Autor: Rodrigo de Sá Giarola (*)
Ao final do último mês de março, por unanimidade de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu terem repercussão geral os temas levados à sua apreciação nos Recursos Extraordinários (RE) 949.297 e 955.227, pertinentes aos limites da coisa julgada em matéria tributária.
Ambos os recursos tratam, como questão central, da exigência da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL) que foi instituída pela Lei 7.689/1988 e não vem sendo paga por muitos contribuintes que obtiveram, do Poder Judiciário (inclusive do próprio STF), decisões finais, transitadas em julgado, que lhes reconheceram o direito de não serem compelidos a pagar a CSLL exigida com base na referida Lei 7.689/1988, sob a premissa de ser essa uma norma inconstitucional.
Considerando que o posicionamento do próprio STF foi posteriormente alterado, no sentido de reconhecer ser constitucional a exigência da CSLL na forma da Lei 7.689/1988, a União passou a exigir esse tributo de inúmeros contribuintes que já tinham obtido, em decisões definitivas do Poder Judiciário, o reconhecimento do direito de não serem compelidos a pagá-lo.
A fundamentação da exigência veio a ser consolidada no Parecer PGFN/CRJ 492 da Procuradoria da Fazenda Nacional. Publicado em 7 de fevereiro de 2011, esse Parecer dispôs que, em casos de relação tributária continuativa, tal como o da CSLL, seria necessário reconhecer que não mais produzem efeitos as decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas em favor dos contribuintes, na hipótese de existir precedentes supervenientes do STF que tenham promovido uma mudança na orientação jurisprudencial.
Em síntese, esse Parecer consigna que “os precedentes objetivos e definitivos do STF constituem circunstância jurídica nova, apta a fazer cessar, prospectivamente, eficácia vinculante das anteriores decisões tributárias transitadas em julgado que lhes forem contrárias”. Assim, a União entende que eventual posição superveniente do STF, contrária à decisão definitiva obtida pelo contribuinte em seu caso concreto, configura fato novo a justificar a relativização da coisa julgada.
O desfecho das discussões que se iniciaram com a exigência da CSLL em relação aos contribuintes para os quais o tributo fora declarado inconstitucional parecia ter chegado ao fim em 9 de maio de 2011. Na ocasião, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça julgou favoravelmente aos contribuintes o Recurso Especial (Resp) 1.118.893. Nele definiu-se que o fato de o STF ter mudado o seu posicionamento acerca da constitucionalidade da Lei 7.689/1988 não permitiria à União cobrar a CSLL dos contribuintes que tinham obtido decisões finais do Poder Judiciário, assegurando-lhes o direito ao não pagamento.
Nesse contexto, a atribuição de repercussão geral aos REs 949.297 e 955.227 dá início a um novo capítulo relacionado ao tema. Agora, contudo, os debates não trarão reflexos apenas à tributação pela CSLL. Isso porque, impactará também todas as demandas jurídicas que (i) envolvam a relativização da coisa julgada nos casos de relação jurídica continuativa e(ii) contemplem tributo definitivamente declarado inconstitucional para algum contribuinte em específico, tributo este que posteriormente venha a ser declarado pelo STF como constitucional em processo distinto.
Vale mencionar que essa declaração de constitucionalidade superveniente, no entendimento da União, pode ser tanto aquela que é dada pelo STF (i) no controle de constitucionalidade concentrado (que irradia efeitos para sociedade de forma geral e é proferida exclusivamente pelo STF no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou arguição de descumprimento de preceito fundamental), quanto a que é dada(ii) no controle difuso (aquele produz efeitos apenas entre as partes do processo).
Os argumentos utilizados pela União são sedutores e passam pela alegada violação aos princípios constitucionais da isonomia tributária e da supremacia do interesse público em relação ao particular.
Esses fundamentos, contudo, não podem se sobrepor à autoridade da coisa julgada, uma vez que esta é essencial à segurança jurídica, à manutenção da ordem pública e do Estado Democrático de Direito. Representa, em última instância, conquista do jurisdicionado e segurança das relações jurídicas. Trata-se de garantia constitucional que não pode ser alterada nem mesmo pelo Poder Legislativo, sob pena de ofensa ao inciso XXXVI do artigo 5º da CF/88. Relativizar a coisa julgada, como quer a União, significa por em xeque o objetivo do próprio Poder Judiciário, que tem por finalidade a pacificação das relações sociais.
Sendo assim, espera-se que o STF, no julgamento dos REs 949.297 e 955.227, reitere e ratifique posicionamentos já manifestado em casos análogos, no sentido de que a mera alteração de orientação jurisprudencial, por si só, não pode ser fundamento para relativização da coisa julgada, que continua sendo direito e garantia individual, mesmo que isso se dê, na caso agora em discussão, diante de relações tributárias continuativas.
Autor: Rodrigo de Sá Giarola é advogado em Pinheiro Neto Advogados, especialista em Direito Tributário, com MBA em Finanças, é mestrando em Direito Tributário na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição.