Tráfico de drogas e penas substitutivas

*) Jarlan Barroso Botelho

Com o advento da nova Lei 9.714, a qual ampliou de modo considerável a possibilidade de aplicação de pena substitutiva, muitos passaram a defender a tese de que a Lex nova deveria ser aplicada imediatamente aos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes, tendo em vista que estes não eram praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e que sua pena mínima seria de 03(três) anos para os condenados primários.

Partindo dessas duas vertentes, teríamos como permitida a pleiteada substituição, vez que, dentre os requisitos exigidos pela nova redação do art.44, do CP estão insertos:
“1) a pena de até 04(quatro) anos; 2) a ausência de prática de violência ou grave ameaça à pessoa, e, por fim, a primariedade do agente, além das condições do inciso III (condições semelhantes as do art.59 do CP).

Tal aplicação seria respaldado pelo que preceitua o art.2° do CP e o art.5° , inciso XL da Lex Fundamentalis, os quais estabelecem a retroatividade da lei mais benéfica.

Inobstante a interpretação dada por alguns, simplória e cômoda, diga-se de passagem, não nos afigura como correta a exegese inicial, vez que, conforme cediço, o delito de tráfico de entorpecentes é definido como CRIME HEDIONDO, sendo este previsto EM LEI ESPECIAL que define e regula os delitos com tal qualificação.

Adverte-se que as novas regras introduzidas pela neo Lei 9.714 vieram modificar norma de caráter GERAL, in casu as atinentes ao Código Penal em sues arts.43 e seguintes.

Diante de tal constatação, vem à tona a regra de hermenêutica que diz: “LEI ESPECIAL PREVALECE SOBRE A GERAL”. Com isso temos presente o primeiro óbice a militar contra a imediata aplicação da substituição nos delitos do art.12 da 6.368.

Pela redação contida no art.12 do Código Penal, este nos diz expressamente o seguinte, in verbis:

“As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.”

Como nota-se, a regra geral só pode ser aplicada às normas especiais se estas NÃO DISPUSEREM DE MODO DIVERSO, e no caso em tela, a lei n° 8.072/90 estabelece determinação contrária a contida na Lex nova, vez que impõe o regime FECHADO e o cumprimento da pena INTEGRALMENTE em tal regime.

Pela citada lei, o tráfico de entorpecentes, delito punido com pena de RECLUSÃO, não estava passível de anistia, graça, indulto ou liberdade provisória e deve sua pena ser cumprido INTEGRALMENTE EM REGIME FECHADO, justamente por tais crimes apresentarem elevado potencial ofensivo à sociedade.

De bom alvitre ainda lembrar que, ao condenar o delinqüente, o magistrado, após estabelecer a dosimetria da pena (art.59, II), ESTABELECERÁ O REGIME INICIAL DO CUMPRIMENTO DA PENA conforme a determinação do art.59, III, para só depois decidir sobre a possibilidade de substituição desta pena por uma restritiva de direitos.

Ora, se o magistrado impõe ao traficante o regime FECHADO, não poderá em seguida substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pois ai entra a NORMA ESPECIAL (Lei. 8.072) que estabelece o cumprimento da pena INTEGRALMENTE em regime fechado.

Se a regra especial veda qualquer concessão de benefícios, como uma norma geral poderia o fazer se não ao arrepio dos mais comezinhos princípios da lógica hermenêutica?

A aplicação da Lei 9.714 em tais delitos fere expressamente a norma preconizada no art.12 do CP.

Ademais disso, temos que levar em conta a intenção do legislados ao elaborar a nova lei, vez que nota-se ali sua intenção de premiar os crimes de menor potencial ofensivo e excluir os de maior repercussão social, tanto que vedou a substituição aos delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.

O tráfico de drogas é delito por demais pernicioso, o qual põe em risco uma grande parcela da sociedade, vez que atinge principalmente os jovens, os quais são atraídos ao nefasto e sombrio mundo das drogas pelo “canto da sereia” dos traficantes.

As conseqüências de tal delito são catastróficas, não só para o jovem, mas também e principalmente para a família deste. É sem dúvida um delito de extrema vileza, de enorme repugnância, desmerecedor de qualquer regalia.

Importa lembrar que, mesmo o pequeno traficante deve ser rigorosamente punido, vez que este é a ponta de lança do grande traficante, já que é encarregado da distribuição da mercadoria daninha e responsável pelo aliciamento dos jovens desavisados.

Patente que a substituição pretendida não coaduna-se com o espírito introduzido pela lei 9.714, e como tal não pode e não deve ser aplicada sob pena de ferir de uma só vez a boa hermenêutica e a intenção do legislador.

Por fim, utilizando-se dos subsídios da Lex Fundamentalis, impende ressaltar que esta, em seu art.5° , inciso LXIII estabeleceu que: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitiram”.

Nota-se aqui que o legislador constituinte mostrou sua preocupação com o tráfico de drogas, e buscou mecanismos para punir com rigor os seus autores, vedando ao legislador infraconstitucional a concessão de qualquer benesse em casos de tal jaez, o que demonstra, de forma inequívoca a impossibilidade legal, de ordem constitucional, de conceder perna alternativa em tráfico de entorpecentes.

Lembra-se que o Pretório Excelso, por diversas oportunidades, manifestou-se no sentido da constitucionalidade do cumprimento da pena integralmente em regime fechado

Diante do exposto, conclui-se por impertinente a tentativa de ver a pena de prisão convertida em prestação de serviços por absoluta impossibilidade legal.

( * ) O autor é Promotor de Justica titular da Promotoria de Justiça do Juizado Especial Cível e Criminal de Tauá-CE.

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