Tributação aplicável às novas operações com softwares gera conflitos

Autora: Ana Carolina Carpinetti (*)

 

Muito tem se discutido sobre a tributação das operações com softwares, especialmente com a recente revogação, pelo governo do Estado de São Paulo, do decreto que estabelecia que, nas operações com programas de computador, o ICMS seria calculado sobre uma base de cálculo correspondente ao dobro do valor de mercado do respectivo suporte informático.

Com isso, no entender das autoridades fiscais paulistas, a base de cálculo nas operações com programas de computador passa a ser o valor da operação (e não apenas o valor do suporte físico). Nesse sentido ainda, de acordo com manifestações anteriores do Fisco Paulista, o ICMS poderia ser exigido mesmo nos casos em que a transferência dos softwares se dá via download (transferência eletrônica de dados).

A questão, entretanto, não é tão simples. A evolução da internet e os avanços tecnológicos alteraram substancialmente as características das operações com softwares[1].

Não se trata mais apenas da distinção entre softwares de prateleira e softwares customizados conforme analisado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 176.626/SP, em 10.11.1998.

As questões a serem enfrentadas hoje dizem respeito à tributação das operações de download de softwares, das operações com os chamados softwares como serviços, da disponibilização de softwares para acesso remoto, entre muitos outros temas que surgem com os novos modelos de negócios.

O sistema constitucional brasileiro é um sistema rígido, que privilegia os princípios da segurança jurídica e da legalidade. Com isso, a legislação não acompanha a evolução tecnológica na mesma velocidade.

Apesar disso, os conflitos surgem e devem ser enfrentados tanto pelos contribuintes quando pelas autoridades administrativas e pelos órgãos julgadores.

Como o tema é novo, ainda não há muitas manifestações sobre o assunto. Verificamos, entretanto, que dois dos recentes precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo nos ajudam a identificar os rumos e tendências na análise da tributação aplicável às novas operações envolvendo softwares.

Em linha com as decisões do STF e do STJ sobre o assunto, o TJ-SP tem adotado o posicionamento de que não há incidência de ISS sobre a comercialização de licenças de uso de softwares de prateleira.

Nesse sentido, vários são os precedentes que confirmam que a cessão de direito de uso de softwares não será tributável pelo ISS nos casos em que os programas forem produzidos e disponibilizados aos consumidores de maneira uniforme sem necessidade de adaptação, ainda que comercializados com base em “licença de uso”. Sobre o assunto, confiram-se os julgamentos da Apelação 0051007-52.2012.8.26.0053 e da Apelação 0018226-45.2010.8.26.0053.

A evolução tecnológica e dos negócios, entretanto, traz novos conflitos que não tratam apenas da distinção entre softwares de prateleira e softwares customizados.

Nesse sentido, duas recentes decisões proferidas pelo TJ-SP já analisam novas modalidades de operações com programas de computador.

Em 25.09.2014, a 15ª Câmara de Direito Público analisou a incidência do ISS sobre a atividade de software como serviço (“software as a service – SaaS”)[2].

De acordo com o contribuinte, sua atividade consiste na disponibilização, sem qualquer personalização, de software dedicado à operação de comércio eletrônico (e-commerce) para seus clientes que o utilizarão como plataforma para a venda de seus produtos/serviços na internet.

Assim, na visão da empresa, o software comercializado seria de “prateleira”, feito em larga escala e de modo uniforme e, portanto, não deveria haver a incidência do ISS nesse caso.

O tribunal, entretanto, não concordou com essa posição por entender que o contribuinte estaria adotando um novo modelo de comercialização de programas de computador, denominado “software como serviço”.

Nesse tipo de contrato, as empresas clientes pagam não somente pelo licenciamento de uso do software, mas também pela manutenção, atualização e suporte técnico provido pela empresa contratada, em uma relação jurídica continuada.

As principais características dessa operação seriam as seguintes: (i) o acesso e manutenção do software é feita através da rede, de forma não customizada; (ii) o acesso aos aplicativos é realizado via web; (iii) o licenciamento de uso é temporário; e (iv) há uma relação continuada entre cliente e fornecedor, que disponibiliza constantes atualizações do software mediante o pagamento de mensalidade.

Assim, no entender do tribunal, apesar de não se tratar de software personalizado, desenvolvido individualmente para cada cliente, a operação envolvendo SaaS também não se caracteriza como “software de prateleira”, de natureza jurídica de obrigação de dar.

Com base na análise da essência do contrato firmado entre a empresa e suas clientes, o TJ-SP conclui “tratar-se de prestação de serviço, tributável pelo ISS” nos termos do item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116, de 31.7.2003.

Mais recentemente, em julgamento realizado em 25.08.2015[3], a 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP analisou a incidência ou não do ISS sobre “a cessão temporária de direitos de exploração de plataforma” de geomarketing na internet.

Tratava-se de uma ferramenta desenvolvida pela autora e disponibilizada a determinados clientes por um tempo determinado para acesso a informações de interesse dos próprios clientes (no caso mapas pela internet).

Com base no contrato social da empresa, e na descrição das atividades realizadas, o TJ-SP, seguindo a mesma linha adotada no precedente indicado anteriormente, concluiu que a atividade de cessão de uso da plataforma tem a natureza de prestação de serviço sujeita à incidência do ISS de acordo com o item 1.05 da LC 116/03.

Essas duas decisões recentemente proferidas pelo TJ-SP indicam a adoção de uma interpretação mais ampla do item 1.05 da Lista de Serviços do ISS. Isso porque o tribunal entendeu que a cessão do direito de uso remoto de um software é atividade sujeita ao imposto municipal, pois envolve a prestação de um serviço, ainda que não haja nenhuma personalização do software cedido ao cliente. O assunto ainda deverá ser objeto de análise pelos tribunais superiores[4].

Com base no exposto acima, verificamos que irão surgir diversos conflitos com relação à tributação aplicável às novas operações com softwares. Nesse sentido, destacamos que a verificação da tributação aplicável nos dois casos mencionados acima foi feita com base nos contratos, notas fiscais e demais documentos que suportam as operações.

Assim, é importante que as empresas tomem cuidado para descrever de forma fiel as operações e atividades que são desenvolvidas, para que o assunto possa ser adequadamente discutido quando levado à análise das autoridades administrativas e judiciais.


[1] Os softwares podem ser definidos como um “conjunto de operações e procedimentos que permitem o processamento de dados de computador e que comandam o seu funcionamento” (Recurso Especial 39.457/SP, ministro Humberto Gomes de Barros).

[2] Apelação Cível 0006496-32.2013.8.26.0053.

[3] Apelação 1004053-57.2014.8.26.0053.

[4] No processo 0006496-32.2013.8.26.0053 já foram apresentados Recurso Especial e Extraordinário.  No caso mais recente (processo 1004053-57.2014.8.26.0053) foram apresentados Embargos de Declaração.

 

 

 

 

 

 

Autora: Ana Carolina Carpinetti é associada sênior da área tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados.


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