Com o acelerado avanço da ciência, sobretudo no campo da engenharia-genética, aliado à tradicional – e justificável – lentidão legislativa, ganha relevo as preocupações no campo do bio-direito e da bio-ética.
Este pequeno texto busca, apenas, demonstrar quão problemática pode se tornar a aplicação do direito ao caso concreto, se não forem sanadas algumas lacunas que existem hoje em dia – e não apenas no Brasil, mas de forma geral, em todo o mundo.
Criemos um caso hipotético – já possível atualmente, visto o atual estágio de desenvolvimento da ciência genética – onde um indivíduo, casado com uma mulher que, por deficiência qualquer seja incapaz de gerar, dentro de seu útero, uma criança.
Imagine-se que este indivíduo, desejando ter um filho, opte por fazer um clone de si mesmo, com a ajuda de um óvulo doado por sua esposa, e que, posteriormente à “fecundação” seja implantado em uma “barriga de aluguel”.
Até aqui não existem grandes problemas jurídicos, apenas – e sobretudo éticos.
Mas, apenas para “apimentar” o caso hipotético, suponha-se que seja gerada uma criança da forma como foi descrito, e que, depois do nascimento, uma “Vilma Martins” (Apenas para relembrar, Vilma Martins é a acusa de ter “seqüestrado” na maternidade, dois bebês, os quais criou como se fossem seus filhos “legítimos”) qualquer decida “adotar” esta criança.
Porém, o caso se complica, tornando-se quase insolúvel, se, após uns vinte anos, este jovem participe de um concurso “lotérico” qualquer e seja vencedor. Imagine-se o problema sucessório que se desencadearia caso este recém-milionário viesse a falecer…
Quem seriam os herdeiros?
“Vilma Martins” e seu companheiro, os quais criaram a criança como se fosse seu filho?
O “pai”, geneticamente igual ao de cujus?
A mãe que doou o ovário para a inseminação artificial?
A mãe de aluguel?
Ou os pais do “pai”, que, em caso de exame de ADN (DNA é a sigla em inglês, em português, o correto seria ADN: Ácido Desoxi-Ribonucleico) seriam apontados como genitores do falecido?
Certamente o leitor estará se remoendo procurando encontrar uma solução “adequada” ao problema proposto, se isto acontecer, atingimos nosso objetivo que é, apenas, levantar o debate para que o Direito possa acompanhar as mudanças sociais.
É claro que não se busca, com o presente texto, dar-se respostas à tal indagação – mesmo por que seria impossível – mas, hoje em dia, no Brasil, com a atual legislação, ter-se-ia dois caminhos prováveis: 1) ou seriam herdeiros “Vilma Martins” e seu companheiro, pois são os que constam do assento de nascimento; 2) ou seriam os “avós” – ou “pais genéticos” – que seriam os apontados como pais em eventual exame de ADN.
Ambas as soluções, aqui apresentadas, parecem injustas, por isso, urge que se intensifiquem os debates e, principalmente, urge que sejam elaboradas e promulgadas leis que venham a acabar com problemas semelhantes, mesmo que a solução encontrada não seja capaz de saciar nosso senso de justiça, mas que, por outro lado traga de volta o mínimo de segurança jurídica indispensável para o convívio em sociedade.
Autor: Enéas Castilho Chiarini Júnior Fonte: Infojus