Transparência e Racionalidade na Administração Pública

Daniel Serra Azul Guimarães

A ampla constitucionalização do direito administrativo e o crescimento de seu caráter principiológico, com a necessidade de ponderação de valores, somados à redução do prestígio da autoridade estatal por si própria e a exigência de que suas posturas sejam justificadas de modo claro e racional, impõem reflexões a respeito da dos princípios fundamentais do direito administrativo.

Como argutamente asseverou Aulis Aarnio, “o que é essencial é que lembremos o que substituiu a crença nas autoridades: a exigência de que as opiniões sejam justificadas. A exigência de justificativa plausível suplantou a crença no poder por si mesmo” (The Rational as Reasonable — A Treatise on Legal Justification. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1987. p. XV).

Avulta, assim, a importância da compreensão do direito como processo passando, consequentemente, para uma posição de destaque na metodologia do ramo do direito em questão o aspecto procedimental da atuação administrativa. Bem lembrada por Gordillo a afirmação do juiz Jackson, da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em plena guerra fria: “Se tivesse que escolher entre as leis do common law aplicadas por procedimentos soviéticos, ou leis soviéticas aplicadas pelo due process of law, não teria dúvidas, nem por um instante, em escolher o segundo” (Op. Cit. P. I-4).

Neste contexto, considerando que nossa Constituição tem acentuado caráter principiológico e impõe a inafastabilidade da jurisdição (5º, XXXV), deve-se, portanto, buscar critérios válidos de razoabilidade para o controle da discricionariedade administrativa, atividade que tem como pressuposto o conhecimento dos motivos fáticos e jurídicos de cada postura administrativa.

Reitere-se que a justificação racional faz-se imprescindível, pois nas democracias ocidentais contemporâneas os atos do Estado não mais se justificam pelo próprio prestígio deste e de seus agentes (Aarnio, Aulis. Op. cit. p. 06).

Assim, o princípio da motivação dos atos da administração pública apresenta-se como verdadeiro mandamento de otimização do controle público dos atos do Estado, permitindo um efetivo controle jurisdicional e mesmo uma legitimação harmonizadora, pela racionalidade, da atividade administrativa. A previsibilidade somada à racionalidade trazem como conseqüência segurança jurídica e pacificação social.

A estas observações, deve ser somado que somente é possível que se saiba se estavam presentes, quando da expedição de um ato administrativo, os seus fundamentos de fato e de direito, com a análise da motivação em que se tenha estabelecido a correlação lógica entre estes e os eventos ou situações dados por existentes (neste sentido: Roberto Dromi, Derecho Administrativo. Buenos Aires — Madrid: Ciudad Argentina, 2004. p. 229).

Com efeito, não é possível contestar a validade de um ato se os seus motivos permanecerem ignorados. Segundo a abalizada lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, “se isto fosse possível, o ato administrativo apresentar-se-ia como definitivo, com força de verdade legal, tão irrevisível quanto uma decisão judicial transitada em julgado. Ganharia os atributos que só assistem aos pronunciamentos judiciários finais” (Discricionariedade e controle jurisdicional. 2a ed., 3a tiragem. São Paulo: Malheiros, 1.998. p. 99).

Para que seja possível aferir o atendimento ou não do interesse público, imprescindível a prévia motivação dos atos administrativos. O fundamento constitucional da obrigação de motivar encontra-se “implícito tanto no artigo 1º, II, que indica a cidadania como um dos fundamentos da República, quanto no parágrafo único deste preceptivo, segundo o qual todo o poder emana do povo, como ainda no artigo 5º, XXXV, que assegura o direito à apreciação judicial nos casos de lesão ou ameaça a direito”, ainda na esteira das sempre pertinentes lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que acrescenta:
“É que o princípio da motivação é reclamado quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhes dizem respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual a não se assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem ajustadas à lei. (…) De outra parte, não haveria como assegurar confiavelmente o contraste judicial eficaz das condutas administrativas com os princípios da legalidade, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade se não fossem contemporaneamente a elas conhecidos e explicados os motivos que permitiram reconhecer o afinamento ou desafinamento com aqueles princípios. (…) O Judiciário não poderia conferir-lhes a real justeza se a Administração se omitisse em enunciá-las quando da prática do ato. É que se fosse dado ao Poder Público aduzi-los serodiamente, depois de impugnada a conduta em juízo, poderia fabricar razões ad hoc” (Op. cit. p. 83).

Percebe-se, então, com clareza, que os princípios da legalidade, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade têm como corolário o princípio da motivação, que também é decorrência do princípio republicano, do devido processo legal e da opção por um Estado Democrático de Direito.

Encerramos, assim, esta breve reflexão sobre tão relevante tema com a arguta observação de Augustín Gordillo, que após apontar entre os limites à discricionariedade administrativa a razoabilidade, afirma que o ato discricionário será ilegítimo, mesmo se não transgredir nenhuma norma expressa e concreta, se não for razoável, o que pode ocorrer, fundamentalmente, quando não dê os fundamentos de fato e de direito que o sustentem; não considere fatos conhecidos ou considere fatos inexistentes, não guarde proporção adequada entre os meios empregados e os fins legais (Tratado de Derecho Administrativo. 8a ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2.003. Cap. X, item 21).

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