Por Aílton Soares De Oliveira
A abordagem que pretendemos desta feita tem como palco a atual conjuntura econômica e de mercado; tendente a adotar critérios mundiais, tem aproximados Estados, criando ferramentas que permitam o compartilhamento de conhecimento sobre as atividades empresarias desenvolvidas pela iniciativa privada.
A proximidade dos mercados percorre a mesma estrado do direito, este frente à complexidade das operações aproxima seus diversos ramos, na busca de melhores soluções jurídicas para a vida, especialmente nas companhias multinacionais, assim bem valorando cada solução.
Não há como hoje em dia se propor a falar de tributação sem entender o funcionamento do mercado, que por sua vez encontra regulação em aspectos de direito econômico, este sendo regulado por princípios e regras contidas em sua maioria na Constituição Federal, assim merecendo uma interpretação tipicamente constitucional, agindo exatamente com o que Norberto Bobbio chamara de “autointegração” no desenvolvimento de sua “completude” do ordenamento jurídico.
Recentemente, mais precisamente no último dia 13 de março, o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo 211, um acordo de cooperação entre o governo brasileiro e americano para “intercâmbio de informações relativas a tributos”.
Embora tal acordo tenha sido assinado em 2007, somente agora o presidente do Senado Federal, no uso de suas atribuições, o aprovou.
A redação pífia de técnica constante do Decreto 211 faz menção ao “intercâmbio de informações relativas a tributos”, portanto, abordaremos dois aspectos do contexto: legal e econômico.
Do ponto de vista econômico, já demos uma abordagem inicial. O ponto de partida para formulação do referido acordo, sua motivação, tem como centro aspectos econômicos. Ainda assim o cenário de globalização merece a guarda dos princípios que regem o chamado “mercado”, especialmente aqueles descritos no artigo 170 da Constituição Federal e que compõem os pilares da ordem econômica nacional.
Pelo Decreto 211 que aprova o acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos em 20 de março de 2007, “poderia” se permitir uma fiscalização conjunta de agentes fiscais americanos e brasileiros. A redundância entre “conjunta” e “dois países” é proposital, pois pode-se ter em futuro próximo dois mercados independentes sendo fiscalizados de forma conjunta e por legislações completamente distintas, ou seja, uma situação de ilegitimidade de fiscalização sem precedentes na história deste país.
Ocorre que o referido acordo é completamente dissonante da ordem constitucional e econômica vigente em nosso país.
As diversas modalidades de documentos de direito internacional público não se confundem e não podem ser colocadas no mesmo balaio. Há delegação constitucional para cada ato praticado em termos de representação supranacional.
Na fatídica situação em tela, o “Acordo” aprovado pelo Congresso Nacional não foi assinado pelo presidente da República, como manda o inciso VIII do artigo 84 da Constituição Federal.
O referido acordo foi assinado pelo secretário da Fazenda Nacional à época e de outra parte pelo então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, vício insanável que usurpa competência que a Constituição Federal dá como privativa ao presidente da República.
Um acordo de tal envergadura só poderia ser firmado pela autoridade que comanda politicamente o país, e não por autoridade fiscalizadora e que exerce(ria) seu cargo na rigidez dos critérios da vinculação à função.
O acordo prevê a possibilidade de acesso a livros, documentos, registros, etc. Procedimento que coloca à vista de um terceiro desprovido de competência territorial segredos industriais de empresas nacionais — ainda que tenham negócios em território americano — ferindo assim a livre concorrência, que é principio constitucional que funda a ordem econômica de nossa Federação, uma vez que terceiro alheio a relação entre fisco e contribuinte terá acesso a informações essenciais à liberdade de iniciativa.
Como adiantamos não está a se falar em competência negocial, e sim legal. É Acordo que desrespeita a ordem constitucional instituída, e que nasce com o maléfico vício da inconstitucionalidade.
O desrespeito à Constituição Federal é cantado pelas linhas poéticas de grandes Juristas como Rui Barbosa, o patrono da advocacia. Todavia, atualmente os interesses econômicos e “fiscalizatórios” têm alcançado patamares inaceitáveis, fato que nos ajuda a entender o açodamento do Supremo Tribunal Federal a julgar toda sorte de matéria.
Os adeptos da validade do acordo entre Brasil e Estados Unidos têm como fundamento a necessidade da criação de ferramentas para evitar a bitributação e simulação tributária.
Tal argumento não se sustenta. A bitributação —nos tributos federais atingidos pelo Decreto 211 de 13 de março de 2013— já é vastamente discutida pelos regramentos vigentes, e, é por vezes, repelida pelo próprio ordenamento jurídico, na busca de critérios que evitem a exação sobre a mesma hipótese de incidência. Aliás, sendo comum a legislação nacional irradiar seus efeitos para “fatos tributários” ocorridos fora do território nacional.
Quanto à simulação tributária —que ganha não só contornos de direito tributário, mas igualmente de direito econômico— já há vasto regramento inclusive internacional previsto na Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como recentíssima legislação sobre preços de transferência, que foi aprimorada buscando exatamente atingir situações de simulação tributária; sendo critérios supranacionais que permitem atingir uma fiscalização escorreita da atividade empresarial que não se limite ao território nacional.
É uma pena que não se tenha dado a importância que mereceu o relatório do jurista e então deputado federal Régis de Oliveira, que com a construção de parecer apresentado à Câmara dos Deputados sobre a matéria, ainda em 2008, defendeu com a competência que lhe é peculiar argumentos que indicavam a inconstitucionalidade do acordo agora referendado pelo presidente do Senado Federal, em sua atribuição de chefe do Congresso Nacional.
Nossa intenção como sempre é suscitar o debate e deixar a pergunta: Será mesmo que é desse tipo de intercâmbio que precisamos com os Estados Unidos ou outros Estados desenvolvidos?
Aílton Soares De Oliveira é advogado, sócio do GDO Advogados e especialista em Direito Tributário pela PUC-SP.