"Temos de pensar nos impactos do uso da tecnologia da informação."

As redes nacionais de televisão nos trazem, em horário nobre, imagens de uma tragédia nacional: o desaparecimento de nossas crianças. Estimam que só na cidade de São Paulo, cinqüenta meninos e meninas sumam por dia — um número assustador. Vemos o sofrimento dos pais na busca desesperada para reencontrá-las. O sofrimento é dolorido e contagioso.

Um grupo de tecnocratas, em Brasília, prepara uma Medida Provisória — afinal quem legisla é o Executivo — visando eliminar o problema. Diz a MP que todo brasileiro deve ter implantado na testa um “chip Pentium IV” de computador, dois centímetros acima da curvatura nasal. Desta forma qualquer cidadão seria imediatamente localizado pelo Sistema GPS através dos satélites localizadores.

Esse projeto estaria sendo priorizado em face de seu grande impacto na área social. Os tecnocratas adoram exalar um certo aroma de modernidade, gostam de aparentar que estão em dia com os últimos avanços tecnológicos. Infelizmente não demonstram possuir a sabedoria necessária a para libertar o cidadão. Na verdade, parecem regidos pela visão de nos transformar em tutelados, meras peças da engrenagem social submetida aos cânones das leis econômicas.

Evidentemente estamos ironizando a ação da tecnocracia que manda no País, mesmo porque o projeto de lei que criou o Número Único para cada brasileiro teve origem no Senado Federal. (projeto 32 de 1995 do Senador Pedro Simon)

Sancionado pelo presidente Fernando Henrique, já está em vigor desde 7 de abril de 1997 a Lei 9.454 que institui o Registro de Identidade Civil.

Você sabia da existência desta lei?

Acredito que não, pois não foi devidamente noticiada pela televisão, nem mesmo na imprensa escrita. Não vi nenhuma manchete nos jornais alertando para o perigo desta famigerada lei. Nem mesmo a Internet abordou o assunto.

Acompanhamos pela telinha colorida a guerra real que flagela o primeiro mundo e observamos cenas em que os refugiados albaneses tem riscado nos braços um número para identifica-lo. Algo semelhante ao que Hitler fazia com os judeus, uma das páginas mais negra da História. Você já imaginou se Hitler tivesse a sua disposição a tecnologia dos computadores?

Fica difícil imaginar como o Congresso Nacional gerou e como a própria Presidência da República tenha sancionado esta aberração.

Será que não perceberam a armadilha fatal para a liberdade que instituiriam?

Como cidadão não fui consultado sobre o tema, nem se estaria disposto a pagar com a minha liberdade o custo da desburocratização da ineficiente máquina governamental. A lei, no seu artigo sexto, diz que perderão validade todos os documentos que não possuam o Número Único. Já se passaram seis anos e segundo o artigo quinto a regulamentação deveria ter ocorrido em novembro de 1997. Sua implementação deveria ter se iniciada em abril de 1998.

Segundo esta norma jurídica, você terá de tirar todos os seus documentos novamente. O Número Único será mais um documento que você terá de carregar e, sem saber, funcionaria como uma Coleira Eletrônica capaz de vigiá-lo 24 horas por dia, todos os dias de sua vida e quem sabe além da morte e mesmo antes da vida.

A história seria reescrita passando a fazer menção não mais aos nomes mas aos números dos seus principais personagens. O Brasil não teria sido descoberto por Cabral mas pelo número 536.799.696-76

Será que os parlamentares brasileiros desconheciam, que até mesmo um país de cultura cartorial como Portugal proíbe em sua Constituição o uso de número único para identificar seus cidadãos.

Como coibir o arbítrio, se estamos criando instrumentos de controle social como o Número Único?

Quem irá impedir que um tecnocrata ou mesmo um burocrata de gabinete venha a se auto nomear censor e fiscal da vida privada do cidadão?

O lamentável episódio de 11 de setembro vem justificando o abandono da defesa dos direitos individuais conquistados pelos povos em nome de uma dita “segurança nacional”. Esta guinada totalitária é episódica e será repelida em breve. Não devemos mergulhar nesta tendência equivocada.

Sou otimista e continuo acreditando que o bom senso prevalecerá, esperando ver esta lei varrida de nosso cenário jurídico. Afinal, a esperança que venceu o medo, segundo o marketing baiano, é a última que morre.

Temos que sonhar um futuro para o Brasil onde o cidadão se energize de liberdade e não um cenário semelhante ao descrito no livro 1984, no qual o Estado Totalitário é a presença onipresente.

Temos de ter a sabedoria de vislumbrar os impactos sociais do uso intensivo da tecnologia da informação e ao mesmo tempo preservar o pouco de liberdade que ainda temos neste mundo globalizado.

José Roberto Faria Lima é economista e consultor em informática

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