Tempo de campanha eleitoral: por que não uma democracia para valer?

Autor: Felipe Mendonça Terra (*)

 

Em um ano com um cenário político especialmente conturbado, foi promulgada recentemente a Lei 13.165/2015, a mais nova “minirreforma eleitoral”. O novo diploma normativo vem se somar às leis 11.300/2006, 12.034/2009 e 12.891/2013 para confirmar uma praxe de alteração da legislação eleitoral nos anos que antecedem os pleitos, sempre ao sabor das vontades e ansiedades políticas de cada momento. Especialmente após o julgamento da ADI 4650, em que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das regras que autorizam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, as atenções com a nova legislação voltaram-se principalmente para o tema do financiamento de campanha — a matéria foi objeto de veto presidencial que agora aguarda a apreciação do Congresso Nacional. A Lei 13.165/2015, no entanto, não se limita a tratar do financiamento eleitoral. Editada com o suposto propósito de baratear as eleições, a nova minirreforma traz ainda diversas alterações às regras eleitorais, com aplicabilidade já para as eleições de 2016. Nesse cenário, talvez passe despercebida uma modificação radical, com profunda influência no nosso sistema político: a redução do período de realização de campanha.

A nova legislação reduziu o tempo de campanha eleitoral em mais de um mês: agora, limita-se de 15 de agosto até o primeiro domingo de outubro, com a realização das convenções partidárias entre 20 de julho e 5 de agosto[1]. Isso significa que, até 15 de agosto, é ilícita a realização da propaganda eleitoral, e o candidato está proibido de dirigir-se ao eleitor para pedir voto. É a chamada propaganda eleitoral antecipada ou extemporânea, que sujeita o infrator a multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil, ou o equivalente ao custo da propaganda[2], sem prejuízo da caracterização de abuso de poder político e econômico. Conquanto, a Lei 13.165/2015 tenha previsto novas exceções à propaganda antecipada (artigo 36-A da Lei 9.504/97), apoiada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral[3], a regra continua a ser a da ilicitude da propaganda veiculada fora do período eleitoral[4].

As regras que limitam o período de campanha e vedam a propaganda eleitoral antecipada têm por fundamento o princípio de igualdade de oportunidades nas disputas eleitorais[5], protegendo contra o potencial abuso do poder econômico. Elas partem da visão da disputa eleitoral como uma corrida: a linha da largada é o marco inicial de realização da propaganda eleitoral, em que todos começam na mesma posição. Em tese, caso não houvesse marco temporal algum, eventualmente as candidaturas com maior poder econômico e maior acesso aos meios de comunicação poderiam começar a realizar propaganda muito antes de seus competidores, desequilibrando a disputa.

Em verdade, contudo, as regras atuais — agora agravadas pela minirreforma — acabam por impor o inverso: os candidatos mais conhecidos e com maior presença nos meios de comunicação dependem menos da realização de propaganda eleitoral, ganhando uma posição vantajosa. O ponto é especialmente verdadeiro para os candidatos e partidos que já são detentores de cargos públicos (especialmente no Poder Executivo) e que por isso gozam um acesso maior aos meios de comunicação e de notoriedade perante o eleitorado. Por outro lado, os candidatos menos conhecidos e de partidos menores, sem acesso aos meios de comunicação, estão proibidos legalmente de realizar propaganda. Nesse cenário, a propalada justificativa de diminuição dos custos de campanha tampouco soa convincente, além de insincera: não apenas as restrições ao tempo de campanha foram impostas por uma lei que mantinha a doação eleitoral por parte de pessoas jurídicas — sabidamente, a maior fonte de receita das campanhas eleitorais — como não impedem gastos vultosos com propaganda durante o período eleitoral por parte de quem possa. Na prática, portanto, a diminuição do tempo de campanha eleitoral só interessa aos detentores do poder, que dependem menos do acesso ao público para o sucesso eleitoral[6].

As circunstâncias são ainda agravadas considerando-se que a diminuição do tempo de campanha não atinge apenas os partidos e candidatos interessados no pleito, mas toda a sociedade: a vedação à propaganda antecipada dirige-se também a qualquer particular ou eleitor que pedir votos em favor de determinado candidato antes do período eleitoral[7]. O encurtamento do período de campanha, portanto, não apenas diz respeito à expectativa dos partidos e candidatos de divulgarem suas candidaturas, mas alcança também manifestações políticas de toda a sociedade civil. Isto é: num período de especial mobilização política da sociedade brasileira, as novas regras impostas pelo Congresso Nacional significam verdadeiro balde de água fria ao engajamento do cidadão. Na melhor das hipóteses, uma sutil mensagem de que a mobilidade política não interessa aos donos do poder.

O que está em jogo, em última análise, é a concepção de democracia que desejamos. As normas que limitam o período eleitoral e a veiculação de propaganda política partem de uma visão especialmente restritiva da democracia: a de que esta se limita ao período eleitoral. Elas criam um momento bem delimitado no tempo para justificar que, nesse período, e apenas nele, deve ocorrer a discussão dos assuntos públicos e políticos; supondo que a participação política dos cidadãos seja uma benesse do Estado apta a ser concedida conforme os humores do momento. Não é preciso, porém, encampar nenhuma concepção radical de democracia para reconhecer que, sendo do povo a soberania no exercício do poder político, o escrutínio e o debate da coisa pública devem ser permanentes e constantes. Numa sociedade contemporânea e plural, não é lícito exigir que os indivíduos estejam permanentemente mobilizados com os assuntos políticos, em detrimento de outros interesses próprios. Mas é preciso — e essa é uma exigência mínima — que exista um espaço de discussão pública para todos que queiram e possam se engajar. Um tempo reduzido de campanha eleitoral cria um debate passageiro e limitado, sendo fácil que a propaganda política se reduza a chavões e slogans fáceis e fuja dos temas relevantes para a sociedade. Um maior tempo de debate, por sua vez, permite (embora não garanta) que o debate político se consolide e amadureça, dando meios para que o eleitor vote de forma informada e suficientemente refletida[8].

Reconhecer isso não implica a existência de uma campanha permanente: numa democracia, tão importante quanto a escolha dos agentes representativos é que esses exerçam as funções de legislar, fiscalizar e administrar a que foram eleitos. Compete ao legislador disciplinar o processo eleitoral de forma razoável, prevendo, por exemplo, datas para o registro das candidaturas e sua impugnação. Não é isso o que está em jogo, mas o reconhecimento de que o debate político não deve se limitar a apenas 45 dias a cada quatro anos (!).

A sociedade brasileira vive um momento de especial efervescência política, tendo verificado nas últimas eleições — e desde as manifestações de junho de 2013 — uma mobilização há muito não existente. Os sucessivos escândalos e as inseguranças políticas da ocasião deveriam servir de inspiração para nosso definitivo amadurecimento institucional, deixando de navegar nos tormentosos mares do subdesenvolvimento democrático que nosso recente passado autoritário não nos deixa esquecer. A existência de uma campanha eleitoral de verdade não nos salvará das muitas mazelas da política brasileira, mas é um elemento necessário para assegurar que paremos de brincar de democracia e comecemos a implementá-la para valer.

*Agradeço aos amigos Thiago Magalhães e Gabriel Accioly pelas sugestões.


[1] No regime anterior, as convenções partidárias para a escolha das candidaturas eram feitas de 20 a 30 de junho do ano das eleições, sendo a campanha eleitoral permitida a partir de 6 de julho.
[2] O valor da multa era de R$ 21.282 a R$ 53.205, mas foi reduzido pela Lei 12.034/2009. V. Lei 9.504/97: “art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição. (Redação dada pela Lei 13.165, de 2015) (…) § 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5 mil a R$ 25 mil, ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior”.
[3] O TSE, por exemplo, entende que os “atos de mera promoção” pessoal não configuram propaganda eleitoral antecipada (TSE, DJ 25 fev. 2015, REspe 28428/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
[4] Além da restrição ao período geral de campanha, a nova lei também alterou o período de realização da propaganda eleitoral gratuita (por rede e inserções) nas concessionárias de rádio e TV, diminuindo o período de 45 para 35 dias anteriores ao pleito.
[5] No Direito brasileiro, v. SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, pp. 177 e ss.
[6] Note-se que reconhecer isso não impede que a Justiça Eleitoral controle eventuais abusos (de poder político ou econômico) na propaganda eleitoral, antecipada ou não.
[7] V. CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. Bauru: EDIPRO, 2010, p. 502. É o caso, por exemplo, da aplicação de multa a eleitora, mantida pelo TSE, que utilizou adesivo em veículo a favor de candidato ao pleito presidencial de 2010 antes do período permitido (TSE, DJ 22 maio 2012, Rp 203142/DF, Rel. Min. Marcelo Ribeiro).
[8] Na linguagem de Robert Dahl, trata-se da compreensão esclarecida, um dos cinco elementos necessários ao processo democrático. V. DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012, pp. 176-177.

 

 

 

 

Autor: Felipe Mendonça Terra é mestrando em Direito Público pela Uerj e advogado no escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados – BFBM.

 

 

 


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