Sustentação oral depois do julgamento fere ampla defesa

por Asdrubal Júnior

A sustentação oral é um poderoso instrumento da ampla defesa e já tive a oportunidade de frisar esse entendimento em diversos artigos, assim como já pude constatar a força e a vitalidade dessa ferramenta de defesa em inúmeros casos em que atuei.

Pude viver e presenciar diversas vezes que a sustentação oral proferida com ímpar qualidade foi capaz de orientar inúmeros julgamentos, de nortear o posicionamento de alguns julgadores e até mesmo de conduzir a reflexão e inverter resultados aparentemente perdidos, e que certamente, seriam diversos se não ocorresse a sustentação oral realizada com grande maestria pelo advogado de uma das partes.

Porém, confesso que recentemente fui surpreendido com uma dinâmica de julgamento totalmente diferente.

Não tenho o hábito de sustentar oralmente perante a Justiça do Trabalho, até porque em nosso escritório existem outros advogados que militam nessa Justiça especializada, mas recordo-me de já ter sustentado anteriormente em tribunais trabalhistas, sendo certo que a dinâmica de julgamento era similar à de outros tribunais em que atuo com maior freqüência.

Mas, naquele dia, por solicitação do cliente, fui pessoalmente escalado para sustentar oralmente o caso, daqueles que merecem uma atenção especial, e, naturalmente, não poderia nem deveria declinar daquela responsabilidade profissional.

Como de costume, estudei o caso minudentemente, preparei minhas anotações para orientar minha performance e fiz minha inscrição para sustentação pela internet. A essa altura, já havia sido alertado por colegas do escritório da novidade de que a inscrição para sustentar deveria se fazer por solicitação no site do tribunal.

Essa foi a primeira novidade, que achei excelente; afinal, permitia a inscrição com maior antecedência, evitando-se o desconforto de se chegar à sala de julgamento e enfrentar a fila de advogados que desejam preencher a papeleta para inscrever-se para sustentação oral, nos minutos que antecedem o início da sessão.

Porém, aí se encerrou meu contentamento com as novidades daquela dinâmica, eis que ao iniciar a sessão, e chamar a julgamento o primeiro processo onde havia advogado inscrito para sustentar oralmente, pude notar uma dinâmica bem diferente do que já havia vivenciado em tantos outros tribunais, inclusive naquele próprio.

Dada a palavra ao relator para relatar o processo, este, em apertada síntese, resumiu o processo e já passou a pronunciar seu voto, também de modo resumido. Nesse momento, acreditei, sinceramente, que o relator teria se esquecido que haveria sustentação oral.

Após o voto do relator, o presidente da Turma julgadora passou a palavra ao revisor, que por sua vez, já foi alardeando seu voto, também de modo resumido.

Novamente, voltei a acreditar que aquele procedimento partia do mero esquecimento de que haveria sustentação oral. A essa altura, o advogado inscrito já se encontrava na tribuna com as vestes talares.

Após o revisor concluir sua decisão, veio o 1º vogal e então manifestou seu posicionamento acompanhando seus pares, o que foi seguido pelos demais vogais, culminando no placar de 5 votos pelo improvimento do recurso.

Daí o presidente da Turma salientou ao advogado que teria a palavra pelo prazo regimental. O advogado proferiu sua sustentação oral, ao que parece um pouco abatido pelos votos já declarados e contrários ao seu interesse, apenas para frisar que havia ocorrido um equívoco naquele julgamento, porque os fatos e as provas, em seu entendimento, conduziriam à conclusão diversa.

Após essa sustentação oral, o presidente da Turma perguntou ao relator e aos demais julgadores se desejavam retificar seus posicionamentos já manifestados, o que foi recusado por todos, passando, então, a declarar o resultado do julgamento — improvido por unanimidade.

Aquela dinâmica chocou-me profundamente, mas ainda estava acreditando tratar-se de um equívoco isolado daquele processo, e que nos processos seguintes, inclusive no meu, a dinâmica ia reassumir o formato tradicional realizado em outros tribunais, como também era realizado naquele próprio pretório anteriormente.

Pus-me a refletir sobre aquela dinâmica e custava a acreditar que pudesse o tribunal estabelecer que a sustentação seria feita apenas após o voto de todos os julgadores, não só do relator, mas de todos. Lembrei, nessa oportunidade, que a Lei 8.906/1994 – Estatuto dos Advogados – estabeleceu que a sustentação oral seria feita após o voto do relator e antes dos demais julgadores, o que foi liminarmente repelido em ação direta de inconstitucionalidade pelo STF, e que a discussão girou em que a sustentação oral, após proferido qualquer voto, estaria interferindo no julgamento, o que seria impróprio e afetaria o ato de julgar.

Pensei que utilidade teria sustentar oralmente se não fosse para contribuir na formação do convencimento dos julgadores, eis que estes já teriam formado e externado seu convencimento. Assim, se os votos tivessem sido favoráveis aos interesses de quem iria sustentar, de que valeria a sustentação senão para simplesmente elogiar o posicionamento dos juízes, e no caso contrário, como poderia ser útil a sustentação oral, se os julgadores já haviam assumido publicamente posição diversa, inclusive tecido comentários e alicerçado suas conclusões por fundamentos que exteriorizaram. Como poderia convencê-los de que suas conclusões e seus fundamentos que acabaram de manifestar publicamente contrários ao interesse que defendo, estão errados, ao ponto de persuadi-los, em tão curto espaço de tempo, a admitirem publicamente que estavam errados, invertendo seus posicionamentos exteriorizados poucos minutos antes?

Nessas reflexões, não deixei de me penitenciar em minha própria consciência por não ter consultado previamente o Regimento Interno daquele tribunal, aliás, nem tinha certeza se aquela dinâmica era adotada nas outras Turmas do mesmo tribunal. Afinal, havia sido traído pela minha experiência anterior naquele tribunal, e em tantos outros, cuja dinâmica sempre é a mesma – tradicional, onde a sustentação oral ocorre após o Relator ler o relatório, e antes de proferir o voto.

Chamado a julgamento, o segundo processo, onde havia inscrição para sustentação oral, o meu estava programado para ser o sexto da lista; novamente repetiu-se aquela dinâmica esdrúxula, onde o advogado sustenta após os votos terem sido proferidos. O resultado foi idêntico ao anterior.

E essa providência sucedeu-se por todos os casos que foram chamados a julgamento, até que em um deles, os votos proferidos foram favoráveis ao interesse do recorrente, ali representado por seu advogado, habilitado para sustentação oral. Nesse caso, voltei minha atenção para a fala do advogado, que a essa altura encontrava-se esvaziada, porque a decisão já alardeada lhe era favorável; confirmou-se, pois, minha reflexão, o advogado limitou-se a elogiar a posição sinalizada pelos julgadores e sequer falou mais do que três minutos. Afinal, não havia o que dizer, falar muito colocaria em risco até o que já estava ganho.

Finalmente, chamado a julgamento, o meu processo, que como disse era muito delicado, tratava-se do julgamento de um agravo de petição em embargos de terceiro, o relator votou favoravelmente a minha pretensão, o Revisor divergiu parcialmente e votou contrariamente ao meu principal interesse, enquanto dois vogais salientaram que desejavam vista do processo e o outro que aguardaria para se manifestar posteriormente.

Quando me foi oportunizado sustentar oralmente, o fiz com a ênfase na argumentação que acredito dar razão à minha pretensão e tentando demonstrar o equívoco do revisor, pois o placar estava 1 a 1, e aguardava a decisão de três outros julgadores.

Embora tivesse sido elogiado pela minha performance por meu cliente que estava assistindo ao julgamento, confesso que não sei quão útil poderá ter sido, se as minhas palavras serão rememoradas pelos julgadores que faltavam decidir em data posterior que não se sabe precisar e se o tempo não será deletério da força daqueles argumentos.

Confesso que fiquei inquieto com aquela dinâmica de julgamento, porque notei que a força da sustentação oral restava comprometida. Seja em minha atuação como advogado, seja em minha atuação como professor, sempre defendi com entusiasmo a sustentação oral como relevante instrumento de defesa, aliás, já publiquei diversos artigos sobre o assunto, e até hoje promovo torneio entre meus alunos e de toda a faculdade, da qual coordeno, para incentivar essa prática como típica da ampla defesa.

Ao chegar ao meu escritório, fui correndo consultar o Regimento Interno do Tribunal, novamente me penitencio por não ter feito isso antes, queria ver com meus próprios olhos se a dinâmica desenvolvida estava escrita na regra regimental. E pude acrescentar ao meu espanto, a surpresa com o texto do Regimento Interno do TRT da 10ª Região, veja com seus próprios olhos o § 1º do art. 138:

“§1º Ao relatar processos com pedido de preferência de advogados para sustentação oral, o relator fará um resumo da matéria em discussão e antecipará sua conclusão, ouvindo-se em seguida o revisor e os demais juízes, hipótese em que poderá ocorrer a desistência da sustentação ante a antecipação do resultado. Havendo, porém, pedido de vista ou qualquer voto divergente daquele anunciado pelo relator e, após proferido, o presidente voltará a palavra ao advogado desistente. Não desistindo os advogados da sustentação, o presidente concederá a palavra a cada um dos representantes das partes, por 10 (dez) minutos, sucessivamente.”

Notei da leitura que fiz que a regra regimental não é para prever a sustentação oral, como instrumento da ampla defesa, mas o foco e todo o esforço empreendido é para persuadir o advogado a desistir de sustentar oralmente, tanto é que em um único parágrafo, por três vezes, a idéia da desistência está constando do texto.

A modificação da dinâmica de julgamento e o texto regimental escancaram o desejo de que a sustentação oral não deve ser feita, quiçá no entendimento de quem concebeu aquela regra esta deve configurar um estorvo para o Judiciário, uma perda de tempo, a tal ponto de redesenhar a dinâmica para esvaziar o seu sentido, convencer de sua inutilidade.

Até parece que a regra instituiu a sustentação oral dos juízes para convencer o advogado de que não devem sustentar oralmente, e, sim, deve desistir; afinal, está escrito no Regimento “hipótese em que poderá ocorrer a desistência da sustentação ante a antecipação do resultado”.

Nessa nova e esdrúxula dinâmica, a sustentação oral não é concebida como ferramenta da ampla defesa, nem o advogado por sua participação é encarado como indispensável à administração da Justiça, mas, sim, como um ato desnecessário, inútil que torna lento o julgamento dos tribunais e, assim, para o advogado não atrapalhar na formação do convencimento dos julgadores, deve falar após eles já terem se posicionados, ficando o direito de sustentação como um mero gesto do ritual do julgamento, como cumprimento aparente e formal ao princípio da ampla defesa, e com estímulo para que haja a desistência daquele direito.

Concessa venia, o foco na desistência do direito de sustentação oral fotografa o desprestígio ao direito à ampla defesa, a alteração na dinâmica do julgamento fulmina a essência do papel da sustentação oral e ignora sua importância na formação do convencimento e no aperfeiçoamento da Justiça, além de denotar a falta de sensibilidade com o papel do advogado e a importância da ampla defesa.

Essas razões convenceram-me a formular essa crítica construtiva, porque não posso assistir passivamente sem reagir ao fuzilamento do espírito da ampla defesa, ao envenenamento da sustentação oral, materializado no esforço desmedido e indisfarçável de sobrepujar a velocidade do julgamento – com a óbvia indiferença à atuação do advogado, culminando no (in)conseqüente comprometimento da qualidade da Justiça.

Afinal, continuo acreditando que jamais poderá haver justiça sem o absoluto respeito à ampla defesa, por isso, urge a reformulação da regra em comento.

Revista Consultor Jurídico

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