por Sebastião Caixeta
Recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 438.639, afirmando por maioria a competência da Justiça Comum Estadual para julgamento das ações de indenização decorrentes de acidentes de trabalho, ainda que ajuizadas por empregado ou ex-empregado em face de empregador.
No caso concreto, invocou-se a “unidade de convicção” para justificar a manutenção da competência da Justiça Comum Estadual, ante a possibilidade de duas pretensões diversas — uma de direito comum e outra de direito acidentário — decorrentes do mesmo fato serem dirimidas por ramos diferentes do Judiciário com possíveis decisões contraditórias (Informativo STF 379).
Tal decisão data vênia não resolveu corretamente o conflito, porquanto a competência nessas hipóteses é desenganadamente da Justiça do Trabalho com demonstraremos a seguir.
As causas de acidentes de trabalho da competência da Justiça Comum Estadual, a que se refere o artigo 109, I, § 3º, da Carta Magna, são aquelas restritas às chamadas lides acidentárias, de cunho previdenciário, ajuizadas em face do órgão da previdência social, em que se discute benefícios previdenciários, tais como auxílio doença acidentário, aposentadoria e pensão.
As causas indenizatórias de danos morais e materiais decorrentes de culpa subjetiva do empregador, que tenham como causa de pedir o descuido deste com o meio ambiente de trabalho (CF, art. 7º, XXII c/c XXVIII), são da competência da Justiça do Trabalho, mesmo na vigência da redação original da Constituição da República de 1988, por se tratar de típico dissídio obreiro-patronal emergente da relação de emprego (CF, Art. 114, primeira parte, redação originária).
Trata-se de ações ajuizadas pelo empregado em face do empregador em decorrência do contrato de trabalho, em que se pleiteia indenização por culpa, como a verificada na sonegação de equipamentos de proteção individual, não emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho — CAT ou não realização de exames médicos periódicos, além de pedidos de reintegração em decorrência da garantia de emprego do acidentado, questões que somente podem ser julgadas pela Justiça do Trabalho.
Nessas hipóteses a causa de pedir funda-se no descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, que se constituem obrigações do empregador impostas pelos artigos 157 da Consolidação das Leis do Trabalho e 19, § 1º, da Lei 8.213/91, uma vez que integram os contratos individuais de trabalho.
O fato de a Justiça do Trabalho eventualmente ter de decidir, de forma incidental, sobre a existência ou não de acidente do trabalho, o que faz diariamente nas causas de reintegração de acidentados, em nada altera essa competência, pois não há formação de coisa julgada quanto ao tema (CPC, art. 469, III), o que não constitui novidade no Direito Processual Brasileiro (CPC, art. 5º, 325 e 470).
Portanto a alegada “unidade de convicção” não é capaz de retirar da Justiça Obreira a competência em tela. A prevalecer esse entendimento teríamos que encaminhar à Justiça Criminal os litígios sobre despedida por justa causa sempre que configurasse em tese delitos penais, bem como teríamos que trazer para a Justiça do Trabalho, independentemente de alteração constitucional, os crimes contra a organização do trabalho que têm como elemento do tipo questões de Direito do Trabalho.
Se dissenso havia sobre a matéria, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional n. 45, nenhuma dúvida pode remanescer quanto à competência da Justiça Especializada para as causas indenizatórias por acidentes do trabalho em que haja culpa ou dolo do empregador, porquanto passa a constar expressamente no art. 114, inciso VI, da Carta Magna:
“Art. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(…)
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Ademais a prática tem demonstrado que os juízes e tribunais estaduais não querem tal atribuição, uma vez que não estão afeitos ao exame da legislação pertinente à segurança e à saúde do trabalho, em que se fundam tais ações.
Desse modo, urge a revisão do entendimento firmando no Recurso Extraordinário 438.639, a fim de estabelecer definitivamente a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral e material decorrente de acidentes de trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, afastando as hesitações que tanto delongam a prestação jurisdicional.
Revista Consultor Jurídico