Sociedade está madura para cobrar evolução ética dos representantes

Autor: Roberto Livianu e Dimas Eduardo Ramalho (*)

 

Platão alertou há muitos séculos que o medo da luz pelos homens é a real tragédia da vida. Mesmo assim, a maioria na Câmara dos Deputados quis votar a anistia ao caixa dois na opacidade e, logo na semana seguinte, desfigurou o relatório Onyx, deixando intactas apenas duas das dez medidas contra a corrupção, além de criminalizar juízes e promotores que a combatem.

Sob a perspectiva de que o Parlamento não deixa de ser o espelho da sociedade e que “Narciso acha feio o que não é espelho”, como lembrava o poeta, deveria haver, então, um imperativo ético a refletir, incutir e inspirar os valores dela a seus representantes constituídos.

Muito embora o exercício do mandato seja livre, diante da infidelidade do mandatário frente ao mandante, a dissociação dessas vontades há de gerar o repensar dos contornos do sistema representativo. Por onde começar qualquer transformação moral capaz de impactar positivamente nossa instituição encarregada de decidir sobre direito novo?

A extinção de figuras arcaicas como a da prescrição retroativa e modernizações necessárias como a da criminalização do caixa dois eleitoral e do enriquecimento ilícito foram algumas das ideias visando ajuste punitivo e reversão da impunidade. É um começo. A sociedade endossou.

A reação autoprotetiva exibida pela Câmara, que deveria estar mais atenta do que nunca ao que dizem as ruas, está a demonstrar falta de sintonia com os representados e evidencia uma oportunidade rara de transformação.

A ruptura parece estar justamente na clássica relação entre a ética dos governantes e dos governados. Enquanto os eleitores, verdadeiros detentores do poder, atingiram uma maturidade necessária para evoluir no controle e na sanção da corrupção, os eleitos desafiam os limites da finalidade de nosso sistema representativo.

Certamente atos de corrupção não são concebidos somente com a atuação desvirtuada de agentes públicos. Líderes empresariais e intermediários do setor privado muitas vezes tornam-se os principais indutores e beneficiários de vícios que subvertem contratos públicos. No entanto, cabe ao agente estatal atuar como sentinela avançada do patrimônio coletivo. É dele a responsabilidade de lutar pelos termos mais vantajosos ao Estado e é principalmente sobre sua conduta que devemos focar ao propor medidas para o aprimoramento da democracia.

Parece necessário ainda afastar a lógica evolucionista que interpreta equivocadamente a corrupção como se fosse um fenômeno natural em povos menos civilizados. Trata-se, ao que parece, pelas abundantes amostragens com as quais nos deparamos quase todos os dias, de um desvio ético latente em estrutura pública ou privada que gerencia recursos ou detenha poder de decisão, seja no hemisfério sul ou no norte.

Debater antídotos como o da transparência, encontrar os melhores caminhos preventivos e propor reformas capazes de aumentar as barreiras e o risco àqueles que se desvirtuam são alguns dos objetivos da Semana de Combate à Corrupção, realizada entre 6 e 11 de dezembro pelo Instituto Não Aceito Corrupção, com o apoio do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. A articulação inclui representantes da academia, da imprensa, do terceiro setor e de órgãos de controle, todos dedicados a mobilizar e dialogar com a sociedade, principal motor propulsor das transformações vividas recentemente no país.

*Título alterado às 16h46 do dia 8/12/2016 a pedido dos autores.

 

 

 

 

 

Autor: Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em Direito pela USP. Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos, é membro do MPD e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

 Dimas Eduardo Ramalho é presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.


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