia-Geral da União traz a lume o interesse público, que deve ser o seu guia permanente. Nesse diapasão, a unificação das carreiras jurídicas da União é medida de racionalidade que se impõe e que deve ser cobrada pela sociedade brasileira. Por outro lado, a Instituição somente se justificará se for capaz de apreender as necessidades desse jaez e se antecipar na adoção das medidas que melhor atendam o contribuinte e o cidadão de uma maneira geral.

Manuel de Medeiros Dantas é advogado da União, no exercício do cargo de procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS de Natal (RN) e membro do Conselho da Previdência Social em Natal.

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