'Sociedade não pode assistir passiva o desequilíbrio na economia.'

Izner Hanna Garcia*

A recente pesquisa acerca dos juros praticados pelo sistema financeiro nacional chega a duas conclusões. A primeira é que os bancos são, pelo segundo ano consecutivo, os mais rentáveis em comparação aos de outros países, como México, EUA, Itália, Espanha, Inglaterra e Canadá. A segunda é que a taxa média de “spread”, praticada no ano passado, alcança 36%. A análise destes dados ultrapassa a ciência econômica, refletindo diretamente no campo jurídico. E por que?

Porquanto o sistema financeiro foi regulado pela Carta Magna que no caput do artigo 192, traz os princípios básicos orientadores da atividade bancária no país, destacando-se do texto legal o comando “desenvolvimento equilibrado”.

Com efeito, antes de qualquer outro estudo do tema, deve-se indagar o que é, afinal, um banco?

Fábio Konder Comparatto define-os como empresas que servem de “caixa único da sociedade”, tal seja, a empresa banco funciona, em um primeiro momento, como depositária da economia de todos nós para, então, direcionar, sob a forma de operações financeiras, estes recursos novamente à sociedade. O que ao leigo não é claro é que o a empresa banco não “trabalha” com recursos próprios e sim com os recursos da sociedade, desempenhando um papel de distribuidor.

Neste sentido, o sistema financeiro é sumamente importante dentro do regime capitalista, porquanto onde o Estado liberal dia a dia mais afasta-se do controle do direcionamento social, os bancos, em grande parte, é quem desempenham a função de “irrigar” empreendimentos que gerarão produção e empregos.

Por esta razão, reconhecendo tal importância, o legislador constitucional tratou em capítulo próprio o sistema financeiro, visto que o um desequilíbrio do sistema financeiro gera um desequilíbrio produtivo, ocasionando uma “transferência compulsória” dos recursos produtivos para o “entesouramento” bancário.

Neste diapasão e com esta percepção, muito feliz foi a síntese do comando constitucional que, como se disse e deve-se repetir para evitar confusão com o parágrafo 3º do mesmo artigo, no caput ordena que o sistema financeiro deve ser estruturado de forma a permitir o desenvolvimento equilibrado da Nação.

Muito embora tal esteja preconizado a nível constitucional, erigido à categoria de princípio orientador de toda legislação, as pesquisas que sucedem demonstram que, sistematicamente, está havendo justamente o contrário, tal seja, o sistema financeiro está estruturado de forma desequilibrada, penalizando o setor produtivo.

Ou há alguma voz honesta que possa defender “spreads” de 36%?

Existe algum investimento produtivo que possa gerar fluxo de rendimento para fazer frente a juros de 80% ao ano?

Cristalino está que o sistema financeiro, por absoluta omissão das autoridades que deveriam de incumbirem-se do regramento da atividade bancária, encontrou campo livre à sua atuação e, assim, buscaram, buscam e buscarão auferirem mais e mais lucros, como já hoje conseguem ser os campeões mundiais.

Com isso, a sociedade brasileira vê-se tolhida e impedida de crescer, porquanto não há crédito para investimento, já que os poucos que conseguem-no, geralmente, amargam grandes prejuízos.

A solução macro-econômica à questão é complexa, envolvendo organismos multi-laterais, decisões políticas, interesses (confessáveis e inconfessáveis). No entretanto, o exercício da cidadania, a consciência do dever de cada um de que o Direito, antes de ser uma dádiva é uma conquista, pode fazer frente a este disparate que assistimos. Nosso direito positivo oferece-nos dois caminhos para que possamos defendermo-nos de tal situação.

O primeiro seria o controle concentrado da constitucionalidade, via das ações constitucionais específicas, visando em primeiro lugar declarar a inconstitucionalidade de todas as normas, decretos, regulamentos e portarias expedidos pelo Conselho Monetário Nacional que permitem a prática de “spreads” da ordem de 36% e em segundo lugar declarar a omissão do Congresso na regulamentação infra-constitucional do princípio preconizado pelo caput do artigo 192 da Constituição.

O segundo meio que fica-nos é o controle difuso, via da defesa individual, contra as abusividades que ofendem o “desenvolvimento equilibrado”, de acordo com o comando constitucional. Para tanto, o lesado poderá, ainda, servir-se do recente Código Civil, que em seus artigos 113, 157, 421 e 884, veio a integrar-se à Carta Magna, permitindo a revisão de contratos bancários sob a luz da função social do contrato e do instituto da lesão, conforme tivemos oportunidade de analisar no livro Ilegalidades nos Contratos Bancários.

O que não podemos mais é assistirmos, impassíveis, é o desequilíbrio financeiro de nossa economia, compreendendo que, mais do que todos os tópicos que hoje a mídia cuida como fundamentais, a questão do crédito é a maior condicionante do crescimento nacional.

Izner Hanna Garcia é professor de Direito Processual Civil, advogado, pós-graduado pela FGV e autor dos livros Ilegalidades nos Contratos Bancários e Lesão nos Contratos e Ação de Revisão.

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