Autora: Natasha do Lago e Sônia Cochrane Ráo (*)
No último dia 27 de março, o Superior Tribunal de Justiça admitiu recurso extraordinário interposto para discutir o arresto de bens da mulher de um dos denunciados em processo penal que discute a prática de crimes financeiros. O recurso foi admitido com base no princípio constitucional de que nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado.
Em 2013, após a decretação do arresto, impetrou-se mandado de segurança requerendo o levantamento da medida tanto porque a recorrente não responde por eventuais obrigações patrimoniais que decorram da responsabilização de seu marido na esfera penal como porque não foram indicados benefícios dos quais pudesse ela ter se aproveitado ilicitamente.
O mandado de segurança foi indeferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região e se recorreu ao Superior Tribunal de Justiça buscando a reforma da decisão. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, manteve o bloqueio por entender que o simples fato de a recorrente ser sócia de seu cônjuge em empresas familiares, constituídas para fins de sucessão patrimonial, seria suficiente para autorizar a constrição dos bens, atribuindo à defesa o ônus de comprovar a inexistência de benefício ilícito.
Medidas cautelares patrimoniais vêm ganhando cada vez mais projeção na esfera penal e a jurisprudência ainda não estabeleceu critérios claros para delimitar a extensão dessas constrições.
O Código de Processo Penal disciplina dois tipos de medidas dessa natureza. A primeira delas é o sequestro, que se destina a tornar indisponíveis bens adquiridos com proventos de infração e apenas pode ser decretado se houver indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. A segunda se subdivide em arresto e hipoteca legal, medidas que têm por objetivo garantir o ressarcimento de eventual dano causado com a prática de crime e abrangem, nos termos do artigo 140 do Código de Processo Penal, “também as despesas processuais e as penas pecuniárias”. No caso do sequestro, por expressa disposição legal, bens eventualmente transferidos a terceiros poderão ser bloqueados desde que haja indicativos fortes de sua origem criminosa, ressalvando-se o direito do terceiro de boa-fé.
Já o arresto e a hipoteca legal, medidas em discussão no recurso extraordinário admitido, possuem “finalidade idêntica à da penhora civil: assegurar patrimônio (lícito) do réu — e apenas deste — para o pagamento de danos do crime, custas e multa”, de modo que essas cautelares apenas poderão “atingir bens do réu, e não bens que se discute possam eventualmente ser do réu”,sendo “as obrigações provenientes de ato ilícitos (…) excluídas da comunhão de bens” a menos que se comprovem benefícios indevidos por parte do terceiro não investigado ou processado.
Com a admissão do recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal poderá, finalmente, analisar esse tema e discutir em que medida o patrimônio do cônjuge pode ser bloqueado para garantir eventual responsabilidade patrimonial decorrente de sentença penal condenatória.
Autores: Natasha do Lago é advogada, sócia do Ráo, Pires e Lago Advogados.
Sônia Cochrane Ráo é advogada criminalista, sócia do Ráo, Pires e Lago Advogados.