Software gratuito e responsabilidade jurídica

Danielly Coutho e Natalia Paim

Uma nova modalidade de softwares vem surgindo com grande força no mercado de tecnologia, são os chamados Softwares Livres e/ou Gratuitos.

Segundo o Mestrando em Ciência da Computação Christian Reis, podemos entender por Software Livre todo aquele que “é fornecido acompanhado de código fonte e que pode ser livremente modificado e redistribuído”.

Outra definição interessante de Software Livre foi criada pela Free Software Foundation (dedicada à eliminação de restrições sobre a cópia, redistribuição, entendimento e modificação de softwares), que entende que Software Livre é uma questão de liberdade, não de preço. Segundo seus idealizadores, para entender este conceito deve-se pensar em liberdade de expressão.

De acordo com a Free Software Foundation, um programa é Software Livre se os usuários possuem todas os tipos de liberdade; são elas:

 A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito.
 A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades. Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.
 A liberdade de redistribuir cópias, de modo que você possa ajudar ao seu próximo.
 A liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie. Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.

Surge, então, uma grande questão de importância prática: Estaria tal tipo de software, quando disponibilizado gratuitamente, sujeito às regras do Código de Defesa do Consumidor?

Do texto acima, podemos perceber duas situações: uma em que se verifica o pagamento pela aquisição do software, o que, per si, seria o espírito do Software Livre; uma outra em que o bem imaterial é oferecido gratuitamente, e por isso denominado Software Gratuito.

Nossa proposta será analisar a responsabilidade do fornecedor ou licenciante de SOFTWARE GRATUITO.

Antes, devemos nos ater a algumas definições:

1 – Freeware

A expressão “Freeware” sugere a idéia do software ser grátis e sua tradução imediata seria “software gratuito”. Desenvolvedores de freeware não impõem limitação nenhuma ao uso de seus programas. O contrato de licença de uso normalmente obriga o usuário a se comprometer apenas em não redistribuir o programa sob pagamento ou tentar modificar o programa para que ele seja lançado no mercado como produto novo.

2 – Shareware

O termo “Shareware” indica que o software pode ser redistribuído de forma livre, mas cujo uso gratuito é limitado pelo tempo e por um contrato de licença que obriga o usuário a pagar após um período de tempo. Ou seja, o contrato de licença permite que o usuário teste o software antes de pagar por ele. As condições para este teste podem variar de contrato para contrato. Os programas shareware também podem eximir o usuário do pagamento em uso doméstico, uso educacional, uso sem fins lucrativos, etc. Vale lembrar que o preço de produtos desta natureza costumam ser bem mais baratos que os comerciais tradicionais.

3 – Domínio Público

Diz-se que o bem imaterial está em Domínio Público, quando não mais goza da proteção conferida por lei, seja por decurso do tempo (no caso dos softwares, 50 anos após 1o de janeiro do ano seguinte ao da publicação/disponibilização do software), seja pelo abandono voluntário do autor. Em ambos os casos, o software poderá ser utilizado e modificado sem nenhuma restrição.

Deve ficar claro que nem o Software Livre, nem tampouco o Software Gratuito são sinônimos de obras de Domínio Público, pois que a existência dos direitos autorais associados ao software é um de seus fatores essenciais.

Algumas vezes o termo “domínio público” é usado erroneamente querendo expressar “livre” ou “disponível gratuitamente’. No entanto, “domínio público’ é o termo legal que significa livre para exploração.

Software Gratuito e Licenças
De acordo com a Lei 9609/98, a proteção conferida ao software é a mesma designada às obras literárias, protegidas por Direitos Autorais.

Por isso mesmo, o titular do direito autoral tem total controle na exploração e distribuição da obra, e este controle é usado de uma maneira muito particular no que respeita ao Software Gratuito.

Um aspecto importante se dá quando o software é, além de gratuito, livre, já que muitas vezes seu titular permite que os usuários tenham acesso ao bem gratuitamente e que façam modificações até mesmo no código fonte do programa, e isso, sem qualquer restrição. Nestes casos, a licença de uso versará apenas sobre titularidade e redistribuição do software onde, ocasionalmente, deverá constar uma cláusula que obriga cópias redistribuídas a manterem um aviso de direitos autorais.

Das situações descritas acima, podemos perceber que o titular do direito autoral sobre o software se verá restringido em três tipos de direitos: aqueles de ordem moral, vez que possibilita aos usuários fazerem modificações no programa, os de ordem patrimonial, pois que a oferta do bem se dá de forma não onerosa e, por fim, das responsabilidades dispostas no Código de Defesa do Consumidor.

Em um primeiro momento, a relação de consumo se configura pelos sujeitos de direito envolvidos (consumidor e fornecedor), bem como o seu objeto (produto, serviços). Dispõe o CDC, em seu art. 2º, caput, que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Uma vez que o uso e a disponibilidade do software se dá de forma gratuita, devemos nos ater no disposto no artigo 3º da lei 8.078/90:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Ora, se o software é oferecido de forma gratuita, em uma interpretação literal do artigo 3º da citada lei, compreendemos que, inexistindo remuneração, não há que se falar em compra e venda, e, consequentemente, em relação de consumo. Confirmam este entendimento estudiosos como Eduardo Gabriel Saad, que nos ensina que “há quem preste, gratuitamente, um serviço a outrem. Desnecessário frisar que, neste caso, não há relação de consumo sujeita a este Código.”

Sob a ótica da jurista Maria Helena Diniz, “existem contratos que são tidos como benéficos ou gratuitos e que oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vantagem, sem qualquer contraprestação.”

Realmente, o usuário do Software Gratuito não remunera seu titular nem de forma direta, nem de forma indireta, como ocorre nos serviços de Internet Gratuita, onde o provedor ganha com a publicidade massiva.

Ultrapassadas estas questões, restam, ainda, dúvidas quanto à obrigatoriedade do oferecimento de Suporte Técnico por parte do fornecedor/licenciante de Software Gratuito, no que concerne à responsabilidade dos fornecedores de produtos ou serviços.

Visto que a relação entre o fornecedor/licenciante e o usuário de produto gratuito, escapa do disposto no Código de Defesa do Consumidor, passamos a revisar o que diz a Lei 9610/98 – Lei de Programas de Computador.:
O art. 7º e 8º da Lei 9.609/98 assim dispõe:
Art 7º – O contrato de licença de uso de programa de computador, o documento fiscal correspondente, os suportes físicos do programa ou as respectivas embalagens deverão consignar, de forma facilmente legível pelo usuário, o prazo de validade técnica da versão comercializada.
Art 8º – Aquele que comercializar programa de computador, quer seja titular dos direitos do programa, quer seja titular dos direitos de comercialização, fica obrigado, no território nacional, durante o prazo de validade técnica da respectiva versão, a assegurar aos respectivos usuários a prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do programa, consideradas as suas especificações.
Parágrafo único. A obrigação persistirá no caso de retirada de circulação comercial do programa de computador durante o prazo de validade, salvo justa indenização de eventuais prejuízos causados a terceiros.
Neste caso, o legislador não acertou ao dispor sobre o prazo de validade dos programas de computador. A lei fala em prazo de validade técnica da versão comercializada, mas como se mensurar o prazo de validade técnica se o que é avanço tecnológico hoje, pode estar totalmente obsoleto amanhã?
Assim, o prazo de validade como atualmente se apresenta na nossa lei deixa o usuário totalmente desprotegido.
Uma vez que os fabricantes e fornecedores de software não podem estar atrelados ao produto por toda a vida, nossa melhor recomendação no que respeita ao Software Gratuito, é a existência, imprescindível, de um contrato de licença que deverá contar com o aceite do usuário/licenciado.
Também é importante que nesta licença conste, de forma inequívoca, o prazo de validade técnica do bem imaterial, pois é com base nesta informação que o fornecedor ou fabricante do Software Gratuito estará comprometido a oferecer Suporte Técnico ao usuário, desde que o programa de computador não tenha sido alterado, modificado ou violado.

Conclusão

O mercado de consumo de software encontra-se cada vez mais aberto e desenvolvido. Mesmo que a distribuição de um software se dê de forma gratuita, o que, por si só, exclui o fornecedor e/ou fabricante das obrigações dispostas no Código de Defesa do Consumidor, o mesmo não ocorre com as normas da Lei 9609/98, Lei de programas de Computador. Esta última, não exclui o fornecedor/fabricante da obrigação de fornecer Suporte Técnico aos usuários dentro do prazo de validade do software, e nada menciona sobre o fato do produto ter sido adquirido de forma gratuita ou onerosa. Assim, entendemos que esta norma se destina a todos de forma ampla, sem excluentes.

Por derradeiro, as partes deverão celebrar o devido contrato de licença de software, onde deverão constar as questões relativas à titularidade, aos limites de uso do produto, seu prazo de validade técnica, sendo esta, a condição sine qua non para que aqueles envolvidos na oferta deste tipo de software não fiquem expostos aos mais diversos tipos de controvérsias jurídicas.

Sobre a Clarke, Modet & Cº
Fundada em 1879, a Clarke, Modet & Cº é uma multinacional com sede na Espanha e líder em serviços de consultoria relacionados a interesses de Propriedade Intelectual e Industrial.
Sua complexa área de domínio compreende conhecimentos jurídicos e técnicos em Marcas e Patentes, Direitos de Autor, Denominações de Origem, Variedades Vegetais e Registros Sanitários.

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Danielly Coutho e Natalia Paim são advogadas, em São Paulo e Rio de Janeiro.

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