Este portal de excelência nacionalmente reconhecida, recentemente (14/09/2011), veiculou notícia a respeito de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ter declarado nulas todas as provas obtidas na operação Dallas, em decorrência de ofensa ao princípio do juiz natural, já que no Estado do Paraná há Vara Federal especializada em crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro.
Essa linha de entendimento seguida pelo TRF-4, como é sabido de todos, está cristalizada pelo Supremo Tribunal Federal. Entrementes, essa mesma vereda poderia ser trilhada em questões que não envolvam direito penal, quando haja na Seção Judiciária Vara Federal especializada? Explico melhor.
A Lei 12.011/2009 criou 230 Varas Federais, tendo os Tribunais Regionais Federais iniciado as respectivas instalações, e, alguns deles, a exemplo do TRF-1, especializado juízos em temas de grande repercussão social, a exemplo de controvérsias que gravitam em torno de direito ambiental ou agrário.
O nó górdio que as linhas abaixo cortará circunscreve-se em saber qual o foro competente quando ajuizada ação civil pública, mas o local dos alegados danos ou risco de danos não coincidir com a “jurisdição da vara especializada”?
Tenha-se em mente o artigo 96, I, “a”, da Constituição Federal conferir aos tribunais o poder-dever de dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. Somando-se ao texto constitucional, a própria Lei 12.011/2009 determinou aos TRFs estabelecerem a competência das varas por ela criadas. Aliando-se às prescrições constitucional e legal, os Regimentos Internos de 03 Cortes Regionais prevêem sua competência para especializar varas e atribuir competência, pela natureza dos feitos, a determinados juízos federais.
Essa tríade legal (Constituição, Lei e Regimento Interno) é considerada pelo Pleno do STF como suporte suficiente para especialização de vara judicial. No julgamento do HC 88660/CE, discutiu-se se havia ofensa aos princípios constitucionais da reserva de lei, da separação de Poderes e do juízo natural, em virtude de inquérito policial contra acusado pela suposta prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e a ordem tributária iniciara-se na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará, mas, com a criação da 11ª Vara daquela Seção Judiciária, especializada em processar delitos financeiros, o procedimento foi para lá distribuído, em data anterior ao oferecimento da denúncia.
Nesse litígio, o TRF-5 (Resolução 10-A/2003) regulamentou ato do CJF (Resolução 314/2003), que fixara prazo para que os Tribunais Regionais Federais especializassem varas federais criminais para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. No julgamento plenário, de início, entendeu-se ter o CJF exorbitado de sua competência ao definir atribuições de órgãos judiciais, e que, embora inconstitucional a Resolução 314/2003 do CJF, esse vício não atingiu a Resolução 10-A/2003 do TRF-5, pois ela fora formalmente expedida nos termos da Constituição e não está fundamentada apenas naquela resolução.
A relatora, ministra Cármen Lúcia, apenas desacompanhada pelo Ministro Marco Aurélio, ressaltou em seu voto: o tema pertinente à organização judiciária não está restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, uma vez que depende da integração de critérios preestabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais; o tribunal não invadira competência reservada ao Poder Legislativo, na verdade, exercitara competência constitucionalmente legítima e amparada por regimento interno; não houvera afronta ao princípio do juiz natural, haja vista a Resolução do TRF-5 não ter instituído juízo ad hoc ou criado tribunais de exceção.
Com apoio nesse precedente, restou sedimentada a jurisprudência de ambas as Turmas do STF acerca da legitimidade constitucional da especialização de varas federais: HC 96104, 1ª Turma, ministro Ricardo Lewandowski, DJe 05/08/2010; HC 91024, 2ª Turma, ministra Ellen Gracie, DJe 21/08/2008.
Diante do exposto, havendo convergência entre as normas dimanadas da Constituição, de Lei e de Regimento Interno, é clara e evidente a constitucionalidade do ato de especialização de Vara Federal, independentemente, da matéria envolvida. Como visto, esse ato organizatório decorre de atribuição constitucional (norma de maior hierarquia no ordenamento jurídico) conferida aos tribunais, no intuito de organizar administrativamente seus órgãos, com a finalidade última de melhorar a prestação jurisdicional.
De mais a mais, consigne-se a Lei 12.011/2009 ser posterior à Lei 7.347/1985, sendo ainda especial em relação a ela, de modo que, quando o tribunal especializa certa vara para processar e julgar toda e qualquer demanda – inclusive, ACP –, cujo objeto discutido envolva direito ambiental ou agrário, v.g., a competência da ação civil pública que trate dos demais temas segue o regramento geral.
Delineado esse quadro, a especialização de Vara Federal criada pela Lei 12.011/2009 prevalece sobre o artigo 2° da Lei 7.347/1985, desde que haja harmonia entre a Constituição, Lei e Regimento Interno do Tribunal.