Antônio Leopoldo Curi
A economia brasileira vem comemorar mais um feito: está sistematicamente baixando os números do risco-país, metodologia criada por organizações internacionais para, dentre outros objetivos, medir a confiabilidade que os empreendedores podem ter a respeito de realizar investimentos em determinadas nações. As quedas têm sido impressionantes. O risco-Brasil, que basicamente mede a capacidade do país de honrar seus compromissos externos, vem batendo recordes, chegando a níveis ligeiramente acima de 200 pontos.
Os números são tão otimistas que as organizações responsáveis por avaliar o risco-país com maior credibilidade já estudam outras metodologias e critérios para aferir o índice em países emergentes como o Brasil. Por exemplo, o banco Morgan Stanley, talvez o principal elaborador dessas medições, já se prepara para introduzir um novo método, que denominou de “radar micro”. Trata-se de metodologia que analisa a qualidade regulatória e institucional dos países e é complementar ao “radar macro”, mais preocupado com a solvência e grau de liquidez.
Pois bem, sob este novo critério, o Brasil é considerado um dos mais fracos países emergentes, enquanto o Chile está entre os mais fortes da América Latina. Não há mistério algum neste baixo desempenho brasileiro. O “radar micro” mede exatamente fatores impeditivos do desenvolvimento, dentre eles, o peso da carga tributária, o acesso ao crédito, a rigidez das leis trabalhistas e, por último, mas não menos importante, estruturas legais que dificultam os negócios.
Ou seja, o que o “radar micro” apurou não é novidade alguma —ou alguém duvida que o Brasil tenha uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo e a aventura de empreender aqui requeira um fôlego de herói para vencer as hercúleas barreiras burocráticas que nos são impostas? Tudo isso vêm à reflexão quando se assiste à introdução de medidas que, ao invés de atacar o que o Morgan Stanley chama de fatores microeconômicos limitantes, indicam que, talvez, ocorra justamente o contrário.
É o que está acontecendo, por exemplo, na tentativa de se implantar o sistema de Notas Fiscais Eletrônicas, que já têm até uma sigla: NF-e. Na verdade, trata-se de dois sistemas: a NF-e Municipal e a NF-e Estadual. Quanto à primeira, a cidade de São Paulo saiu na frente, argumentando que sua implantação visava a melhorar o controle fiscal, numa tentativa de reduzir a carga tributária individual de pessoas jurídicas e físicas.
Ocorre que nada indica que estes objetivos serão atingidos. O que se sabe, com certeza, é que o principal beneficiário da NF-e em São Paulo será o tomador do serviço, uma vez que o município prevê para ele um abatimento de até 50% do IPTU com base no ISS recolhido. Sob o aspecto deste benefício, a NF-E Municipal até que é positiva, uma vez que deve transformar o consumidor em verdadeiro fiscal da administração pública.
Quanto à NF-e Estadual, sem oferecer qualquer benefício, nem cumpre a discutível tarefa de induzir o consumidor a ser um agente para aumentar ainda mais a sanha arrecadatória do Estado brasileiro. O sistema, iniciado em abril, está ainda em fase piloto em São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul Santa Catarina, Goiás e Maranhão. Nestes, foram escolhidas cerca de 20 grandes empresas que estão testando o modelo. E é aí que entra o “radar micro” elaborado pelo Morgan. A única conclusão que se conseguiu tirar nestes meses de experimento é a de que cada empresa, ao aderir ao sistema, teve de desembolsar entre R$ 300 mil e R$ 1,5 milhão, apenas na fase de testes, para adquirir os sistemas de hardware e software que fazem funcionar a NF-e Estadual.
São números que dão o que pensar. Será que sob a alegação de se introduzir mais uma novidade de Primeiro Mundo não estaremos pagando para ficar mais ainda no Terceiro? O tempo dirá, naturalmente. Mas uma certeza já está cristalina. Além dos custos com que as empresas terão de arcar para se adequar ao sistema, e que, sem dúvida, vão elevar ainda mais o nosso “radar micro”, o Brasil, que, ninguém tem dúvida, precisa gerar empregos urgentemente, estará inevitavelmente desempregando dezenas de milhares de trabalhadores.
A implantação dos sistemas de NF-e trará graves impactos para pelo menos um segmento da economia brasileira: a indústria gráfica de formulários. Este segmento emprega cerca de 102 mil trabalhadores. Com a implantação das NF-e, aproximadamente cinco mil empresas de formulários e gráficas de todo o país correm o risco de fechar suas portas, desempregando, numa estimativa conservadora, perto de 16 mil pessoas!
Além dos investimentos que as empresas brasileiras terão de fazer para se adequar às normas das NF-e, este é outro triste preço que teremos de pagar. É o caso de se perguntar: será que não estamos trocando seis por menos de meia dúzia?
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