Tributação do automóvel praticada no Brasil é confiscatória

Autor: Carlos Henrique Abrão (*)

 

Nenhuma dúvida existe no sentido de que o Brasil pratica verdadeira irracionalidade tributária em matéria de veículos automotores. Embora a mobilidade urbana seja uma realidade, o país é um dos poucos ou talvez o único do mundo considerado “jabuticaba” em termos de tributação nessa área.

Pasmem todos os leigos que o valor cobrado a título de imposto sobre propriedade de veículo automotor ultrapassa, em algumas vezes, o próprio IPTU de uma propriedade cujo valor é indesmentivelmente superior.

Consequentemente, o titular do veículo já começa a pagar quando o adquire. Se for importado, estará pagando imposto de importação além do ICMS, porém não se adota alíquota por meio de tributação regressiva coerente com a desvalorização do preço do automóvel junto ao mercado.

Exemplificativamente, para clarear o raciocínio, um veículo importado adquirido no final de 2014 hoje já apresenta uma desvalorização em torno de 30%, sendo que um veículo novo de igual modelo já subiu cerca de 50%.

Demonstra-se assim que a propriedade de veículos torna-se amargo investimento, até porque não temos, como nos países desenvolvidos, específico arrendamento mercantil com as vantagens tributárias inerentes.

Cálculos estimados diagnosticam que, se computados os impostos federais, estaduais e municipais, relacionados aos automóveis, cerca de R$ 50 bilhões anuais são arrecadados pelo Fisco. Mas, em contrapartida e paradoxalmente, se não temos hoje em dia “carroças” em circulação, boa parte das ruas, avenidas e alamedas não apresentam mínimas condições de pavimentação compatível com a essencialidade do serviço público.

O valor de R$ 50 bilhões não inclui, por óbvio, as multas cobradas nas três esferas de poder, haja vista que quase R$ 10 bilhões amealhados anualmente são decorrentes de multas de trânsito.

Nesta perspectiva, a reflexão a ser feita diz respeito à circunstância do contribuinte, premido de transporte público eficiente. Não temos ferrovias interurbanas como na Europa e EUA, ao passo que o transporte fluvial é praticamente inexistente e aquele aéreo apresenta preços incompatíveis com a remuneração da maioria de nossa população.

Tanto é assim que as estatísticas evidenciam que a sociedade, no final de 2017 e no começo de 2018, preferiu o transporte rodoviário, valendo-se da circulação de ônibus intermunicipais, interestaduais e até para fora do País.

Se computarmos o valor pago pelas estradas pedagiadas, vamos alcançar astronômica soma de R$ 100 bilhões pagos anualmente pelos desprotegidos contribuintes brasileiros.

A montanha de dinheiro arrecadada pelos cofres públicos não reduziu o número de acidentes, a imprudência dos motoristas e a embriaguez ao volante, muito menos aumentou a fiscalização no perímetro urbano e nas rodovias. Diariamente lemos nos jornais sobre acidentes fatais, até de pessoas com carteiras de motorista cassadas e pontuação excedida.

Não há qualquer trabalho preventivo do policiamento de trânsito, cujo único viés, desnecessário dizer, visa não o caráter educacional de conscientização, mas o de aplicação de multas, inclusive quando cometidas infrações banais e sem qualquer repercussão em relação à segurança de trânsito.

Em síntese, enquanto o veículo for simples e mero instrumento de arrecadação, continuaremos a ter uma mobilidade precária, transporte público ineficiente e – o mais grave e inaceitável – o retorno dos valores pagos é insignificante para o aprimoramento e aperfeiçoamento das regras de trânsito.

 

 

 

Autor: Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.


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