Toda unanimidade é burra

“Toda unanimidade é burra.” Quem já não ouviu esta famosa frase, de autoria do também famoso escritor Nelson Rodrigues? Na verdade, na vida real, a unanimidade só pode existir por dois fatores: Pela concordância cega ou pelo silêncio dos críticos. Onde há concordância cega, predomina a burrice; e, onde há o silêncio, certamente predomina o medo de se fazer oposição.

Não que a pretensão da unanimidade seja algo negativo, mas ela é, sem dúvida, algo perigoso. Na verdade, para melhor compreendermos o que isso significa, devemos traduzir o termo unanimidade não como plena concordância, mas sim como ausência de questionamento. É aí que mora o perigo da unanimidade, pois a ausência de questionamento pode ser indício da possibilidade da represália, ou mesmo da sua existência declarada.

A unanimidade é tão pouco recomendada que nem mesmo Jesus, na plenitude da sua perfeição, a quis. Se houvesse unanimidade, a sua missão não teria atingido o objetivo. Foi preciso a discordância de um dos seus 12 apóstolos para que, como bem afirmou o Mestre, as escrituras se cumprissem (Lc 22:37 e Mt 26:54).

Ao que pese o exemplo de Jesus, fica evidente que mesmo em se tratando de alguém que absolutamente esteja certo e seja perfeito, a discordância é instrumento de extremo valor. Pois que, se ela for provida de razão, desmascarará o erro; e sendo carregada de erro reforçará a verdade.

Para uma corporação, ou mesmo uma instituição pública, a ausência de questionamento seja internamente, pela sociedade ou pela imprensa é extremamente danosa, pois permite que decisões sejam tomadas sem a devida reflexão, muitas vezes por meros caprichos pessoais que não refletem o interesse público, coletivo ou corporativo. Além disso, ainda permite comportamentos equivocados por parte de administradores, uma vez que, diante da ausência da crítica, impera-se a falsa idéia de que nada está errado.

É o caso do presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti, na questão da contratação de parentes, ao nomear e empossar o próprio filho na Superintendência Federal de Agricultura, em Pernambuco. Ao ser questionado pela imprensa, ele foi enfático: “cargo de confiança é para quem merece confiança. Para mim, que tenho uma família bem constituída, meus filhos merecem confiança. Por isso mesmo eu os escolhi.”

Na verdade, o deputado não está errado, pois não há lei que proíba a contratação de parentes no País. Mas o certo é que, para o bem da saúde das instituições públicas brasileiras, não é ético, não é moral e não convém a contratação de parentes ou mesmo apadrinhados por parte de qualquer dirigente, ocupante de cargo de direção ou representante público brasileiro.

Foi com intuito de se evitarem devaneios administrativos e abusos de poder como estes que, em 1713, surgiu na Suécia a figura do grande senescal (drotsen) que mais tarde seria substituída pelo jutitiekansaler. Sua função era fiscalizar o trabalho dos magistrados, supervisionar a administração do reino e ouvir as queixas dos cidadãos sobre tais coisas. A iniciativa foi tão proveitosa que, em 1809, durante a elaboração e a promulgação da constituição sueca, inspirou o parlamento a instituir a figura do jutitieombudsman, mais conhecido por ombudsman.

No Brasil, o ombudsman surge em 1985 quando a Rhodia muda o seu perfil de empresa fechada e adota nova política que a transforma em uma organização de “portas abertas”, revolucionando a relação empresa-sociedade. Na esfera pública, o surgimento do ombudsman acontece na cidade de Curitiba – PR, em março de 86, com a criação da Ouvidoria-Geral do município e a instituição do cargo de ouvidor. No âmbito federal, somente a partir de 2001 que a iniciativa foi adotada pela Câmara e o Governo.

Ombudsman e ouvidor são na verdade a mesma coisa. Ocorre que, no Brasil, a iniciativa privada tem mais apreço pela primeira terminologia, enquanto a esfera pública prefere a segunda. Em suas funções, também há algumas diferenças. Nas empresas de comunicação, por exemplo, o Ombudsman tem um espaço exclusivo, através de coluna, para efetuar críticas a respeito das atividades da empresa, coisa que não ocorre na esfera pública. A vantagem é que a exposição pública das falhas da corporação torna a atuação do ombudsman mais transparente para a sociedade.

Há alguns dias, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul criou a sua ouvidoria judiciária. De certo que servidores, juízes e jurisdicionados haverão de perceber, a curto ou longo prazos, a importância dessa iniciativa para o bom funcionamento da Justiça Trabalhista em MS, dado que terão ali um espaço para exercer a fiscalização e o acompanhamento dos atos administrativos e da prestação dos serviços judiciários do órgão.

Em entrevista à imprensa sul-mato-grossense, o ouvidor judiciário do TRT/MS, juiz Abdalla Jallad, reforçou o seu desejo de dar ampla divulgação aos reclames que chegarem à Ouvidoria, não os submetendo apenas ao presidente do órgão. Isso é muito importante, pois transmite à sociedade maior sensação de credibilidade pelos trabalhos que serão desenvolvidos pela ouvidoria judiciária do TRT.

Resta-nos parabenizar os representantes da Justiça Trabalhista de Mato Grosso do Sul pela corajosa iniciativa de expor a instituição ao crivo da sociedade, com a criação de sua ouvidoria. Agora, cabe à população sul-mato-grossense assumir o seu papel de ombudsman e prestigiar esse valioso instrumento de exercício democrático e de cidadania com o encaminhamento de reclamações, críticas, denúncias e sugestões que possam contribuir para o aperfeiçoamento da instituição.

Maritônio Barreto
Jornalista, assessor de comunicação do TRT/MS

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