Irapuã Beltrão
A primeira parte do mês de setembro trouxe como grande novidade a aprovação na Câmara dos Deputados da denominada Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que a imprensa e população tem simplesmente apelidado de Super Simples. Trata-se de um projeto de regulamentação das questões tributárias para pessoas jurídicas com faturamento até determinados limites de faturamento, que simplificará o pagamento de diversos tributos e demais questões burocráticas que os envolve.
De toda forma, mais do que uma comemoração dos economistas que pregam a necessidade de desenvolvimento, tal normatização representa um marco na história jurídico-tributária do país.
Neste ponto, vale lembrar que a redação original da Constituição de 1988 apenas tratava da micro e pequena empresa como uma forma de intervenção do Estado no domínio econômico, prevendo no artigo 179 —portanto, fora do capítulo tributário—, que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.
A previsão inicial não diligenciou para qualquer uniformização destes tratamentos, sendo registrado alguns casos em que a disciplina de cada um dos entes políticos não guardava maiores correlações ou sintonias com aquela editada pelos demais. Contudo, a partir da previsão do legislador constituinte originário, o governo federal editou a Lei 9.317, de 5 de dezembro de 1996, instituindo o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, apelidado rapidamente de Simples.
Mas a limitação constitucional era clara: somente poderia o Congresso Nacional legislador para os tributos federais, simplificando os seus procedimentos, mas falecendo de competência para tratar dos impostos estaduais e municipais, aí naturalmente incluídos o ICMS e o ISS.
Mas, como agora afirma a própria justificação do projeto da nova lei, “o sucesso do Simples federal, estimulou sua criação em 21 Estados da Federação, onde foram criados sistemas simplificados para tributos estaduais no âmbito de suas competências. Entretanto, os limites de enquadramento das empresas e as alíquotas de recolhimento são muitos diferenciados entres os Estados da Federação”.
A previsão constitucional acabou para apresentar uma distorção no sistema tributário, como fruto natural da autonomia dos entes políticos que compõem nossa federação. Tínhamos um único objetivo de simplificação, mas vários meios de fazê-lo, sem qualquer uniformidade ou reciprocidade.
A solução começou a ser definida pela Emenda Constitucional n°42, de dezembro de 2003, que trouxe a boa experiência do Simples federal para dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional, incorporando ao artigo 146 um inciso IV e seu parágrafo único. Além de aumentar o rol de matérias a serem uniformizadas entre as unidades federativas através de normas gerais, foram ali estabelecidos os pilares constitucionais de um novo modelo.
Como já tivemos oportunidade de afirmar, “este princípio de uniformização e encerramento das normas próprias de cada um dos entes políticos é tão claro no legislador constituinte, tanto assim que a reforma de 2003 determinou a cessação da validade das normas federais, estaduais, distritais e municipais sobre o tratamento da micro e pequena empresa” (in Resumo de Direito Tributário, Ed. Impetus, 2006, p. 37).
Claro que muitos comentários ainda serão produzidos para o Super Simples numa referência à redução dos custos de transação e das burocracias, aumentando o estímulo aos empreendimentos e, por via de conseqüência, ao desenvolvimento nacional.
Contudo, o ponto chave da nova lei reside nesta uniformização. A uma, passam a existir definições nacionais, com patamares de faturamento anual bruto para conceituação de micro e pequena empresa (R$ 240 mil e R$ 2,4 milhões, respectivamente, se mantidos estes dispositivos pelo Senado Federal).
A duas, o maior avanço da simplificação das obrigações tributárias estará na arrecadação diferenciada e simplificada relativa a impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. O texto aprovado permite, por via de conseqüência, a possibilidade de inclusão no Super Simples do ICMS e do ISS, com o pagamento dos impostos e contribuições federais que já são arrecadados no Simples (IRPJ, PIS, Cofins,CSSLL, INSS Patronal e IPI).
Por óbvio, mesmo após a sanção e promulgação do projeto de lei agora aprovado pela Câmara, haverá a necessidade de regulamentação das medidas ali previstas, com um natural desgaste político entre o governo federal e algumas unidades da federação.
Mas, ainda que haja qualquer resistência de alguns entes políticos, a uniformização estará definitivamente sedimentada no cenário tributário. Isto porque, devemos todos ainda observar que, ao contrário da lei federal anterior, este novo diploma nacional possui natureza de lei complementar, dado que regulamenta norma geral do artigo 146 da Constituição Federal. Tal status lhe preservará de eventuais medidas provisórias ou de outros ataques que possam lhe retirar a essência uniformizadora.
Resta-nos torcer por uma rápida tramitação do mesmo no Senado Federal, para que não haja maiores distorções no momento da sanção e veto presidencial, bem como para uma rápida regulamentação infra-legal das medidas a serem adotadas, já que o Sistema Tributário Nacional em muito ganhará com esta uniformização.
Última Instância Revista Jurídica