Autoras: Carla Chichitostti e Isabela de Santana Berigo (*)
Desde dezembro passado, quando foram retomadas as sessões de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), após período de paralisação em razão da operação zelotes da Polícia Federal — que investiga, entre outras coisas, denúncias de venda de votos e lavagem de dinheiro no órgão — tem-se esperado uma tendência a decisões mais democráticas e menos discricionárias em suas sessões, o que é visto com otimismo pela comunidade jurídica.
O órgão, juntamente com as delegacias regionais de julgamento (DRJs), é responsável pelo julgamento de litígios em relação a lançamentos tributários realizados pelo Fisco, órgão federal de fiscalização. Suas turmas colegiadas atuam em segunda instância, enquanto as delegacias em primeira. A última decisão que demonstra a tendência de posicionamento do Carf é justamente a anulação de uma decisão de 1ª instância que negou pedido de perícia do contribuinte, sem, entretanto, apresentar a devida motivação.
De maneira similar, o Carf recentemente anulou auto de infração lavrado pelo Fisco, que havia sido mantido pela DRJ de Belém, em razão da não intimação de empresa do mesmo grupo econômico da autuada. Conforme entendimento exposto na decisão anulatória do auto, a ausência de intimação importa em vício no lançamento, o que atenta ao princípio constitucional do contraditório e da ampla-defesa, sendo, assim, insanável.
Provavelmente, em razão da reestruturação do Carf e da consequente mudança de composição das turmas julgadoras, influenciadas pela operação citada, que colocou os procedimentos do órgão sob o olhar do público e de investigadores, alguns princípios administrativos e processuais tem tomado vulto. A imagem da integridade da instituição é, segundo declarou o próprio presidente do conselho, Carlos Alberto Barreto, uma das maiores preocupações na sua reestruturação.
É o caso da efetiva aplicação, no processo administrativo, de princípios da Administração Pública e subsidiariamente de outros princípios e regras do devido processo legal. Nos casos citados, deu-se atenção à motivação do ato administrativo e ao contraditório e a ampla defesa. A partir do momento em que não se expõe o motivo do indeferimento de determinado pedido ou não se faz a adequada citação das partes, são cerceadas as possibilidades de defesa do contribuinte e, por isso, decisões nesse sentido não podem perdurar.
É verdade que existe uma propensão velada de órgãos de julgamento administrativos de não se atentarem com afinco à necessária imparcialidade do Estado-juiz, justamente em razão de serem, em determinada medida, parte interessada nos processos administrativos. Desses órgãos, o Carf, porque formado igualmente por julgadores representantes de contribuintes e de funcionários públicos, é mais democrático que a regra geral e, mesmo assim, a atual mudança de postura demonstra como ainda é possível evoluir — e muito — na esfera administrativa.
Ainda que nem todas as matérias na pauta do órgão e que vem recebendo maior atenção dos tributaristas tenham sido decididas favoravelmente ao contribuinte, como no caso da amortização do ágio pago com a aquisição de empresas (que é entendida pelo Fisco como feita com o objetivo exclusivo de reduzir custos com impostos, importando na autuação das empresas) e do ganho de juros sobre capital próprio; as decisões apontadas indicam um cenário animador, demonstrando um esforço do órgão julgador administrativo em atentar-se aos princípios democráticos do devido processo legal.
Autoras: Carla Chichitostti é advogada do Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho Advogados.
Isabela de Santana Berigo é advogada do Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho Advogados.