Sociedade participativa na era da informação exige Judiciário forte

Autor: Luiz Cláudio Allemand (*)

 

Existe, hoje, tanto na Europa, como no Brasil, uma maior participação e cobrança da sociedade, pautada no constitucionalismo expandido e na tecnologia que a conecta, um instrumento para a consecução de seus reais interesses.

Nas palavras de Nigel Townson, professor da Universidade Complutense de Madri, citado por Claudia Rossi[1], “…estamos passando de uma pretendida política 2.0 a uma reivindicada democracia 2.0, mas ainda não sabemos como funciona nem que efeitos secundários ela tem”.

O conceito de sociedade da informação se baseia no desenvolvimento social e econômico, tendo como pano de fundo a informação, geradora de riquezas e, consequentemente, bem-estar e qualidade de vida.

A sociedade da informação se torna mais participativa a cada década, e, nesse momento, cabe apresentar o trabalho desenvolvido por Francis Fukuyama[2], filósofo e economista, no livro A grande ruptura – A natureza humana e a reconstituição da ordem social, onde o autor faz a seguinte pergunta: “Poderão as democracias da era da informação manter a ordem social em face de mudanças tecnológicas e econômicas?”

Mais adiante, o autor afirma que: “De certa forma, a internet representa uma tecnologia com o potencial para elevar os laços sociais voluntários a alturas novas e nunca sonhadas: é possível associar-se com pessoas em todo o mundo com base em praticamente qualquer interesse comum. (…) O problema com este cenário otimista, (…) é que a eliminação de ligaduras não se limita àquelas opressivas, características das sociedades tradicionais ou autoritárias, mas prossegue para corroer os laços sociais subjacentes às instituições voluntárias que povoam as sociedades modernas. Assim, as pessoas questionam a autoridade não apenas de tiranos e altos sacerdotes, mas também de representantes eleitos democraticamente, cientistas e professores. O individualismo, a virtude básica das sociedades modernas, começa a mudar, passando da orgulhosa auto-suficiência de pessoas livres para uma espécie de egoísmo fechado, em que a maximização da liberdade pessoal sem consideração pelas responsabilidades para com os outros torna-se um fim em si mesma”.

Vejam que o autor escreveu este livro no ano 2000, onde a internet deixava a conexão pelo telefone fixo, onde não tínhamos smartphones conectados a redes 3G e 4G, as máquinas fotográficas digitais estavam começando e as filmadoras deixavam o mundo analógico para trás.

O autor fez uma previsão que se amolda perfeitamente ao mundo atual, bastando lembrar da primavera árabe, das passeatas de 2013, rolezinhos etc, dentre outros acontecimentos recentes que surgiram da troca de informações desta sociedade participativa da era da informação.

Um smartphone, um dedo e uma ideia — que não precisa ser boa ou responsável —, conseguem destruir reputações e governos!!!

Estamos vivendo momentos de combustão espontânea, nascida no seio da própria sociedade, alimentada pela troca de informações, que não respeitam instituições e governos, com seu próprio meio de comunicação e exigências por serviços públicos de qualidade. Como disse Fukuyama, sem considerar responsabilidades, as pessoas questionam seus representantes eleitos, quiçá dirigentes e presidentes de instituições, sejam elas públicas ou privadas, pois a “… sociedade luta para forjar outras relações sociais e criar novas regras, adequadas a um novo mundo”.

Vivemos um novo momento e a cobrança da sociedade participativa na era da informação é enorme, pois todos estão conectados formando uma grande rede, que nas palavras de Claudia Rossi[3], citando Dolors Reig: “… mais do que a ideologia, agora que o povo tem uma voz mais audível do que nunca, não há desculpa possível para não escutá-lo, constante e atentamente, durante 24 horas do dia. Qualquer político, qualquer administração será muito pequena hoje se não se alimenta das ideias de seus administrados”.

A cobrança da sociedade pode ser medida na pesquisa elaborada pela FGV Direito SP-1º Semestre de 2016[4], que, através do Índice de Confiança na Justiça no Brasil (ICJBrasil), apontou ser de  29% a confiança do brasileiro no Poder Judiciário.

Para começar a entender o índice da FGV Direito/SP é preciso analisar os números do Relatório Justiça em números – 2016[5], de onde se extrai que, no ano de 2015, o Poder Judiciário acumulou um estoque de 74 milhões de processos, e que “… se fosse paralisado sem ingresso de novas demandas, com a atual produtividade de magistrados e servidores, seriam necessários aproximadamente 3 anos de trabalho para zerar o estoque”.

Outro dado relevante do relatório trata do 1° grau de jurisdição, pois “Mais uma vez, constatou-se que a maior parte da demanda está concentrada no primeiro grau, assim como a maior parte dos esforços por ganhos de produtividade” (…) “Os juízes e servidores do primeiro grau arcam com o dobro da carga de trabalho do segundo grau”.

O CNJ, no Justiça em Números 2016, na página 383, afirma que: “Os resultados comprovam a necessidade de o Judiciário intensificar os esforços na redistribuição de seus recursos, investindo na estrutura física e material do primeiro grau, assim como potencializando a participação e valorização dos juízes e dos servidores que o integram”.

Aqui já é possível compreender porque o brasileiro está perdendo a confiança no Poder Judiciário. Mais uma vez é preciso transcrever a conclusão do CNJ, expressa na página 384 do Justiça em Números 2016: “O primeiro grau de jurisdição é a porta de entrada da Justiça, pois estabelece o vínculo imediato com os cidadãos. Se a experiência vivida neste momento for positiva, será possível reconstruir a confiança nas instituições judiciárias, com efeitos diretos e indiretos no próprio segundo grau de jurisdição. Para isso, é preciso que o Judiciário esteja cada vez mais aberto aos que dele verdadeiramente necessitem”.

Quanto ao orçamento do Poder Judiciário Brasileiro, a despesa total, no ano de 2015, foi de R$ 79.2 bilhões e a despesa com recursos humanos foi de R$ 70,6 bilhões; por sua vez, a despesa com bens e serviços totalizou R$ 8,5 bilhões; e a despesa com informática totalizou 1,9 bilhões, sendo certo que, com estes números resta muito pouco para tecnologia e inovação.

Os dados do relatório não param de surpreender quando se referem aos números dos magistrados e servidores, pois, ao final de 2015, constavam 5.085 cargos de magistrados vagos, do total de cargos criados por lei (22.423). Por sua vez, com relação aos servidores, no ano de 2015, constavam 55.031cargos vagos, de um total de 293.287 de cargos de provimentos efetivos existentes, sendo que, do total de servidores, 66% atuam no 1º grau, 12% estão no 2º grau e 21% na área administrativa, onde já se pode afirmar que não é falta de pessoal o problema do acúmulo de processos na 1º Instância do Poder Judiciário.

Assim, constata-se que os problemas do Poder Judiciário são enormes e não há meios de conseguir resolvê-los sem uma gestão profissional, conforme as diretrizes já traçadas pelo CNJ.

Há muito se vem tentando combater os problemas de estoque de processos no Poder Judiciário, como ocorreu com a chamada reforma do Poder Judiciário (Emenda Constitucional 45), que, inclusive, criou o Conselho Nacional de Justiça, e nas constantes reformas no atual Código de Processo Civil, nas criações das Súmulas Vinculantes, nos Recursos Repetitivos, na Repercussão Geral, nas jurisprudências defensivas e toda forma processual visando reduzir os recursos aos tribunais, que na avaliação de Kiyoshi Harada[6]: “…são motivadas por pressões dos operadores do direito assustados com a incrível carga de serviços que congestionam as varas e os tribunais com demandas de toda ordem e com inúmeros recursos processuais, ditos intermináveis”.

O certo é que ninguém apontou as causas desse acúmulo de processos, mas já começa a despontar que o maior demandante do Poder Judiciário é o próprio Poder Público, seja através da União, estados ou municípios ou através de concessionárias de serviços públicos, autarquias, bem como entidades de classe.

Estes mesmos atores descobriram que usar o Poder Judiciário — mesmo quando se arbitram honorários de sucumbência, bem como se aplicam as regras de litigância de má fé —, sai mais barato do que garantir o direito do jurisdicionado. Virou um grande negócio protelar a concessão de um direito no Poder Judiciário!!!!

O CNJ traçou as estratégias judiciárias para 2020, bem como editou a Portaria CNJ 16/2015, que visa aprofundar o papel do CNJ como órgão de planejamento estratégico do Judiciário.

Todo esse esforço será confrontado com os números apresentados pelo CNJ no relatório do ano de 2016, com a série histórica.

A certeza é de que muito trabalho terá que ser realizado para o Poder Judiciário apresentar resultados positivos e aumentar a confiança da sociedade no mesmo, mas este trabalho terá que observar uma gestão pública profissional e atentar para o planejamento estratégico, pois como disse Peter Drucker: “Gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação”.

A sociedade participativa na era da informação está exigindo um Poder Judiciário forte e independente, que garanta segurança jurídica!!!

 

 

 

 

Autor: Luiz Cláudio Allemand  é advogado licenciado para representar a classe dos advogados no CNJ. Ouvidor do CNJ. Mestre em Direito.


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