Subsunção de HC ao Plenário do Supremo necessita de imperiosa justificação

Autor: Gustavo Filgueiras (*)

 

O julgamento do HC do ex-ministro Antonio Palloci no STF trouxe ao noticiário jurídico um temerário precedente: o entendimento de que Habeas Corpus de competência originária de turma pode ser submetido ao Plenário sem a necessidade de justificativa.

A discricionariedade judicial deve ser sempre vista com cautela. Nesse caso, a cautela deve ser redobrada, pois envolve o delicado tema da modificação de competência, uma alteração do juiz natural da causa. Dizer que a modificação de competência de turma para o Plenário não precisa ser justificada é o equivalente, em termos práticos, a dizer que competência originária pode ser modificada sem que haja razão jurídica ou fática relevante.

O Regimento Interno do STF não é consistente nesse ponto, o que abre indesejável espaço para esse tipo de interpretação. O artigo 6º, inciso I, alínea “a”, ao tratar da competência do Plenário, começa por limitar o julgamento de HC em razão da qualidade do paciente. No caso, pelo Plenário, somente as maiores autoridades da República, tais como o presidente, procurador-geral, presidentes da Câmara e do Senado, dentre outros do mesmo quilate, podem ver suas impetrações julgadas pelo órgão de cúpula do Judiciário brasileiro. O rigor dessa limitação implica em que apenas algumas dezenas de brasileiros, em razão de seus cargos, verão seu alegado constrangimento ilegal julgado pelo Plenário.

No entanto, contrastando todo esse rigor, o inciso II, de maneira pueril, acaba por escancarar o apertado funil do inciso I, ao prever que o Plenário também julga “os habeas corpus remetidos ao seu julgamento pelo Relator”. Da mesma forma, mais adiante, cessam os rigores e a “porteira” é aberta no artigo 21, inciso XI do regimento, que elenca como atribuição do relator “remeter habeas corpus ou recurso de habeas corpus ao julgamento do Plenário”, tout court. Trata-se, em ambos os casos, de modificação de competência, de alteração do juiz natural da causa, no caso, a turma do STF.

É nesse contexto de vácuo do regimento, que não aponta em que hipóteses seria permitida ou prevista a modificação de competência no julgamento do HC (da turma para o Plenário), que vicejou o entendimento temerário, que aceita que o relator transfira a competência sem necessidade de justificar.

Nesse ponto, fica difícil discordar do voto vencido do ministro Lewandowski, no sentido de que “não existe decisão que possa ser dada sem justificativa. Por obrigação constitucional e por questões procedimentais e administrativas” (citado em matéria da Conjur de 12/4/2018 — Relator não tem de justificar afetação de Habeas Corpus ao Plenário do Supremo).

Trata-se de decisão que modifica o juiz natural (turma) para julgamento dos Habeas Corpus, o que, por óbvio, não pode ser considerado como despacho de mero expediente. A ausência de justificativa jurídica pode levar a uma desconfiança com relação ao resultado dos julgamentos. Pode haver hipóteses em que o julgamento pela turma e o julgamento pelo Plenário implicariam em resultados diferentes. Não é difícil imaginar que existam teses prevalentes na turma que sejam minoritárias no Plenário, e vice-versa.

Nessas hipóteses, no caso de afetação para o Plenário, o relator — dispensado de justificar a decisão (sim, é uma decisão) —, ainda que sem intenção, estaria direcionando o resultado do julgamento do Habeas Corpus. E isso sem qualquer controle da motivação subjacente, seja pelas partes, seja por seus pares. A imperiosidade de apresentar relevantes razões jurídicas para a modificação de competência é a única forma de afastar qualquer eiva de parcialidade, dando transparência a uma decisão que, potencialmente, pode afetar o resultado do julgamento.

 

 

 

Autor: Gustavo Filgueiras é advogado criminal no Rio de Janeiro.


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