O Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 130, estabelece que o adquirente de bens imóveis é responsável por sucessão – transmissão de direitos, bens ou encargos – em relação aos tributos eventualmente pendentes, exceto se a escritura tiver sido lavrada mediante apresentação das correspondentes certidões de quitação de tributos.
Em se tratando de aquisição de imóveis em hasta pública (leilão judicial), ocorre sub-rogação sobre o respectivo preço de arrematação, de acordo com o que preceitua o parágrafo único do art. 130 do CTN. Ou seja, os créditos tributários, até então garantidos pelo bem, passam a ser garantidos pelo valor obtido na arrematação, por conseqüência, o adquirente recebe o imóvel livre de quaisquer ônus tributários. Portanto, na aquisição de bens imóveis em hasta pública não se verifica a ocorrência de sucessão tributária. Neste sentido são os julgados do Superior Tribunal de Justiça proferidos nos processos REsp 707.605, REsp 283.251, REsp 166.975 – SP e REsp 81908/SP
Relativamente ao imposto de transmissão inter vivos (ITBI) incidente na arrematação judicial, a jurisprudência pátria encontra-se constituída no sentido de que a sua incidência deve ocorrer tomando por base de cálculo, como valor venal, o da arrematação, desprezando-se tanto a avaliação judicial como eventuais avaliações administrativas que tenham sido levadas a cabo pela fiscalização municipal. Situação extensível ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), cuja base de cálculo deve ser também formada pelo valor da arrematação. Neste sentido são os julgados do Superior Tribunal de Justiça proferidos nos processos REsp nº 253.364/DF, REsp. n.º 2.525/PR, REsp 863893/PR e REsp 447308/SP.
Pelo conceito jurídico-tributário, a base de cálculo do ITBI e do IPTU é formada pelo valor venal dos imóveis, ou seja, valor de venda, todavia, para evitar-se subfaturamento de imóveis com objetivo de sonegação de tributos, a legislação fiscal estipulou que a apuração do valor venal não deve ser feita pela operação de venda especificamente considerada, mas sim pelo conceito de valor de mercado. Ou seja, realizar uma estimativa do valor pelo qual o mercado como um todo aceitaria pagar pelo imóvel em questão.
Em havendo um leilão judicial, aberto à participação pública, tem-se que o valor da arrematação foi aquele que o mercado aceitou pagar pelo imóvel em questão. Portanto, o valor venal do imóvel, no momento da arrematação, é exatamente aquele pelo qual esta se deu.
Consequentemente, sob a ótica da determinação do valor venal, apresenta-se absolutamente adequado o entendimento judicialmente vigente de que este deve ser formado pelo valor da arrematação. Por outro lado, quando analisado o fato sob o prisma da hipótese de incidência tributária do imposto de transmissão inter vivos (ITBI), constata-se que não se encontra adequadamente resolvida a questão da incidência tributária sobre a arrematação judicial de bens imóveis, forma esta de aquisição de propriedade que necessita ser analisada quanto à sua natureza jurídica para somente então determinar-se os seus efeitos tributários.
As aquisições de bens se classificam em originárias e derivadas. A aquisição derivada resulta de uma relação jurídica, processual, material ou contratual, seja inter vivos ou causa mortis, sendo uma transmissão de domínio, portanto, envolvendo uma pessoa que cede a propriedade para outra, que a recebe. Por sua vez, a aquisição originária pressupõe um anterior vácuo jurídico, como se a propriedade jamais tivesse pertencido a outrem, portanto, não se considera uma transmissão, conseqüentemente, não inserida no campo de incidência do ITBI, que é exatamente a transmissão de propriedade, conforme o art. 156, inc. II, da Carta Magna de 1988, que o define como o “imposto sobre a transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”
Se fosse objetivo do legislador constituinte que o ITBI tivesse e seu campo de incidência toda e qualquer forma de aquisição, seu fato gerador teria sido definido, não como “a transmissão a qualquer título”, e sim como “a aquisição a qualquer título”.
Este entendimento é esposado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme demonstra a ementa a seguir, que em sede de Recurso Extraordinário, declarou ser inconstitucional a cobrança de Imposto de Transmissão em aquisição de propriedade mediante Usucapião, visto que neste instituto não ocorre transmissão de propriedade do bem, por conseqüência, estando fora do campo de incidência daquele tributo, que abrange somente a transmissão de propriedade.
“IMPOSTO DE TRANSMISSAO DE IMÓVEIS. ALCANCE DAS REGRAS DOS ARTS. 23, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 35 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. USUCAPIAO.
A ocupação qualificada e continuada que gera o usucapião não importa em transmissão da propriedade do bem. À legislação tributária é vedado ‘alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado’ (art. 110 do C.T.N.). Registro da sentença de usucapião sem pagamento do imposto de transmissão. Recurso provido, declarando-se inconstitucional a letra ‘h’, do inc. I, do art. 1, da Lei n. 5.384, de 27.12.66, do Estado de Rio Grande do Sul.”
(STF. RE 94580/RS. Rel. Min. DJACI FALCÃO. DJ 30.08.1994)
Assim como o usucapião tem natureza de aquisição originária, o mesmo se verifica em relação à arrematação judicial. Na arrematação judicial ocorrem simultaneamente a perda da propriedade, por parte de uma pessoa, e aquisição da mesma, por parte de outra, sem que entre elas ocorra qualquer relação, seja jurídica, processual, material ou contratual, ou seja, sem que se caracterize uma transmissão de propriedade. Neste sentido são os julgados do Superior Tribunal de Justiça proferidos nos processos REsp40191/SP e REsp 625322/SP.
Portanto, se a arrematação judicial é apenas uma forma de aquisição de propriedade sem a ocorrência de transmissão, tal como ocorre com o usucapião, consequentemente, se este não se encontra inserido na órbita tributária do ITBI, por não se configurar uma transmissão, o mesmo se aplica àquela.
Conclui-se, por conseguinte, ser impossível a cobrança do ITBI sobre a arrematação judicial, posto que implicaria em subverter o conceito de um instituto privado em franco desrespeito ao art. 110 do CTN que veda à legislação tributária alterar definição, conteúdo e alcance dos institutos conceitos e formas de direito privado.
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Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.