STF prejudica ampla defesa ao negar julgamento presencial

Autores: Ademar Rigueira Neto e Eduardo Lemos (*)

 

Recentemente fizemos uma análise acerca do princípio do juiz natural, relacionado à operação “lava jato”, suas consequências e naturais problemas advindos de uma precipitada análise da competência firmada em torno do que chamamos binômio Moro/Fachin.

Advertíamos que, com a homologação das delações dos executivos e sócios da empresa Odebrecht, sobrevieram diversas petições formuladas pela Procuradoria-Geral da República visando a dar início às investigações criminais e, no bojo das peças fornecidas (todas dirigidas ao ministro Fachin, como juízo prevento), formataram-se requerimentos acerca da competência para a apreciação dos fatos relacionados, com pedidos de remessa a diversos outros Juízos, inclusive.

O reflexo dessas distribuições diretas e açodadas, sem a análise detalhada das regras regimentais e legais acerca da prevenção, gerou inúmeras irregularidades. Em consequência, petições foram encaminhadas ao ministro relator visando à remessa a um juízo de primeira instância, quando já existia inquérito judicial instaurado no Supremo Tribunal Federal para investigar os mesmos fatos ou fatos conexos e correlatos, envolvendo pessoas com foro privilegiado. Alguns desses requerimentos, inclusive, obtiveram decisão favorável do ministro relator pela remessa a outros juízos, quando ele próprio já conduzia investigação anterior sobre aqueles fatos. Outros pedidos obtiveram decisões semelhantes, mesmo quando já existia inquérito anterior sob a relatoria de outro ministro.

As diversas decisões monocráticas proferidas pelo relator, açodadas, ao nosso crivo, por anuírem sistematicamente com os fundamentos tecidos ao critério do Ministério Público Federal, geraram a apresentação de outros diversos requerimentos, nos quais foram apontados, pelas demais partes envolvidas — acusados e delatados —, os equívocos perpetrados.

O certo é que as decisões de competência foram sendo sucessivamente mantidas, desafiando a interposição de Agravo Regimental.

Para a surpresa dos postulantes, a grande maioria desses feitos foram incluídos em pauta de julgamento na modalidade virtual.

A Emenda Regimental 51 do STF alterou o seu Regimento Interno, estabelecendo a possibilidade de realização de julgamentos de agravos internos e de embargos de declaração por meio do Plenário Virtual da corte.

Especificamente quanto ao Agravo Regimental, o Regimento Interno passou a fixar o seguinte comando normativo:

“Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte.
(…)
§ 5º O agravo interno poderá, a critério do relator, ser submetido a julgamento por meio eletrônico, observada a respectiva competência da Turma ou do Plenário.”

Conforme se observa, com a referida alteração foi instituída a possibilidade de julgamento de agravos regimentais através da modalidade virtual, sem se ter a necessidade de levar fisicamente o processo ao julgamento das turmas do STF. Apesar desta alteração regimental, ressalte-se, o regramento acerca do julgamento virtual dos agravos regimentais só foi de fato estabelecido a partir da publicação da Resolução 587/2016, no mês de julho de 2016.

Pois bem. A aludida resolução, além de fixar os limites para a realização desta novel modalidade de julgamento, estabelece as hipóteses nas quais o julgamento deixará de ser realizado de forma virtual:

Art. 4º Não serão julgados em ambiente virtual a lista ou o processo com pedido de:
I – destaque ou vista por um ou mais Ministros;
II – destaque por qualquer das partes, desde que requerido em até 24 (vinte e quatro) horas antes do início da sessão e deferido o pedido pelo relator.
Parágrafo único – Também não serão julgados por meio virtual os agravos em que houver pedido de sustentação oral, quando cabível.

Do que se infere da norma acima exposta, os julgamentos deixarão de ser virtuais em três hipóteses distintas: (I) quando algum ministro realizar destaque ou pedir vistas; (II) mediante solicitação da parte, desde que requerido com até 24h antes do início da sessão e mediante autorização do relator; (III) quando houver pedido de sustentação oral e for ele cabível.

Assim, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal determinou a remessa dos agravos regimentais da operação “lava jato” (inclusive os que discutem a competência) para o plenário virtual, foram protocolados pelos agravantes novos pedidos, visando a se obter, em síntese, o destaque dos processos.

Isso porque, com fundamento no artigo 4º, inciso II, da Resolução 587/2016, e a consequente retirada do feito da pauta virtual, seria possível a discussão do tema entre os ministros e, inclusive, a realização de sustentação oral (com supedâneo no artigo 937 do Código de Processo Civil combinado com o artigo 4º, parágrafo único da Resolução 587/2016).

Tais pleitos, entretanto, foram solenemente ignorados, malgrado a retirada da pauta virtual seja uma possibilidade estabelecida em resolução, desde que obedecidos os requisitos temporais fixados. Ou seja, o acatamento ou não do pedido deve ter como premissa a mera constatação de que as condições objetivas foram cumpridas, isto é, “desde que requerido em até 24 horas antes do início da sessão”.

De outra baila, é preciso observar, parafraseando Ana Fernanda Ayres Dellosso e Domitilia Köhler, em artigo publicado na ConJur, que o julgamento virtual de Agravos Internos estabelecido pela Emenda Regimental 51 fere de morte o princípio da colegialidade das decisões.

Ora, o funcionamento dos julgamentos virtuais se dá através do acesso, pelos ministros, a um sistema onde o texto do voto do relator é inserido. Lido o voto, cada um concorda ou discorda, de forma silenciosa; com o apertar de um botão[1].

Neste sentido, acata-se não só o fato de o julgamento ser feito sem a publicidade das partes, mas a inexistência de debate entre os julgadores, e, acrescente-se, sem a própria segurança de que é julgador (e não outra pessoa, como um assessor judiciário) que está ali apertando aquele botão e decidindo matérias tão relevantes.

No novo sistema estabelecido, é verdade, os ministros podem acessar os votos e, da mesma forma, podem acompanhar ou discordar do relator. Ocorre que os julgadores podem, também, permanecer silentes, e, nesse último caso, pasme-se, a solução é dada pelo artigo 2º, §1º e §2º da Resolução 857/2016:

“§ 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual e, com o início do julgamento, os demais Ministros terão até 7 (sete) dias corridos para manifestação.

§ 2º Considerar-se-á que acompanhou o relator o Ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º.”

Desta feita, a norma estabeleceu que, acaso um dos ministros permaneça silente, seja por falta de interesse/disponibilidade em debruçar-se sobre a matéria do Agravo/Embargo, ou, em uma hipótese possível, por simplesmente não ter lido o voto do relator, será computado o voto do eventual ministro como se ele tivesse acompanhado a posição da relatoria.

As implicações para o princípio da colegialidade parecem bastante evidentes, dada a flagrante violação aos princípios da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. O julgamento virtual parece, como bem apontam Ana Fernanda Ayres Dellosso e Domitilia Köhler, “ser outro passo, mesmo que mais sutil, à tendência hoje em voga de adotar julgamentos monocráticos.”[2]

Ora, é certa a necessidade de estabelecerem-se prazos razoáveis de tramitação dos feitos, mormente considerando a grandiosidade da operação “lava jato” e a quantidade de processos submetidos ao Supremo Tribunal Federal.

No entanto, a pressa e a vontade de dar efetividade aos prazos e decisões não pode se sobrepor ao princípio constitucional da ampla defesa, impedindo a realização do julgamento em sua modalidade presencial, bem como a realização de sustentação oral no julgamento de Agravo Regimental interposto. Da mesma forma, a eficiência na atividade judicante não pode jogar por terra a colegialidade das decisões, violando o devido processo legal e trazendo insegurança jurídica. A abstenção de um “apertar de botão” não pode se substituir ao entendimento de um julgador da mais alta corte do país.

Por fim, não bastasse o absurdo da previsão de “julgamento virtual”, a não obediência aos incisos do artigo 4º da Resolução 587/2016, com a negativa de imediata retirada da pauta virtual daqueles casos em que alguma das partes requer destaque ou sustentação oral, só agrava a condição de precariedade da situação, a qual merece atenção e discussão pela comunidade jurídica.

 

 

 

 

 

Autores: Ademar Rigueira Neto é advogado do Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão Advocacia Criminal.

Eduardo Lemos é advogado do Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla e Leitão Advocacia Criminal.


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