Cleuton Barrachi Silva (*)
Resumo: cuida-se de uma teoria da ação, em que pese, trás no incremento do risco sua maior característica. Basicamente se aplica quando da criação de um risco não permitido e sua configuração em confronto com a lei vigente, ou ainda, um aumento do risco já existente.
Introdução.
Este singelo trabalho tem por finalidade uma breve abordagem sobre a teoria da imputação objetiva, que tem se difundido bastante em várias partes do mundo, arrancando de alguns, aplausos, e de outros, críticas ferrenhas, sob o argumento de que esta recaiu na mesmice das teorias já existentes (naturalista, finalista, teoria social, etc).
Para atingir o escopo deste, abordarei o conceito de crime de forma bastante breve, passando ainda pelas teorias da ação mais conhecida, como a teoria causal ou naturalista, defendida por Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Pietro Nervolone, Belling, entre outros; ainda a teoria finalista da ação, adotada por Hans Welzel, Maurach, Damásio E. Jesus, Juarez Tavares, Heleno Cláudio Fragoso, e outros mais; passando também pela teoria da ação social, defendida por Johannes Wessels, Engish Jescheck, C. Fiore, além de Miguel Reale Júnior, Nilo Batista e Everardo da Cunha Luna, até chegarmos à teoria da Imputação objetiva, escopo precípuo deste trabalho.
Conceito de crime.
O que é crime? Qual seu conceito?
Considerando que nosso Código Penal não trás uma definição expressa do conceito de crime, conclui-se que em nosso país, o conceito de crime é puramente doutrinário, tendo, contudo surgido vários conceitos, sob aspectos diferentes, tais quais o conceito formal, material e analítico. Conquanto, foi através de um conceito analítico que a doutrina conseguiu firma-lo.
Embora muitos tenham dito que crime é um fato típico, antijurídico e culpável, firmou-se o entendimento de que a culpabilidade é elemento da conduta, sendo esta, um dos elementos essenciais do fato típico, e este elemento essencial do crime. Em assim sendo, pode-se concluir que nossa doutrina configurou-se em ditar que CRIME é um fato típico e antijurídico.
Fato Antijurídico é aquele em que está contrário à lei, ou ainda, o efeito contrário provocado entre a lei e o fato típico praticado.
Fato Típico é um comportamento ativo ou omissivo, provocado pelo homem, e que está perfeitamente correlacionado com a norma. Seria, outrossim, o que diz a lógica jurídica, a subsunção, isto é, a perfeita correlação do fato à norma.
Elementos constitutivos do fato típico.
Considerando que crime é, um fato típico e antijurídico, e que a antijuridicidade é uma conseqüente contrariedade entre a lei e o fato praticado pelo agente, permito-me aqui citar os elementos constitutivos do fato típico, que são quatro:
a) conduta (ação ou omissão);
b) resultado;
c) nexo causal;
d) tipicidade.
Como bem lembra, Julio F.Mirabete, “Caso o fato concreto não apresente um desses elementos, não é fato típico e, portanto, não é crime. Excetua-se, no caso, a tentativa, em que não ocorre o resultado[1]”.
Teorias da conduta.
“Nullum crimen sine conducta”, expressão latina que significa, “não há crime sem uma conduta”. Podemos conceituar conduta como sendo um comportamento em harmonia ou desarmonia com a lei, a moral e os bons costumes. Como já foi devidamente mencionado alhures, sendo a conduta um elemento essencial do fato típico, e ainda, a ação ou omissão, surgiram várias teorias sobre a conduta, sendo que as mais difundidas são a teoria naturalista (causalista); a teoria finalista da ação; a teoria social ação e citaremos agora, ainda pouco divulgada em nosso país, mas pode-se dizer que surgiu para nós ao final da década de noventa e início deste novo milênio, que é a teoria da imputação objetiva. Brevemente, portanto, passo a síntese das teorias relacionadas, me atendo a última, evidente, por tratar-se do objeto principal deste humilde trabalho.
Teoria causalista (naturalista)
A teoria causalista da ação foi muito defendida no início do século por Nélson Hungria, Fernando Noronha, dentre outros renomados juristas, e que consiste basicamente em: ação, nexo de causalidade e resultado. Visa somente o fim da conduta, deixa de lado o que diz respeito aos elementos subjetivos do tipo, como o dolo, a culpa, etc. O tipo neste caso era totalmente objetivo.
Teoria finalista
Já a teoria finalista da ação, surge aproximadamente na metade do século passado, onde encontra na pessoa de Hans Welsen, seu maior defensor. Nesta teoria, encontra-se, outrossim, além dos elementos objetivos (ação, nexo de causalidade e resultado), o elemento subjetivo do tipo (dolo e culpa).
A teoria finalista, trás na vontade seu próprio centro, seja no ato de assumir o risco de praticar eventual conduta (dolo), seja na forma em que não observadas as medidas de cuidado, acabou por praticar o fato penalmente incorreto (culpa).
Teoria social da conduta
Surgiu como uma forma de interligação das teorias causalista e finalista da ação, onde, não obstante seja levado em consideração os aspectos causalístico e finalístico, leva-se em consideração principalmente, o aspecto social da ação, ou seja, sua relevância social. O maior empecilho desta, seria principalmente descrever o conceito de relevância social, pois se sabe que relevância social é algo bastante subjetivo, onde o que é relevante no sul pode não o ser no norte, e assim sucessivamente.
Haverá a configuração do fato típico, de acordo com esta teoria, se houver relevância social, por assim dizer, não havendo tal clamor, não há que se falar em relevância jurídico-penal, basicamente.
Teoria da imputação objetiva
Breve histórico.
Existe escritos que mencionam a origem da teoria da imputação objetiva no Direito Grego, e ainda, consoante eminente mestre Damásio E. de Jesus, esta teria surgido a aproximadamente 60 anos. Outros dizem que com base em escritos, que tanto uma quanto a outra estão equivocadas, uma vez que, sabe-se, que a teoria da imputação objetiva é originada do funcionalismo penal, de Luhmann e Jakobs, outros dizem que sua origem se dá nos pensamentos de Hegel, no século XIX, sendo que esta é nossa posição.
Principais propriedades da imputação objetiva.
A teoria da imputação Objetiva enfrenta ainda hoje, uma enorme resistência, onde muitos autores a encaram não como uma inovação, mas sim, um apanhado geral das outras teorias que tratam sobre o assunto tipo penal. Entretanto, sendo um de seus maiores críticos, Sidio[2] Rosa de Mesquita Júnior, cita três considerada inovações desta teoria, senão vejamos:
– “a adequação social é elemento do tipo;
– não se fala mais em resultado naturalístico, uma vez que ele será sempre caracterizado pelo risco ao objeto jurídico. Dessa forma, desenvolveu-se a distinção entre risco permitido e risco proibido;
– a conduta só será imputável objetivamente ao agente se houver plausividade mínima entre a conduta e o resultado final”.
Pelo exposto, dá-se a nítida idéia de que a inovação mais acentuada que a imputação objetiva nos trouxe é mesmo o “incremento do risco juridicamente permitido”.
Roxim ensina que segundo esta teoria, o injusto típico deixa de ser um acontecimento fundado no causalismo e finalismo, para buscar no âmbito do risco a razão de causa de algo não permitido.
Risco permitido e risco proibido
No intuito de nos aprofundarmos um pouco na teoria propriamente dita, necessário se faz fazermos uma breve explanação do que vem a ser risco permitido e risco não permitido, já que o risco tornou-se a principal diferenciação entre esta e as demais teorias do tipo.
Risco permitido, de forma simples, pode-se dizer que é um risco aprovado. Deste modo, podemos com base em um trocadilho melhor ilustrar o risco permitido, qual seja: toda ação proibida tende a ser perigosa, contudo, nem toda ação perigosa é proibida.
Ilustrando de forma tranqüila o último parágrafo, cito as ações de dirigir, fabricar armas, ingerir álcool, entre outras, lembrando que todas estas ações geram riscos, como o exemplo de dirigir, cita-se de passagem, as estatísticas de trânsito que comprovam tal risco. Outrossim, entendo que se proibir qualquer destas condutas mencionadas, o direito de liberdade furtado constitui um bem jurídico de maior expressão que a menção de perigo apresentada. Este mesmo direito de liberdade, atualmente, faz com que corramos riscos permanentes, entretanto, riscos socialmente toleráveis.
Em poucas palavras, podemos definir o risco permitido, como: aquele que embora perigoso, é absorvido pela sociedade, e esta o absorve mesmo sabendo que pode vir a causar danos.
O risco não permitido, a contrario sensu, é aquele em que a sociedade irá se impor, de modo a não permitir a prática de qualquer conduta que possa eventualmente produzi-lo. Poderia ser até o mesmo risco permitido, porém, a conduta do agente o tornaria contrário ao ordenamento. Podemos citar como exemplo, o uso de armas por pessoas não autorizadas em locais públicos.
Aplicabilidade da imputação objetiva
A teoria da imputação objetiva torna-se aplicável para seus idealizadores, no momento em que não se deve, como em alguns casos pela ótica naturalista e ou finalista, imputar a alguém um resultado lesivo ao bem jurídico levando-se em consideração apenas os fatores elementares do tipo impostos pelas teorias já existentes, tendo, contudo, de ser apreciado o risco causado pela ação e o resultado lesivo desta. Desta maneira, podemos claramente ilustrar o fato proposto, senão vejamos:
Procuremos um caso bastante recente e que causou grande comoção social, ilustra-se de passagem, o ataque terrorista ao Word Trade Center. Neste caso, imaginemos que um filho indigno, visando a morte do pai para obtenção dos frutos da herança, resolve presenteá-lo com uma passagem de avião para uma turnê que sairia aproximadamente às 08:00 horas de Nova Iorque para qualquer outra cidade dos EUA, no dia 11/09/01. Ora, pelo ângulo causal, finalista e social, seria ao filho necessariamente imputado a morte do pai, uma vez que houve a ação (viagem), o nexo de causalidade, o resultado a vontade em matar o pai.
Assim, procurando detalhar melhor o exemplo, e aplicando-lhe a teoria da imputação objetiva, entende-se que não há qualquer possibilidade de responder o filho pela morte do pai, sendo que embora quisesse o filho o tal sinistro, não poderia em sua condição simplesmente prever o resultado, e mais do que isso, não praticou qualquer conduta que pudesse aumentar o risco permitido, tolerável. A título de exemplo, parece-me congruente tal distinção, uma vez que não há qualquer reprovação em dar de presente uma viagem de avião, o risco ali existente é perfeitamente aceitável. Só será imputada a responsabilidade, quando o agente eficazmente contribuir para a lesão ao bem jurídico.
Percebe-se que a teoria da imputação objetiva, como já anunciava Roxim[3], caracteriza-se apenas sob o aspecto objetivo do tipo, sendo que a responsabilização fica sob a prerrogativa do surgimento de um elemento subjetivo e ainda, sobre os demais requisitos da conduta punível.
Penso também que pela imputação objetiva, não se faz possível punir uma pessoa que embora tenha cometido uma ação perigosa, procurou da melhor forma no momento, resolver o problema surgido. Como exemplo, citemos o caso do médico que no intuito de salvar a vida do paciente que teria poucos minutos de vida, se vê obrigado a fazer uma cirurgia de risco e que futuramente o mesmo paciente venha a morrer em conseqüência da cirurgia efetuada. Ao analisarmos o fato, verificamos que pela teoria da imputação objetiva não seria ao médico imputado o crime, uma vez que sua conduta estava dentro de parâmetros toleráveis pela sociedade, onde apesar de criar o risco, ele buscou uma forma de prolongar a vida do paciente, de forma que o resultado de qualquer forma seria este.
Nota-se que para a teoria da imputação objetiva, não basta o resultado imputado à conduta, deve, outrossim, esta conduta causar, um risco juridicamente não permitido, tendo este que se materializar em um resultado que esteja no âmbito de proteção do tipo penal.
Alicerçando melhor esta idéia, podemos salientar um conceito particular de dolo, uma vez que entendo que o dolo não é simplesmente a intenção de matar, ou até mesmo cometer determinada ação ilícita, mas, sobretudo, querer deliberar o meio hábil para produzir o evento lesivo, ou seja, a morte, a lesão, etc.
A teoria da imputação objetiva diz que este dolo não se encontra no elemento subjetivo do tipo, mas sim no elemento objetivo, subtraído de uma análise entre o nexo de causalidade sob o ponto de vista não-naturalístico, e sim do ponto de vista objetivo normativo.
O que a teoria busca é mostrar que apesar de existir o nexo de causalidade entre a ação e o resultado, é se este pode ser atribuído ao agente, levando-o a responder sobre o crime imputado, como forma de perfeita justiça.
Importa fixar que ocorrerá a imputação objetiva sempre que de qualquer forma, o agente contribuir para que o risco legalmente permitido seja por sua ação aumentado, ou ainda, quando houver uma troca substancial de um risco já existente por outro que não correspondia ao bem jurídico em questão.
Conclusão.
Vale dizer que a teoria da imputação objetiva recai sobre o aspecto objetivo normativo e não naturalístico, sua principal inovação é sem dúvida o incremento da teoria do risco, em que pese somente imputar ao agente, fatos que concretamente contribuiu para o aumento do risco juridicamente permitido com conseqüente propósito de realização deste risco com desrespeito às leis. Com o risco permitido, a imputação objetiva da conduta é excluída. Salienta-se, ainda, que haverá o afastamento da imputação objetiva quando não houver correlação entre o risco ocorrido e o resultado jurídico.
Cuida-se de uma teoria em desenvolvimento, e que no Brasil, encontra-se vários adeptos, estes provavelmente seguidores da doutrina funcionalista de Roxim. Na Alemanha e também Espanha, grandes são os avanços desta concepção, que traria para a sociedade uma constante diminuição da punibilidade, não deixando de punir os culpados, mas buscando superar as dificuldades de nosso sistema penal, trazendo nova idéia do conceito final de uma ação injusta.
O lado negativo é que conquanto na Alemanha exista uma boa aplicação desta teoria, e que tenha defensores como Jakobs, não devemos jamais nos esquecer da realidade jurídico-penal brasileira, onde soluções fáceis a determinados casos em um país de primeiro mundo, podem não o ser para nossa nação.
Bibliografia
1- PARANHOS, Bruno dos Santos.Imputação Penal Objetiva.www.jus.com.Br.2000
2- JESUS, Damásio E. de,Imputação Objetiva-O “Fugu assassino” e o “Carrasco Frustrado”.www.Damásio.com.Br/index5.htm
3- ROCHA, Fernando A.N.Galvão da. Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos.www.direitocriminal.com.Br
4- PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Breve enfoque sobre a imputação objetiva. www.travelnet.com.br/juridica.
5- ROXIM, Claus.Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal.Rio de Janeiro e São Paulo.Renovar.2000
6- MIRABETE, Julio Fabbrini.Manual de Direito Penal-Parte Geral.São Paulo-SP.Atlas.1998.
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de.Pequeno Passeio sobre a Imputação Objetiva.www.jus.com.Br.
[1] MIRABETE, Julio Fabbrini.Manual de Direito Penal.São Paulo.Atlas, 1998.p.101
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa.www.jus.com.br
[3] ROXIM, Claus.Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal.Rio de Janeiro e São Paulo.Renovar, 2000.Prefácio do autor à tradução brasileira.
Autor: (*) CLEUTON BARRACHI SILVA – Bacharel em ciências jurídicas pela Universidade Camilo Castelo Branco – campus de Fernandópolis – SP- pós-graduando em direito constitucional pela Unirp São José do Rio Preto-SP. Coordenador do Juizado Especial Cível da Comarca de Iturama/MG.
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