Solução de conflitos no âmbito do trabalho

A Lei 9.958/2000, que institui a possibilidade de criação das Comissões de Conciliação Prévia, trouxe uma grande inovação ao Direito Brasileiro, mas junto com a novidade surgiram matizes de pensamento posicionadas em elogios e críticas, razão pela qual se faz necessário um abordagem detalhada sobre as origens deste conceito juslaboral.

A idéia de solucionar os conflitos trabalhistas, de forma apartada, nasce, especificamente, no advento da recomendação 92 da OIT, de 06 de junho de 1951, a qual, em síntese, orienta a solução de conflitos no trabalho, no sentido de buscar a resolução através de uma comissão parital, constituindo-se no nascedouro do ideário de solucionar conflitos advindo das relações de trabalho

Vale dizer que conforme ensina o mestre Arnaldo Süssekind a recomendação as recomendações destinam-se a sugerir normas que podem ser adotadas no ordenamento do país membro da OIT.

No ano de 1979, na redemocratização da Espanha, após a queda do General Franco, é criado o IMAC (Instituto de Mediação Arbitragem e Conciliação), o qual se destina a solução de conflitos no âmbito do direito das relações do trabalho. O instituto constituiu-se em um órgão estatal independente sem ligação com nenhum dos poderes.

Contudo, o IMAC não logrou êxito, pois após a sua criação, surgiram nos locais de trabalho, comissões paritarias que solucionavam de forma mais eficiente os conflitos, até porque eram órgãos mais próximos da realidade onde se delimitava a lide.

Em Portugal, existe a lei das Relações de Coletivas de Trabalho, que tutela a solução de conflito individual e coletivo. Esta lei prevê que a norma coletiva deve sempre que acordada entre as partes (trabalhador e patrão), estipularem como será a solução em caso que envolva a aplicação da norma acordada, ou seja, o Acordo Coletivo deve prevê onde será solucionado o conflito advindo do próprio acordo. Não havendo previsão, o caso é remetido para o Ministério da Tutela.

Na Itália existe o Estatuto do Trabalhador lei 300/70, que serviu de base para a organização espanhola. O estatuto italiano prevê várias formas de solução de conflitos, dentre as quais, a Comissão no local de trabalho, o Colégio de Conciliação e Julgamento. Os trabalhadores indicam um representante e os empregadores indicam outro, sendo que os dois representantes de comum acordo escolhem uma terceira figura e constituem o Colégio.

Vale salientar que as estatísticas italianas informam que as comissões são a forma mais utilizada para a solução de conflitos na Itália. O sistema italiano possui garantias reais contra a despensa arbitrária, sendo que a demissão somente se efetiva se houver apuração dos fatos através de sindicância, ou seja, a convenção 158 da OIT é aplicada na plenitude.

Assim, o Direito Comparado assevera inúmeros exemplos no que tange a solução de conflitos, mas é importante considerar que as realidades, tanto no aspecto sócio-cultural, como no aspecto de politização dos trabalhadores europeus, é, sem dúvida nenhuma, muito diferenciada, em termos de qualidade, do que apresenta a realidade do trabalhador brasileiro.

Desta forma, certamente devemos aplicar os ensinamentos advindos do Direito Comparado, mas é imprescindível, considerar as variáveis presentes no sistema nacional, dentre elas, a desarticulação do movimento sindical, baixíssimo nível cultural do trabalhador e o crescente descrédito das instituições estatais.

A realidade nacional apresenta três grandes eixos no que concerne a solução de conflitos trabalhistas, sendo o primeiro em relação a forma de solucionar, o segundo em relação a organização do trabalhador e o último atinente ao papel do advogado.

No que tange a forma de solucionar, preliminarmente, devemos avaliar o atual estágio da Justiça do Trabalho, que em parte pela atuação de seus operadores, e, sobretudo, pela influência da política desmanteladora implementada pelos agentes neo-liberais, efetivaram no judiciário trabalhista a total precarização dos direitos laborais.

É inegável que a veemente procrastinação das lides trabalhistas, associadas às dificuldades sócio-econômicas do país criaram um panorama de total horror, que necessariamente compele os agentes do judiciário trabalhista, em especial, o advogado a buscar por via de acordos solução de maioria dos conflitos, mesmo que isso represente, muitas vezes na entrega de sólidos direitos do trabalhador.

Nesse sentido, os promotores do neoliberalismo acatando aos mandos do BIRD e do FMI, vêem paulatinamente flexibilizando implementando transformações no âmbito do Judiciário Trabalhista.

Contudo, diferentemente do que se esperava, ou seja, um grande pacotaço para a Justiça do Trabalho, o que na verdade vem sendo implementado são medidas gradativas que, como já foi dito, somada à realidade sócio-econômica de terror promovem o verdadeiro desmonte do Judiciário Trabalhista.

Nesse contesto, é apresentada a lei do Rito Sumaríssimo que nada mais é do que uma forma de discriminação aos trabalhadores, eis que o Direito do médico ou do Engenheiro, por exemplo, é mais importante e por tal está adstrito a um rito mais seguro do ponto de vista jurídico, do que o direito do operário, pois este é exposto a um rito processual demasidamente inseguro do ponto de vista jurídico, afrontador em grande parte de direitos constitucionais como a isonomia, contraditório e ampla defesa.

Assim, se apresenta, também, a lei 9.958 que, em verdade, não se trata de um novo produto no desmonte do judiciário trabalhista como foi alardiado, mas sim de projeto de lei que transitou durante algum tempo no Congresso Nacional, sendo que idéia de forma geral constitui-se em avanço para a população.

Então, aproveitando-se de todo o quadro posto, tem-se uma nova forma para o solucionar os conflitos dos trabalhadores, ou seja, é apresentada a lei 9.958 que cria a comissão de conciliação prévia.

Porém, devemos aplicar algumas reservas legais no que pertine a exegese do mencionado diploma legal, eis que alguns interpretes de primeira hora contribuem em muito para descaracterização do mundializado instituto da conciliação.

O primeiro grande aspecto a ser defendido centrado na necessária presença do sindicato para a composição de uma CCP, seja no âmbito da empresa ou em âmbito das categorias. Esta necessária participação do sindicato é advinda inicialmente da interpretação gramatical do artigo 625 – A da lei 9.958 que determina:

“As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.” (grifei)

Ora, fica nítido que o artigo apresenta uma regra geral para as CCP que é a obrigatória composição de empresa e sindicato(pela lógica legislativa adotada sindicato refere-se ao aspecto profissional), ou seja, a regra geral afirma, categoricamente, que as comissões serão instituídas por empresas e sindicatos.

Vale dizer, que outra interpretação seria equivocada, inclusive, do ponto de vista constitucional, visto que os artigos 7o XXVI 8o, II, III e VI, determinam a presença dos sindicatos tanto para a defesa dos direitos coletivos como os individuais da categoria. É possível afirmar que este dogma jurídico obstar qualquer outra interpretação a respeito do tema.

Consoante aos artigos 625-B e C da lei, fica nítido que cada um desses dispositivos, constitui-se em especificidade da regra geral, ou seja, a regra geral – gênero – diz que as empresas e o sindicatos – necessariamente juntos – puderam compor a CCP e os demais artigos prevêem, sucessivamente, regras para a CCP no âmbito da empresa 625 – B e no âmbito sindical 625- C.

Outro aspecto que ainda deve ser defendido pelo movimento sindical é a necessidade de estabelecer as normas da CCP, fundamentalmente, através de acordo coletivo ou convenção coletiva, sendo que o 625-C é taxativo em se tratando de comissão no âmbito sindical, porém no âmbito da empresa, também se faz necessário até pela lógica já apresentada de que o sindicato é parte indispensável para a composição da CCP.

A instalação da CCP no âmbito da empresa deve ser outra bandeira ser defendida pelo movimento sindical, visto as nítidas vantagens advindas de uma composição feita no local de trabalho, conforme nos ensina os exemplos já apresentados pelo Direito comparado, mas deve-se ter bem claro que tal CCP deverá ter a presença do Sindicato, razão pela qual o trabalhador daquela empresa deve ser membro escolhido pelo sindicato, sendo que este entendimento fundamenta-se na regra geral do 625 A e nos artigos 513 e 611 da CLT.

Ainda, as CCP’s devem, obrigatoriamente, afastar a eficácia liberatória, através da quitação geral, conforme já realizou o Sindicato dos Metalúrgicos em Convenção Coletiva com respectivo Sindicato Patronal. Foi estipulados que a quitação será apenas do objeto feito no pedido e que se, por ventura, vier a ser quitado todo o contrato é obrigatório esclarecer de forma veemente o trabalhador.

Nesse sentido, tem-se como exemplo o item 2.1.4 do Regimento Interno da Comissão Intersindical de Conciliação Prévia firmada em Convenção Coletiva entre Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Porto Alegre e o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico do Estado do Rio Grande do Sul:

“2.1.4 – O termo de conciliação constituirá título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral do objeto quitado, conforme o que seja declarado pelas partes. Em havendo quitação geral e irrestrita da relação de trabalho finda, o trabalhador deverá ser expressamente alertado para o efeito de que não lhe será mais permitido demandar, quer perante a comissão, quer em juízo, a respeito do referido relacionamento.”

Outro ponto obrigatório a ser defendido, esta relacionado à condição de procedibilidade da Ação Trabalhista imposta pelo artigo 625-C, o qual obriga à tentativa de conciliação, quando na localidade existir CCP, para que seja possível a proposição de futura Ação.

Ora, em que pese à estipulação expressa na lei 9958/2000 é de bom alvitre que através de acordo coletivo ou Convenção Coletiva seja afastado o comando explicitado no referido dispositivo, pois a inconstitucionalidade do diploma legal é gritante, já que afronta de forma direta os artigo 5o da CF/88, incisos XXXV e LV.

Ainda, devemos tornar uníssono o posicionamento, no sentido de viabilizar a presença do advogado na CCP, eis que mesmo inexistindo previsão no texto da lei 9.958/2000, o artigo 113 da CF/88 cominado com os artigos 2o da Lei 8906 de 1994(Estatuto da OAB) assegura a presença dos advogado perante a CCP.

Por outro lado, o artigo 14 da lei 5.584/70 estipula que a assistência judiciária prevista pela lei 1060/50 será prestada por advogado credenciado pela categoria, pelo que, considerando que o objetivo da CCP é transacionar Direito real de cunho alimentar, por conseqüência lógica deve o sindicato propiciar a presença do advogado para que sejam aprimoradas as garantias do trabalhador.

Em suma, devemos trabalhar campanhas de esclarecimento ao trabalhador, para que se tenha consciência dos principais aspectos norteadores da CCP, mais do que isso, é primordial a participação dos movimentos sindicais e dos operadores do direito do trabalho no processo, pois o risco que corremos é o risco de, por omissão, compartilharmos com o processo perverso de precarização do Direito do Trabalho imposto pelos interesses do capital.

* Halley Souza
Acadêmico de Direito da FURG, coordenador para América do Sul da ILSA (Internacional Law Students Association)

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