O país ainda conta os seus mortos no pior acidente aéreo de sua história. Ainda que seja um meio de transporte dos mais seguros, a tragédia aérea se reveste de excepcional dramaticidade pelo número de vítimas que provoca.
Além disso, gera um ambiente de desconfiança e medo que afeta a todos os que dependem desse meio de locomoção. Nesses momentos, o apoio aos familiares e amigos das vítimas deve ser acompanhado de uma séria reflexão sobre as causas do acidente e as ações a serem implementadas, a fim de evitar que outros aconteçam.
Os aspectos técnicos serão certamente objeto de análise a partir da caixa-preta e dos demais dados existentes. Um olhar mais detido deve ser vertido aos aspectos institucionais do transporte aéreo.
O direito brasileiro, desde a Constituição de 1934, confere à União o direito de explorar ou dar em concessão a “navegação aérea e as instalações de pouso”, como dizia o texto de então. A Constituição de 1988 diz competir à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária” (artigo 21, inciso XII).
O nosso primeiro Código aeronáutico data de 1938, alterado em 1966. Durante todos esses anos coube à Aeronáutica cuidar do tráfego aéreo, tanto militar quanto civil, quer no âmbito estritamente técnico, quer com relação aos aeroportos. Somente em 1972 a União criou uma empresa pública para gerir os aeroportos, por meio da Lei 5.862, a Infraero.
Houve, então, a primeira divisão entre o controle do chamado “espaço aéreo”, que continuou com os militares da Aeronáutica, e a operação dos aeroportos, que foi deferida à nova empresa.
Em 1988, foi editado um novo “Código Brasileiro de Aeronáutica”, por meio da Lei 7.565. Segundo o seu artigo 36, os “aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados” ou diretamente pela União, ou por empresas especializadas da administração federal indireta ou suas subsidiárias (leia-se Infraero), ou mediante convênio com Estados e municípios, ou ainda por concessão ou autorização.
Com algumas poucas exceções de aeroportos operados por municípios e particulares, dos 107 milhões de passageiros atendidos em 2006, 95% o foram em aeroportos geridos pela Infraero. Desses aeroportos, oito concentram dois terços do movimento, sendo o de Congonhas o maior, com 18,6 milhões, a seguir o de Guarulhos, com 15,8 milhões (Brasília, Salvador, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba são os demais, nessa ordem). O aumento de demanda estimado para 2007 é da ordem de 10%. Aprofundou-se, assim, a divisão entre “controle aéreo”, militar, e gestão de aeroportos, civil.
Em 27 de setembro de 2005 foi criada a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), regulada pelo Decreto 5.731, de 20 de março do mesmo ano. Em seu breve período de vida, a Agência começou enfrentando a crise da Varig, o acidente com o avião da Gol e, agora, com a aeronave da TAM. Além disso, conviveu com a greve dos controladores e a crise que a ela se seguiu. Ainda no âmbito institucional, foi criado o Ministério da Defesa, a quem ficou subordinado o Ministério da Aeronáutica.
Não resta a menor dúvida de que o excesso de demanda aérea está sendo o problema a ser resolvido. Para tanto, não bastam apenas obras, mas também capacidade de gestão. O excesso de órgãos a cuidar do mesmo assunto só dificulta uma operação mais rápida e eficaz.
Existe uma evidente superposição de competências entre a Aeronáutica (controle do espaço aéreo), com a complicação de sujeição ao Ministério da Defesa, a Infraero (operação dos aeroportos e suas demandas por expansões e ampliações) e a Anac (gestão do transporte aéreo civil como um todo). A esse cipoal de competências acresce uma indefinição do papel das agências reguladoras, até agora sem uma lei geral que lhes defina com precisão os poderes e as responsabilidades.
Nesse quadro institucional fica difícil a rápida definição de ações e o seu implemento. Evidente é que por trás desse aparato burocrático se encontra o Poder Executivo, na pessoa do presidente da República e de seu Ministro de Defesa e comandante da Aeronáutica. Mas a concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo não favorece a solução, apenas a agrava.
Os afazeres de um chefe de Estado não se coadunam com a operação diária de qualquer segmento da administração pública. A ele compete a escolha dos auxiliares, as instruções gerais e a cobrança de resultados.
Nesse espectro de atribuições, a melhor maneira de gerir deve ser a de deixar para a Anac a definição das diretrizes, para a Infraero a execução da gestão e para a Aeronáutica o controle do espaço aéreo, com uma constante interação entre elas. Algumas variantes podem ser introduzidas e são plenamente autorizadas pela legislação aplicável. O tráfego aéreo pode ser atribuído a funcionários civis, se esta for a melhor solução. Nesse caso há que se definir se ficam eles na Infraero ou se na própria Aeronáutica.
Parcerias com a iniciativa privada devem ser buscadas para desafogar a Infraero de parte de suas responsabilidades e para assegurar outros parâmetros de atuação e maior rapidez à solução do problema financeiro. A Aeronáutica deve ter uma maior liberdade de atuação diante do Ministério da Defesa, pois a atribuição de controle do tráfego aéreo é estritamente técnica e prescinde de qualquer consideração política.
Reportagem produzida pelo jornal DCI e reproduzida por Última Instância com autorização concedida por contrato de licenciamento de conteúdo
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Fernando Albino é professor de pós-graduação em Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), especializado em projetos de Parcerias Público-Privadas e sócio do Albino Advogados Associados