O Ministério Público Federal não conseguiu arquivar a notícia-crime contra os procuradores Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza. O governo federal acusa os procuradores de vazar informações consideradas confidenciais pela Abin — Agência Brasileira de Inteligência para a imprensa, o que caracterizaria crime contra a administração pública. As informações são do site do Superior Tribunal de Justiça.
A Corte Especial do STJ rejeitou o pedido de arquivamento feito pelo MPF. Segundo o relator da notícia-crime, ministro Ari Pargendler, o procurador-geral da República deve ser intimado sobre o fato de que os procuradores não foram ouvidos na apuração interna do Ministério Público.
Para o ministro, isso demonstra que não aconteceu uma investigação nos moldes determinados pelo Estatuto do Ministério Público da União. A decisão foi tomada por maioria.
O parágrafo único do artigo 18 da Lei Complementar 75 (Estatuto do MPU) estabelece que, em casos como esse, o indício de prática de infração penal deve ser apurado. Não foi o que ocorreu, conforme destacou em seu voto o relator da matéria no STJ. O ministro ressaltou que não houve no MPF qualquer esboço de apuração do fato que envolveu os procuradores denunciados na representação da Procuradoria-Geral da União.
As informações vazadas para a imprensa teriam sido prestadas em depoimento feito pelo ex-diretor da Abin coronel Ariel Rocha de Cunto aos procuradores acusados. O MPF pediu o arquivamento da notícia-crime alegando que não havia sido feita qualquer varredura em busca de escutas na sala em que o depoimento do coronel foi tomado.
Representação
Guilherme Schelb e Luiz Francisco de Souza são acusados pelo governo federal de repassar informações secretas da Abin para o jornal Folha de S. Paulo, publicadas em notícia do dia 6 de dezembro de 2000.
A reportagem teve acesso a documento classificado como secreto e preparado pela Abin intitulado “Plano Nacional de Inteligência”. Segundo o texto, o documento indicaria que a instituição estabeleceu como meta de trabalho um amplo e geral acompanhamento das atividades de praticamente todos os setores da sociedade brasileira, de lideranças religiosas a ONGs. A notícia cita como fonte os procuradores acusados.
Segundo a representação, eles infringiram o Estatuto do MPU, que obriga seus membros a manter o caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhes seja fornecido (artigo 8º da Lei Complementar 75/1993). Também devem “guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função”. Os procuradores ainda teriam infringido o artigo 325 do Código Penal, que define como crime de violação de sigilo funcional revelar fato de que a pessoa tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo.
O ministro Ari Pargendler afirmou: “não estamos diante de um inquérito, mas de uma notícia-crime e do seu pedido de arquivamento, sem que tivessem sido ouvidos os procuradores envolvidos”.
Em seu favor, os procuradores sempre poderão vindicar o interesse público envolvido e o direito constitucional da sociedade às informações de seu interesse. O episódio, contudo, reforça a demanda de advogados e alvos do MP que reclamam da instituição alguma autocrítica e punição para abusos cometidos por seus integrantes.
Contra Schelb já pesa a acusação de ter usado seu poder institucional em benefício próprio e em desfavor de Luiz Francisco há o fato de o procurador ter terceirizado suas funções, assinando denúncias e ações produzidas por protagonistas interessados na causa.
A condescendência da PGR com os seus, em fenômeno semelhante ao que se vê na corporação jornalística, que igualmente contemporiza com os desvios de seus integrantes, contribui para o desencanto da sociedade das importantes instituições e para o descrédito do seu trabalho.
NC 358
Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2005