TST se equivoca e decide contra nova regulamentação legal

Luiz Salvador , Luciana Cury Calia *

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do Recurso de Revista – RR 675.116/2000, equivocou-se e decidiu que exposição à radiação ionizante não pode ser considerada atividade perigosa, sendo o máximo, venenosa, insalubre. Assim, a Turma reformou a decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (3ª Região), que condenou a Gerdau a pagar as diferenças salariais pleiteadas.

Para reformar a decisão do TRT-MG, o relator do processo, ministro Ives Gandra Martins Filho, entendeu que a portaria do Ministério do Trabalho (nº 3.393/87) que reconhecia o direito à periculosidade aos trabalhadores expostos à radiação ionizante contraria o disposto no art. 193 da CLT. Ele entendeu também que, tanto isso é verdadeiro, que a referida portaria foi revogada pela Portaria nº 496, de 12/12/2002.

A Turma, todavia, não foi esclarecida de que a Portaria nº 496 fora substituída por outra mais efetiva, mais atual, e consentânea com as novas realidades apuradas pela moderna medicina. A nova regulamentação assegurou o direito à periculosidade e não insalubridade, ao reconhecimento oficial no sentido de que qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radiotivas é potencialmente prejudicial à saúde do trabalhador, considerando que as novas tecnologias não permitem a eliminação do risco em potencial.

Segundo o diretor do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho do MTE, Paulo Pena, a revogação da portaria, ao apagar das luzes do governo passado, prejudicou não só os trabalhadores em atividade, que desde janeiro tiveram seus salários reduzidos em 30%, mas também aqueles com ações reclamatórias pendentes na Justiça do Trabalho. “O ato do ministro Jaques Wagner visa restabelecer uma situação anterior, revogada sem qualquer debate ou justificativa, e evitar um grave problema social causado pela redução dos salários dos trabalhadores”, afirmou Paulo Pena. (Fonte MTE 4/4/2003)

O Ministro do Trabalho está legalmente autorizado a regulamentar por ato próprio as exigências de cumprimento das garantias de proteção à saúde do trabalhador, como se extrai inclusive da fundamentação esclarecedora constante já do artigo 3º da nova portaria nº 516, que substituiu a de nº 496 do governo anterior:

“Secretaria de Inspeção do Trabalho, no prazo de 60 (sessenta) dias, fará revisão das Normas Regulamentadoras pertinentes, em especial da NR 16 – Atividades de Operações Perigosas, aprovada pela portaria GM/MTB nº 3.214, de 08 de junho de 1978, com as alterações que couber, e baixará, na forma do artigo 9º, inciso I, do Decreto nº 2210, de 22 de abril de 1997, e do parágrafo único do art. 200 da CLT, incluindo normas específicas de segurança para atividades ora adotadas”.

O art. 200 da CLT assegura que cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo-se em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:

I – Medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos (redação dos incisos I, II, III, IV, V, VI. VII e VIII; e parágrafo único acrescentada pela Lei nº 6.514, de 22/12/1977 – DOU de 23/12/1977.);

II – Depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas;

III – Trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e soterramentos, eliminação de poeiras, gases etc., e facilidades de rápida saída dos empregados;

IV – Proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra fogo, diques e outros anteparos, assim como garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas, com suficiente sinalização;

V – Proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável, alojamento e profilaxia de endemias;

VI – Proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos, limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias;

VII – Higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências, instalações sanitárias, com separação de sexos, chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos industriais;

VIII – Emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações de perigo.

Parágrafo único. Tratando-se de radiações ionizantes e explosivos, as normas a que se refere este artigo serão expedidas de acordo com as resoluções a respeito adotadas pelo órgão técnico.

Portanto, de acordo com suas atribuições legais autorizadas pela legislação vigente, o excelentíssimo Ministro do Trabalho Jacques Wagner, assinou em 4/4/2002 a portaria nº 516, do Ministério do Trabalho e Emprego publicada em 7/4/2003, no DOU, sendo que essa portaria substituiu a anterior – 496 de 11 de dezembro de 2002, revogada na mesma data. E a nova portaria destaca que, qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radiotivas é potencialmente prejudicial à saúde do trabalhador, considerando que as novas tecnologias não permitem a eliminação do risco em potencial.

Essas atividades foram incluídas no rol de Atividades e Operações Perigosas, aprovado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. O trabalho perigoso, com exposição do trabalhador à radiação ionizante assegura ao empregado o adicional de periculosidade, que trata o parágrafo 1º do art. 193 da CLT.

De acordo com o artigo 3º da portaria nº 516, a “Secretaria de Inspeção do Trabalho, no prazo de 60 (sessenta) dias, fará revisão das Normas Regulamentadoras pertinentes, em especial da NR 16 – Atividades de Operações Perigosas, aprovada pela portaria GM?MTB nº 3.214, de 08 de junho de 1978, com as alterações que couber, e baixará, na forma do artigo 9º, inciso I, do Decreto nº 2210, de 22 de abril de 1997, e do parágrafo único do art. 200 da CLT, incluindo normas específicas de segurança para atividades ora adotadas”.

Ao assim disciplinar, a portaria nº 516, do Ministério do Trabalho e Emprego, publicada em 7/4/2003, que prevê que a exposição a radiações ionizantes é caracterizada como periculosidade e não como insalubridade, contrariou a decisão da Quarta Turma TST, norma federal regulamentadora legal vigente.

É lamentável a decisão equivocada do TST ao julgar contra texto expresso de norma legal regulamentadora das garantias de proteção à saúde do trabalhador, adotando-se interpretação restritiva, ao invés de ampliativa em favor do social, ignorando-se a nova disposição legal (portaria 516) do novo governo, editada com base em pesquisas científicas e ao encontro dos interesses e proteção aos trabalhadores e da própria sociedade como um todo.

A Carta Política vigente dá prevalência ao interesse social e não ao mero interesse particular do lucro do capital especulativo (artigos 5º, XXIII e 170, III). O homem tem de ser o sujeito de toda a evolução e crescimento do mundo, em qualquer plano, econômico, social, artístico… E não como se de mera mercadoria se tratasse, já que o que ele vende não é seu corpo, sua vida, sua dignidade, mas apenas sua força de trabalho durante a jornada contratual legal, mas devendo ser respeitado igualmente da mesma forma que deve obediência ao comando do seu empregador, pena de caracterização de abuso, com direito à indenização correspondente a teor do que também assegura o novo Código Civil Brasileiro em seu art. 186:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Como se sabe, a saúde pública é um direito de todos. É de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, inciso II, art. 23 da CF.

O direito à saúde é instituto de ordem pública, direito inalienável e irrenunciável. Ele é garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

São ainda de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Contrariando texto expresso de norma legal regulamentadora dos novos riscos a que estão submetidos os trabalhadores, com direito à periculosidade, cabe à parte vencida, querendo opor embargos declaratórios de pré-questionamento, com pedido de deferimento do efeito modificativo, para o restabelecimento da decisão acertada do TRT de Minas, a teor do entendimento já cristalizado pelo Enunciado 178 do C. TST:

“A natureza da omissão suprida pelo julgamento de embargos declaratórios pode ocasionar efeito modificativo no julgado. (RA 11/88 – DJU 1/3/1988)”;

Não procedentes os embargos, mas pré-questionados os dispositivos legais contrariados (Em. 297 do TST), cabe ainda Recurso de Embargos para a SDI.

E mesmo que isso não ocorra e venha a decisão do TST transitar em julgado, entendemos ainda que a parte vencida no prazo máximo de 2 anos, interponha a Ação Rescisória, autorizada pelo art. 485 do CPC, inciso V, violação literal de disposição de lei:

“Art. 485 – A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (Artigo com redação original restabelecida – Adin nº 1.910-1 em liminar concedida aos 22/4/1999)

I – Se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II – Proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III – Resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV – Ofender a coisa julgada;

V – Violar literal disposição de lei;

VI – Se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

VII – Depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII – Houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX – Fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”.

Luiz Salvador é advogado trabalhista em Curitiba e em Paranaguá, comentarista de Direito do Trabalho da Revista Consultor Jurídico, diretor do departamento de Internet da Abrat, diretor de Relações Internacionais da Fenadv e integrante do corpo técnico do Diap. Site: www.defesadotrabalhador.com.br
Luciana Cury Calia é bacharel em Direito e Relações Públicas, pesquisadora do nexo de causalidade de acidentes do trabalho.

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