Sociedade Internet: uma volta ao passado

José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto

Sociedade Internet: uma volta ao passado
Autor:José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto *
Data: 07/jul/96
(Palestra proferida no 1o Fórum de Debates Jurídicos Via Internet realizado na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Canoas-RS)

Inicialmente, queria agradecer à Prof. Lígia Futterleib bem como ao Prof. Carlos Schrnöder pelo gentil convite recebido para participar deste congresso pioneiro. Acredito que esse seja um dos primeiros congressos, senão o primeiro, a realizar uma análise mais profunda da Internet sob a ótica penal.

Parabenizo esta Universidade, na qual sinto-me honrado de estar presente, ainda que virtualmente, por tão brilhante inicativa. Exemplos como esse servem para demonstrar que a Internet pode ser utilizada para fins indeterminados, em benefício do aperfeiçoamento da condição humana.

Iniciando a minha exposição, peço licença para fugir do tema a mim destinado no intuito de enfrentar uma questão que vem provocando controvérsia nas pessoas estranhas a área jurídica: Uma vez que a Internet é um meio de comunicação a nível mundial, estaria esta sujeita as leis nacionais?

A Internet propiciou o surgimento de uma nova sociedade, uma sociedade ao mesmo tempo virtual e global. Essa sociedade, formada de estratos culturais heterogêneos, tornou possível o aparecimento do denominado “mundo virtual” ou “ciberespaço”.

Pode-se dizer que o ciberespaço congrega pessoas de todos os níveis, desde o cientista, que utiliza a Internet como meio de comunicação com colegas de outros países, até a criança, que espera encontrar na máquina falante e pensadora um amigo que lhe dispense carinho e atenção.

A Internet não discrimina. Nesse mundo todos são iguais, independente da cor, sexo ou religião. Todos são cidadãos de um mundo virtual, regido por normas próprias de comportamento, insculpidas através da utilização constante de regras morais e de trato social, que se solidificaram através de uma prática virtual reiterada.

Todos sabem que na sociedade em que vivemos o Direito não é o único instrumento de controle social. A Filosofia do Direito esclarece que ao lado do Direito, atuando sobre o comportamento, existem os campos da moral, religião e das Regras de Trato Social, atuando de forma cumulativa, ainda que com funções próprias, mas com fins convergentes.

Muitos dos cidadãos do ciberespaço consideram as normas jurídicas como um elemento complicador da vida social. O Direito é encarado como uma verdadeira “camisa de força” imposta pela sociedade dos homens. Para esses cidadãos virtuais o ciberespaço seria governado com base em um sistema anárquico sui generis, onde toda a forma de governo ou regulamentação é imoral.

É interessante notar que a sociedade virtual, resultante dos enormes avanços tecnológicos do mundo moderno, significa em sua essência, um retrocesso do homem como ente social. Explico melhor: Vejo nas características dessa sociedade virtual uma verdadeira volta ao passado, uma volta ao denominado estado de natureza, preconizado por filósofos do século XVIII.

Não ficarei surpreso se a teoria do contrato social aparecer em breve, juntamente com a mão invisível, ou melhor, “virtual” de Adam Smith, para regular a economia do ciberespaço. Parece-me que a história se repete. Estamos presenciando o nascimento de uma nova sociedade.

Todavia, é preciso lembrar que esta é uma sociedade virtual, sem território ou nacionalidade definidos. Estamos falando de uma sociedade dependente. A sociedade virtual não tem vida própria e precisa do mundo físico para existir. Os problemas ocorrem nos pontos de interseção entre os dois mundos.

O mundo virtual, em seu atual estágio de evolução, não se conforma com as normas existentes no mundo físico. Ocorre que o mundo físico não pode esperar que a sociedade virtual evolua até que as leis sejam entendidas como algo necessário. Isto porque o mundo virtual vem causando uma série de transtornos no mundo real.

Fraudes realizadas contra o sistema bancário, destruição de bancos de dados, dentre outras condutas, devem ser reprimidas. Ocorre que as regras de trato social e moral vigentes no mundo virtual não são suficientes para conter tais ações delitivas. Isto porque, de todos os instrumentos de controle social, apenas o direito possui atributividade, que se constitui na prerrogativa de conferir exibilidade.

Nesse sentido, o jurista Paulo Nader nos lembra que as normas jurídicas, tanto quanto as regras de trato social, moral e religião, impõem deveres, mas apenas a norma jurídica possui estrutura imperativo-atributiva, isto é, além de definir deveres atribuem direitos subjetivos.

A conclusão dessa situação é que as normas jurídicas do mundo real devem ser aplicadas também no mundo virtual. Não se concebe que um indivíduo se utilize do mundo virtual para provocar danos a terceiros sem sofrer uma sanção correspondente.

Não podemos esquecer que o cidadão virtual também é cidadão do mundo real ou físico, onde a jurisdição do Estado de Direito se faz presente. É obvio que a Internet necessita da elaboração de normas especiais em virtude de sua natureza global. As normas jurídicas existentes devem ser aplicadas com restrições, ou seja, desde que não tenham o condão de tornar o mundo Internet ou virtual em um mundo privado, com uma bandeira e uma nacionalidade.

Nesse sentido foi o entendimento da corte americana que em recente decisão julgou, com toda a razão, inconstitucional o “Decency Act”.

Peço desculpas aos senhores, uma vez que a minha exposição se destinava a abordar a liberade de expressão e violação de direitos autorais na Internet. Todavia, são inúmeras as teses de que não há espaço para a lei na internet. Sendo assim, como uma espécie de “questão prejudicial” pretendi provar o contrário, através de um exercício jurídico- filosófico.

Agradeço pela atenção dispensada por todos.

*José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto é Advogado em São Paulo e consultor de empresas de software

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