Em tempos de eleição, um fenômeno curioso se repete na sociedade: o desânimo e desinteresse do cidadão em integrar o processo eleitoral. E a maior demonstração disso são as acentuadas e repentinas variações dos índices de aprovação e de rejeição dos candidatos a cargos eletivos — retratados nas pesquisas eleitorais — a revelarem nada mais do que a eficiência dos mecanismos artificiosos de manipulação da vontade popular. E a essa prática profissional de conquista do voto é o que se pode denominar de ‘‘tecnologia da política’’.
Pode até mesmo parecer um pouco antagônica a conjugação dos termos ‘‘tecnologia’’ e ‘‘política’’, mas a prática — e sua intensidade — com que se desenvolve o processo de convencimento popular em tempos atuais, com toda a ‘‘sofisticação’’ de recursos — não necessariamente técnicos — que se possa imaginar, nos leva a admitir a absoluta compatibilidade entre aqueles termos, ao ponto em que imaginar-se uma candidatura sem o arrojo dos ‘‘avanços’’ estratégicos políticos é o mesmo que se predispor à mais imprevisível das aventuras.
Em recente artigo publicado no jornal espanhol El Pais (de 25/04/2002, intitulado La crisis de lo político, Manuel Castells) — para citar apenas um entre inúmeros outros artigos semelhantes diariamente publicados nos jornais europeus —, em que se oferece uma breve reflexão do fenômeno de mudanças políticas na Europa — onde são cada vez mais crescentes as opções populares por governos que se identificam por linhas de atuações mais extremadas, principalmente após os episódios Pim Fortuyn, na Holanda, Jörg Haider, na Áustria, ou mesmo Le Pen, na França. Segundo dados da ONU, dois terços da população mundial não se sente representada por seus governos e tem uma péssima opinião sobre a honestidade e sentido público dos políticos, muitas vezes sendo o voto uma manifestação ‘‘mais em contra do que se teme, do que a favor do que se espera’’.
E é exatamente aí que entra a máquina do convencimento coletivo, da ‘‘tecnologia da política’’, segundo expressão do mesmo articulista, em que os meios de comunicação é que detêm o principal espaço do cenário eleitoral, com o marketing político sendo o verdadeiro coração do sistema político da Era da Informação e com regras muito claras no sentido da simplificação da mensagem e da predominância das mensagens negativas de desprestígio do adversário, em vez das mensagens positivas do próprio candidato, por sua pouca credibilidade, tudo conduzindo à política do escândalo como arma fundamental para se alcançar o poder.
Sem a necessidade de retratar os fatos da atual corrida eleitoral brasileira, principalmente no âmbito dos cargos executivos em disputa, fácil é perceber que, lá como aqui, as coisas andam muito parecidas. Não, evidentemente, no sentido das opções por governantes com propostas radicais — principalmente do nacionalismo exacerbado, da xenofobia, da ‘‘não-solidariedade interna-cional’’ —, mas sim parecidas na prática daqueles mecanismos do convencimento coletivo, na opção maquiavélica dos fins — o ser eleito — a justificarem os meios. O que importa distinguir, porém, é que as condições socioeconômicas dos europeus — muito distintas da nossa — ainda comportam admitir que os profissionais do marketing político sejam os protagonistas do processo eleitoral; há um acentuado lastro de bem-estar a suportar as façanhas do perigoso jogo do ‘‘voto do contra o que se teme’’, e os efeitos do uso incondicional dos manuais do marketing político certamente não geram idênticos efeitos aos observados por aqui.
A questão, entre nós, passa a resultar em proporções muito mais preocupantes quando essa crise, meramente política lá, é para nós autêntica crise de cidadania, pela miséria e descaso social que nos caracterizam. E não cabe atribuir aos profissionais do marketing a responsabilidade por esse triste cenário; importa chamar à responsabilidade, isso sim, aqueles que, a qualquer (‘‘legítimo’’) custo, querem alcançar o poder. Daí que a triste sensação de a maioria não se sentir representada por seu governo — como diagnosticado pela ONU — nada mais revela do que a globalização da crise de representatividade democrática. E por isso cabe a indagação: ‘‘Quem tanto quer o poder será que realmente o merece?’’.
* Alexandre Vidigal de Oliveira
Juiz Federal em Brasília, professor de Direito Constitucional e doutorando em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela UC3M, de Madri